Homilia de D. António Carrilho, Bispo do Funchal nas Ordenações Sacerdotais

O sacerdote, testemunha viva do Amor infinito de Deus

 

É com grande alegria que, unidos a Cristo Sacerdote e à Igreja, Povo Sacerdotal, damos graças a Deus Pai pelo admirável mistério e dom do Sacerdócio, concedido a estes três jovens da nossa Diocese, que hoje são ordenados presbíteros: o Hugo Gomes, o Luis Miguel e o Ricardo Freitas.

Depois de um longo percurso de preparação humana, teológica e pastoral, oração e discernimento, eles responderam com um “Sim” generoso a Deus, que os chamou para estarem sempre com Cristo e continuarem a Sua missão, na realidade concreta da Igreja Diocesana do Funchal.

Através do sinal visível da imposição das mãos, estes jovens, cheios de entusiasmo e alegria, vão receber o Sacramento da Ordem, admirável Sacramento que lhes confere uma graça especial do Espírito Santo: Ele os consagra, une e configura totalmente a Cristo, Mestre, Sacerdote e Pastor, e os habilita “in persona Christi” para uma “missão de salvação universal” (Presbyteroum Ordinis, 10).

Hoje, toda a Diocese está em festa na comunhão da mesma fé, louvor e acção de graças. Mas estão particularmente unidos neste louvor a Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote, os seus pais e familiares, os Seminários do Funchal e dos Olivais, os párocos e respectivas comunidades (Santana, Santa/Porto Moniz e Preces/Machico), os religiosos e religiosas, as catequistas e os professores, todos quantos os educaram na fé e lhes testemunharam a beleza do seguimento de Cristo.

 

Ungidos para anunciar a Boa Nova

O belo cântico poético de Isaías, que acabámos de escutar na primeira leitura (Is 61, 1-3), introduz-nos no mistério do chamamento e missão do Messias esperado: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu e me enviou a anunciar a Boa Nova aos infelizes, a curar os corações atribulados…” (Is 61,1). Jesus anunciou a chegada da plenitude dos tempos com a proclamação deste texto de Isaías, aquando da Sua visita à sinagoga de Nazaré. A presença e intervenção de Deus, que salva e liberta o Seu Povo, manifesta-se não só na vocação profética mas também na sacerdotal, como refere o texto.

O sacerdote da Nova Aliança é ungido para anunciar a Boa Nova da Paz e da Alegria. Também no contexto do mundo actual, o presbítero, que ama apaixonadamente a Deus e o seu povo, tem de aparecer como Sacramento de Cristo, Rosto visível do Amor e da Misericórdia junto de todos os homens e mulheres, mas sobretudo daqueles que mais precisam de ajuda, quando a tristeza, o vazio e a solidão se fazem sentir nas suas vidas. Bento XVI recorda-nos que o sacerdócio não é uma simples “profissão”, mas um “Sacramento”: “Deus serve-se de um pobre homem a fim de estar, através dele, presente entre os homens, e agir em seu favor”.

A segunda carta de S. Paulo aos Coríntios, também há pouco proclamada (2 Cor 4, 1-2.5-7), evidencia a sublimidade do ministério apostólico, graça e maravilhoso dom de Deus, e a fragilidade dos “vasos de barro”, que somos nós próprios, transportando esse belo “tesouro do nosso ministério” sacerdotal. Consagrados na Verdade e servos de todos, os sacerdotes são chamados, no hoje da história, a anunciar Jesus Cristo, o Esplendor da Glória do Pai, para que todos tenham Luz e Vida em abundância: “Deus fez brilhar a luz em nossos corações, para que se conheça em todo o seu esplendor a glória de Deus, que se reflecte no rosto de Cristo”(2 Cor 4,6). Cristo é, afinal, o centro da história da salvação!

