Portugal tem eleições no final do mês e os debates já começaram, mas o discurso político continua distante dos jovens e é isso que os afasta, diz a antiga presidente do Conselho Nacional da Juventude
Entrevista conduzida por Ângela Roque (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)
2022 foi decretado o Ano Europeu da Juventude. O que é que isto pode significar de mudança real e efetiva para os jovens, que muitos consideram a geração mais sacrificada pela pandemia, em termos de consequências futuras?
O facto de se ter declarado este Ano Europeu da Juventude é muito importante. É uma decisão do Parlamento (Europeu) e do Conselho, a pedido da Comissão, mas que revela que as instituições europeias entendem a particularidade dos jovens, o quão desprotegidos estão nestes momentos de crise económica. Já sabíamos isso das crises anteriores, mas a crise da Covid 19 veio reforçar esta necessidade de termos um momento em que se pensa, de facto, nos desafios que os jovens enfrentam e continuarão a enfrentar.
Por outro lado, é uma forma de incitar as organizações a ouvir e a integrar os jovens nas políticas das instituições. Não interessa termos programas só para jovens, como por exemplo os programas de emprego jovem ou de apoio escolar, os jovens têm de fazer parte e ser integrados nas restantes políticas, e é isso também que este Ano Europeu da Juventude vem promover, que não haja qualquer política, seja ela ambiental, energética, educativa ou cultural, que não tenha em conta a perspetiva dos jovens, as suas aspirações, os seus receios e a sua visão para o futuro. Isso é muito importante para a construção da Europa.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, quando apresentou esta iniciativa, lembrou que a pandemia privou os jovens de muitas oportunidades. O Ano Europeu da Juventude vai ajudar a recuperar o tempo perdido? Como é que isso pode ser feito?
Não sei se vai ajudar a recuperar o tempo perdido. Ainda não sabemos todas as consequências que a pandemia terá nas gerações mais jovens. Sabemos já algumas, que é importante mitigar, mas não ainda todas: desde a questão da saúde mental, que afeta o desenvolvimento não só das crianças, mas também dos jovens e de todos; a questão do impacto do confinamento no desenvolvimento emocional e social, até as falhas nas aprendizagens.
Houve uma altura, não sei se se recordam, que se falava da possibilidade de termos uma geração dos “diplomados da Covid”, referente aos jovens que tinham acabado o seu percurso escolar durante a pandemia, que não estariam tão bem preparados e poderiam ter consequências ao nível do seu emprego.
Outra consequência foi o retrocesso nas questões da igualdade de género, especialmente nas famílias mais jovens, na questão da dupla jornada de trabalho para a mulher, viu-se que alguns dos esforços feitos nesta área tinham, de alguma forma, decrescido.
Aquilo que salta mais aos olhos de todos nós são as questões do desemprego jovem. A taxa de desemprego, que era uma das mais baixas em 2019, desde 2013, voltou a aumentar para valores acima da média europeia. Isto, associado a condições muito precárias de emprego, a dificuldades em encontrar empregos de qualidade para os jovens, a uma taxa de sobrequalificação – que também é das mais elevadas da Europa – traz uma enorme frustração, traz vontade de emigrar, como vários estudos já demonstram, e para alguns traz vontade de permanecer na economia informal.
Obviamente que isto são consequências que vamos sentir a longo prazo e que não irão afetar só o jovem, individualmente, mas também o desenvolvimento económico e social do nosso país. Portanto, era importante este Ano Europeu da Juventude para que, de facto, possamos ter um olhar particular para estas questões e poder resolver o máximo de fundo possível.
Já elencou uma série de problemas que preocupam todos, mas em particular os jovens, e falou em “frustração”. Como é que um jovem se sente no Portugal de hoje?
Um pouco como por toda a Europa, porque esta pandemia não nos afeta só a nós, infelizmente. Mas, para nós que sempre tivemos como escape a possibilidade de sair, de ir para outro país e desenvolver a nossa atividade profissional lá, neste momento essas portas estão muito mais fechadas, e isso torna tudo mais frustrante, perigoso, com dificuldade em olharmos para o futuro de uma forma risonha, que seja feliz e que nos permita sonhar, acima de tudo com um futuro em Portugal, que às vezes é um bocadinho difícil, não só as questões de trabalho, de que já falámos, mas também as dificuldades na habitação própria. O facto de termos que nos manter durante tanto tempo nas nossas casas de família, faz com que seja muito difícil emanciparmo-nos, pensarmos na construção de uma vida em Portugal.
