Padre Ricardo Jorge Freire, biblista, Professor da Universidade Católica Portuguesa
A Bíblia é uma história de esperança, e a esperança não se diz na Bíblia a não ser dentro da história. Bastará pensar nos pontos marcantes da história do Povo de Israel, por quanto ao Antigo Testamento diz respeito, para se dar conta que é uma história marcada por uma esperança de salvação, sobretudo nos momentos difíceis deste Povo. Afigura-se, assim, já desde o início, uma conclusão: a Bíblia é uma história de diálogo em que, por um lado, está Deus, Alguém que pode garantir a salvação e que a promete e, por outro lado, está quem espera que a promessa se torne realidade, ou seja, o sujeito da esperança, todo um Povo que confia na verdade de quem promete.
Quando se passa para o Novo Testamento, esta ideia de fidelidade de Deus à promessa está marcada bem desde o início da história de Jesus. Veja-se a insistência sobre a realização das promessas antigas no hino do Benedictus (cf. Lc 1,68-79), como já tinha estado presente no Magnificat, também ele um hino de vitória pela salvação oferecida por Deus em favor do “seu servo, Israel”, “conforme tinha prometido” (Lc 1,54-55). Torna-se claro que toda a esperança de um povo se concentra no nascimento de um Menino que será chamado “Jesus” (cf. Lc 1,31), que quer dizer “Deus salva”. Ora, a própria figura de Abraão, que nos leva às origens mais remotas da fé monoteísta de Israel é apresentada como modelo de uma esperança quando não seria já possível esperar, esperança esta também ela realizada (cf. Rm 4,18).
Nestas primeiras linhas, terá ficado clara a ideia de que o ator principal desta história da salvação é o próprio Deus, o que prometeu e que se mantém fiel à promessa. Sujeito da esperança, porém, é o Povo de Israel. Importa saber o que espera. Certamente, espera o Messias, como bem recordam os textos bíblicos que nos acompanham na liturgia do Advento. No entanto, é importante que nos perguntemos sobre o porquê dessa esperança, sobre as razões que levam a concentrar toda a esperança sobre a vinda do Ungido do Senhor.
O conceito de salvação traz consigo a ideia de justiça. Aqui toda a esperança tem de ser colocada em Deus. A mensagem profética vetero-testamentária faz apelos constantes à conversão, na esperança de que as instituições humanas, purificadas dos seus males, reponham a justiça (cf. Os 3,4-5). Todavia, como no caso de Isaías, todo o anúncio de salvação vem da esperança de uma intervenção de Deus na história humana, através do surgimento de um Messias que socorra os pobres e oprimidos (cf. Is 11,1-5, um texto messiânico, com um cunho de justiça social). Neste contexto, é grande a desconfiança a respeito de uma total conversão do Homem, a ponto de ser capaz de garantir a justiça ao Povo. Portanto, Deus aparece, uma vez mais, como o garante último, se não mesmo o único, garante da justiça e realizador da esperança do Povo.
A este ponto, uma nova questão emerge. Depois do nascimento de Jesus, que identificamos e proclamamos como o Messias esperado, haverá ainda lugar para a esperança? Paulo dá a entender que não só se pode continuar a ter esperança, como também ela acaba por ser uma característica daqueles que são justificados pela fé em Cristo (cf. Rm 5,1-2). Há uma esperança pela salvação definitiva, conforme recomenda ainda Paulo, em 1Ts, ao falar sobre o Dia do Senhor: mais uma vez, é o próprio Deus o protagonista dessa promessa de salvação que consiste na união com Jesus Cristo (cf. 1Ts 5,9-10).
Uma última relação é sugerida ainda por Paulo. A relação entre esperar e ver: “uma esperança naquilo que se vê não é esperança. Quem é que vai esperar aquilo que já está a ver?” (Rm 8,24). Desta forma, a esperança coloca-se necessariamente do lado do futuro. Tal como futuro não se conhece, mas é na busca da sua realização que vamos prosseguindo a nossa caminhada, porque acreditamos que há futuro mesmo se continuamente vivemos no presente, da mesma forma, somos alimentados pela esperança para viver a realização da promessa no presente. A realização da promessa não anula, contudo, a renovação da esperança, uma vez que ela é constitutiva do nosso cristãos. Por isso, em pleno Advento, sejamos arautos da esperança, também na sociedade em que vivemos, quando fazem falta pessoas que acreditem. Ao nosso tempo de incerteza poderia bem aplicar-se um texto da Carta aos Hebreus: “a fé é garantia das coisas que se esperam e certeza daquelas que não se veem” (Heb 11,1). Tudo isto, confiantes que há um futuro certo mesmo depois de um presente em que é a incerteza a reinar.
Padre Ricardo Jorge Freire, biblista
Professor da Universidade
Católica Portuguesa