 

A radicalidade e alegria do seguimento

O texto evangélico de São Lucas (5, 1-11) diz-nos que Jesus Se apresentou na praia, dialogou com os pescadores, que “estavam a lavar as redes”, na sua faina da pesca. É assim: Deus entra na vida concreta das pessoas, pelo que qualquer momento do nosso dia está carregado da presença e do mistério do Amor de Deus; o importante é saber reconhecê-l’O na diversidade dos Seus sinais e apelos.

 

Depois de uma noite sem terem pescado nada, à palavra de Jesus “lançaram as redes” e a surpresa foi grande: uma pesca abundante, com os barcos quase a se afundarem, tal era a quantidade de peixes. Diante do assombroso acontecimento, Pedro pressente a presença sobrenatural e a grandeza divina daquele Homem, que depois os convidou a segui-l’O.

Não são os discípulos que escolhem seguir Jesus, mas é Jesus que os escolhe. A iniciativa é sempre do Senhor que chama, porque nos ama: Ele precede o nosso “sim” frágil, tornando-o forte, responsável e dinâmico. Desde aquele momento a praia alargou-se no horizonte e os pescadores (Pedro, Tiago e João) deixaram tudo, a família e a actividade profissional, e partiram com Jesus para uma aventura divina que não terminaria. Lembra-nos o texto: “Daqui em diante serás pescador de homens. Tendo conduzido os barcos para terra, eles deixaram tudo e seguiram Jesus”(Lc 5,11). A simbologia dos barcos e das redes, usada por Jesus, era uma linguagem conhecida destes homens do mar, de coração humilde mas determinado a seguir o Mestre até às últimas consequências.

 

Comunhão e fraternidade sacerdotal

Queridos sacerdotes, Jesus chamou-nos não apenas para escutar e anunciar a sua Palavra de Vida, mas para estarmos sempre com Ele, na Sua intimidade, assumindo alegremente, na nossa vida concreta, o Seu estilo de vida e de comunhão na entrega total ao serviço do Reino.

Colaboradores directos do Bispo no ministério do sacerdócio, também os novos presbíteros ficam unidos entre si na comunhão sacramental e fraterna do presbitério diocesano. A solicitude, a partilha e a conjugação dos nossos esforços na oração, no estudo e na acção pastoral constituem, sem dúvida, uma grande força, que ajuda a viver, em fidelidade e unidade, os compromissos assumidos igualmente por todos, em inteira liberdade, na ordenação sacerdotal.

A caridade pastoral do sacerdote, que nasce do sacrifício eucarístico e nele encontra a sua plena realização, deverá abrir-se não só à sua própria paróquia ou serviço pastoral, mas ao horizonte alargado da Igreja Diocesana e Universal. E face aos desafios da nossa sociedade globalizada, urge privilegiar a pastoral do acolhimento, a evangelização da cultura, da família, dos jovens, dos novos meios de comunicação e a preparação de agentes pastorais. Temos de nos capacitar sempre mais e preparar as nossas comunidades para corresponderem, com eficácia, às exigências dos tempos de hoje. Daí a necessidade da formação contínua, humana, teológica, espiritual e pastoral.

 

Os desafios do mundo actual

Perante os desafios das novas realidades sociais e culturais do mundo actual, sobretudo face ao relativismo moral e ao indiferentismo religioso, o sacerdote há-de ser uma testemunha viva e contagiante do Amor infinito de Deus por cada homem e por cada mulher. À semelhança do Bom Pastor, ele é chamado a servir com humildade, alertar e libertar dos perigos com a força da Palavra e dos Sacramentos, sinais da presença salvadora de Deus, prestando uma particular atenção às situações mais dolorosas da vida humana.

O sacerdote é um especialista de Deus! Alguém que se deixou cativar e apaixonar pelo Deus vivo. Não pode, por isso mesmo, negligenciar a oração pessoal, como afirmou Bento XVI a padres de todo o mundo, em Roma, convidando-os a serem “pastores” com “uma rica vida interior e profundo zelo no cuidado pastoral”.