Estamos com eleições à porta, e já começaram os debates entre os candidatos. Que temas seria fundamental discutir? O que é que seria prioritário?
Primeiro acho que era muito importante trabalhar em tudo aquilo que diz respeito à participação jovem em si, e que isso pudesse ter de facto eco nestas eleições, e em todos os outros momentos.
Existe uma sub-representação crónica das novas gerações na política. A média de idades de deputados na Assembleia cresceu de 40 para 48 atualmente, face a 1976, quando tínhamos 81 jovens deputados em 230, e hoje temos 35 jovens. De acordo com as listas (de candidatos) vamos ter ainda menos jovens em 2022, segundo os dados do Observatório Permanente da Juventude.
Porque é que isso acontece, em sua opinião? É mais por falta de interesse dos próprios jovens, ou por falta de oportunidade dada pelos partidos?
De acordo com este estudo, o facto de termos tido um número muito elevado em 1976 teve a ver com a necessidade de fazer uma renovação da nossa elite política naquela altura, e de atualmente as questões dos jovens e a juventude em si não ser um nicho eleitoral.
É quase uma ‘pescadinha de rabo na boca’, no sentido em que os jovens não votam, logo não são um nicho eleitoral – ou seja, não têm os decisores políticos a abordar como prioridades coisas que os jovens precisam, querem ou aspiram. Portanto, os jovens voltam a não se interessar, voltam a não votar e com isso voltam a não ser uma prioridade política.
Há muitos fatores que levam a que haja uma taxa de abstenção entre jovens – que não conseguimos medir, como é sabido, mas que, de acordo com as sondagens que existem, se situa por volta dos 50%, ou seja, 9% da taxa de abstenção global do nosso país. E enquanto o discurso político for distante dos assuntos que são importantes para os jovens, obviamente que os jovens não votarão. E que assuntos são esses, era a pergunta que me faziam?
Exatamente.
Enquanto jovem, acima de tudo gostaria muito de ouvir todos os partidos, a Assembleia da República, a explicar como é que vão garantir que eu, por exemplo, vou conseguir prosseguir os meus estudos, independentemente de a minha família me poder ajudar ou não? Como é que vão garantir que o investimento que faço, hoje, na minha educação, vai ter retorno e que esse retorno é em Portugal – a nível da qualidade do emprego, do salário, do vínculo, etc.
Como é que podem garantir que não vou ter um trabalho que não quero ter, de que não gosto, para o qual sou demasiado qualificada, como acontece a tantos de nós?; Como é que vão garantir oportunidades de emprego qualificado, digno, bem remunerado para os jovens? Como é que uma empresa que me contrata hoje consegue oferecer aquilo que as pessoas como eu, lá fora, estão a receber? O que é que vai ser feito para garantir que, se eu der o meu melhor e for a melhor na minha área, vou conseguir progredir, de facto, a nível profissional, em Portugal?
Como é que se garante que, se eu quiser começar amanhã uma empresa, não tenho de ficar meses à espera de respostas de serviços não fico enredada numa burocracia excessiva? O que vai ser feito para que, com o meu salário médio, se assim for, eu consiga ter uma casa e constituir a minha própria família? Vou ter acesso a uma reforma, esse valor é justo, dá para me sustentar efetivamente na minha velhice e corresponde ao esforço da minha carreira contributiva?
Como é que podem garantir que este contrato entre gerações existe e é, de facto, honrado?. Isto para falar de algumas das preocupações…
Mas que nem sempre têm tempo de antena…
Para sermos justos, tem sido feita uma boa cobertura, na Comunicação Social, de alguns destes temas. Por exemplo, as questões da habitação tiveram um grande foco, há pouco tempo, também as questões do emprego. Agora, é preciso ter respostas mais concretas por parte dos decisores políticos, em relação a estas questões. Isto para falar apenas de Portugal.
O diagnóstico está feito, falta o tratamento?
Talvez.
Os jovens não se veem representados no discurso político?
É o que os estudos nos dizem. Recentemente, a Fundação Francisco Manuel dos Santos publicou o estudo ‘Os Jovens em Portugal, Hoje’, que nos diz que os jovens, apesar de se preocuparem, e de metade – como vimos nas questões da abstenção – votarem, efetivamente, de terem um posicionamento ideológico, depois não se reveem nas estruturas formais de poder. Acabam por participar de outras formas, igualmente legítimas, mas não formais, como as eleições. Optam por petições, por fazer parte de grupos informais, pelo ativismo digital, ou seja, por outros mecanismos de participação que não servem para eleger representantes.
Falava há pouco do pacto entre gerações. Como é que olha para a situação em Portugal, do ponto de vista do diálogo intergeracional? A pandemia revelou preocupações mútuas e bons exemplos de entreajuda…
Sim, sem dúvida. Ao nível dos exemplos positivos, temos inúmeras organizações da juventude que, durante a pandemia, fizeram da sua missão garantir que os mais velhos tinham companhia, pessoas para lhes fazer as compras – quando não podiam sair de casa -, para auxiliá-las em tudo. Isso foi uma demonstração de que, muitas vezes, o discurso que procura criar cisões entre gerações não é muito realista, não traduz a realidade.
A sociedade tem sido injusta na forma como se analisam as consequências da pandemia para as gerações mais novas? Estamos presos à ideia preconcebida de que os jovens querem é divertir-se e não se protegem devidamente?
Sim, houve alturas da pandemia em que existiu esse discurso de culpabilização de uma geração contra a outra. Mas penso que, em conjunto, conseguimos ultrapassá-lo e dar a volta, as próprias entidades públicas assumiram que estamos todos no mesmo barco.
Uma das áreas em que os jovens têm sido motores de mudança é a luta contra as alterações climáticas. Isso mostra que, se forem levados a sério, podem contribuir noutras áreas?
Sim, não só nas questões das alterações climáticas. Hoje estamos muito focados nelas, mas esquecemo-nos do papel da Malala (Yousafzai) nas questões da Educação; ou, ainda mais recente do que a própria Greta (Thunberg) nas questões do ambiente, a ação da Maira (Gomez) nas questões das populações indígenas.
Acho que há muitos bons exemplos de jovens que fazem a mudança. Quanto mais integrarmos as preocupações e as reivindicações dos jovens, nestas áreas, mais capazes seremos de resolver os problemas para o futuro. Quanto mais voz, mais capacidade para mudar, para um mundo melhor.
O Papa tem tido uma série de iniciativas e intervenções em que os jovens estão no centro, como foi o caso da ‘Economia de Francisco’, onde os jovens foram desafiados a pensar um novo modelo económico mais amigo do ser humano e do ambiente. Tem sido importante esta atenção do Papa e esta opção de ouvir e os jovens e ter em conta o que pensam?
Sim, sem dúvida. Esta questão da ‘Economia de Francisco’ é inovadora, muito interessante por dois motivos: por um lado, chama os jovens a participar na definição de algo que é comum, reconhecendo as valências e as experiências, o conhecimento e aspirações dos jovens; por outro lado, demonstra que a Igreja está preocupada com aquilo que vai para além dela própria, como as questões económicas, da sustentabilidade, intergeracionais, etc.
A mobilização para a Jornada Mundial da Juventude, que vai decorrer no verão de 2023, em Lisboa, pode ser uma oportunidade para renovar o diálogo entre as comunidades católicas e as novas gerações?
Sim. A perceção que tenho – e é apenas uma perceção, entre amigos, conhecidos – é a de que o catolicismo está a diminuir, de alguma forma, entre os jovens. Muitos nem sequer têm o seu lado espiritual muito presente, ou apesar de serem católicos não são praticantes. Ter a Jornada Mundial da Juventude em Portugal será uma ótima oportunidade para dar destaque à dimensão espiritual da nossa vida, ajudar alguns de nós a fazer essa aproximação à Igreja, porventura. Será interessante perceber o impacto, a nível do diálogo entre as diferentes gerações, porque acredito que vai existir e vai ser muito benéfico para os jovens.