Mas é principalmente na celebração da Eucaristia que o padre vivencia a sua profunda comunhão com Cristo Sacerdote e a verdadeira identidade sacerdotal. Podemos até dizer que uma autêntica espiritualidade sacerdotal dimana e converge para a Eucaristia, presença real e sacramental do Amor de Deus no meio do Seu Povo.

 

Serviço de amor e doação total

Sacerdotes, sede sacerdotes disponíveis e abertos ao mistério de Deus, que nos interpela continuamente e nos convida à vigilância. Recordai e guardai no vosso íntimo as palavras do rito da Ordenação, quando diz: “Trazei sempre diante de vós o exemplo do Bom Pastor que veio não para ser servido mas para servir e para buscar e salvar o que estava perdido”.

Sim, vivei no silêncio da escuta a urgência da Hora da revelação do Amor e da Misericórdia infinita de Cristo, que deseja “ardentemente” entregar-Se a todos, sem excepção, para a todos salvar. Conscientes de que é o Espírito Santo que conduz a história, não vos deixeis dominar ou abater pela tristeza ou pelo desalento. Cristo estará sempre connosco e nunca nos abandona!

O Ano Sacerdotal, nas suas perspectivas e consequências, não terminou no passado dia 19 de Junho. Agradecemos a Deus os dons e bênçãos recebidas, durante este ano de graça, em proveito dos próprios sacerdotes e de todo o Povo de Deus.

E recordamos, com gosto, as palavras de Bento XVI, ao encerrar aquele jubileu sacerdotal: “Queridos sacerdotes, dou graças a Deus pelo que sois e pelo que fazeis, recordando a todos que nada jamais substituirá o ministério dos sacerdotes na vida da Igreja. A exemplo e sob o patrocínio do Santo Cura d’Ars, perseverai na amizade de Deus e deixai que as vossas mãos e os vossos lábios continuem a ser as mãos e os lábios de Cristo, único Redentor da Humanidade.”

 

Apelo vocacional aos jovens

E agora, dirijo o meu apelo aos jovens da Diocese do Funchal: abri o vosso coração a Cristo, Redentor da Humanidade; deixai-vos contagiar pela alegria do testemunho daqueles que optaram por uma vida de especial consagração; escutai o Senhor que vos ama e chama alguns de vós a serem “pescadores de homens”, neste mundo onde Deus continua a revelar-Se. Ele precisa do vosso coração, cheio de amor, alegria e entusiasmo, e dos vossos lábios, para continuar a Sua missão no mundo.

Caros sacerdotes e ordinandos, o Ano Sacerdotal abriu novas perspectivas para reavivar o dom e a vivência do nosso ministério. Que a Luz de Cristo brilhe, através do nosso testemunho de vida sacerdotal, e inunde de alegria e de esperança o coração dos jovens e de todos os que procuram a verdade, até por caminhos sem Deus.

E, a terminar, ao mesmo tempo que felicito os novos sacerdotes pela generosidade e alegria do “sim” de cada um, na disponibilidade para o serviço do Reino de Deus, saúdo também aqueles que, em 2010, celebram 50 anos de ordenação (Bodas de Ouro): o Rev.do Cónego Manuel de Freitas Luís, Pároco da Graça, e o Rev.do P. Sidónio Peixe, a trabalhar no Patriarcado de Lisboa, ordenados a 15 de Agosto de 1960; e ainda o Rev.do P. António Ribeiro, sacerdote da Comunidade dos Padres Salesianos do Funchal, ordenado a 3 de Julho do mesmo ano. A todos lembramos nesta Eucaristia, felicitando-os e agradecendo-lhes o testemunho de uma longa vida, no exercício do múnus sacerdotal.

 

Mãe da Igreja

A Maria, Mãe da Igreja, Rainha do Clero, confio os nossos sacerdotes, diáconos, seminaristas e jovens em discernimento vocacional. Que todos se deixem conduzir pela novidade do Espírito de Deus e respondam com alegria, entusiasmo e empenho, à própria vocação, na fidelidade e inteira disponibilidade para servir, como Maria.

Funchal, 24 de Julho de 2010

† António Carrilho, Bispo do Funchal

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