Há lugar para todos neste Natal?

Um apelo do Colectivo de Organizações Católicas para a Imigração 1. “ Pior do que uma má decisão é não decidir”. É a partir desta afirmação que gostaríamos de rasgar o silêncio sobre a não completa aplicação das “disposições transitórias” e a ausência de publicação das Normas Regulamentares do Decreto-lei nº 34/2003, de 25 de Fevereiro, em vigor desde o dia 12 de Março, o qual determina o novo quadro legal de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional. 2. Passaram dez meses (dez longos meses!), mas a Regulamentação ainda não saiu e não vemos respostas socialmente adequadas e “eticamente” coerentes para as situações “preocupantes” que testemunhamos diariamente nas nossas Organizações. Falamos, entre outras, da imperiosa Regularização dos imigrantes não brasileiros, das questões ligadas ao Reagrupamento familiar e aos Menores, das garantias eficazes de Protecção da vida e dos direitos dos imigrantes, dos mecanismos de Apoio social e humanitário aos casos pessoais e familiares mais carenciados e desamparados face ao “espírito” que preside à nova lei, mais repressivo e restritivo dos direitos adquiridos. Na verdade, o actual atraso da Regulamentação da Lei já é ilegal pois ultrapassou-se o prazo legalmente previsto. 3. Neste, e em grande parte por causa deste contexto, são muitos os imigrantes – homens e mulheres – que continuam a ser vítimas de intermediários individuais ou grupos, do mercado de trabalho desregulado e das últimas alterações legais por motivos prioritariamente políticos, que só têm fragilizado ainda mais a situação das pessoas, atirando para segundo plano o que, neste preciso momento, é, a nosso ver, o mais importante: a integração gradual e em dignidade, com deveres, direitos e oportunidades iguais. 4. As nossas Organizações vêem ser-lhes bloqueada a capacidade de mediação e intervenção através dos meios possíveis e caminhos antes abertos segundo o “espírito da lei” para resolver as situações caso a caso. Preocupam-nos particularmente aqueles que possuem requisitos suficientes para aqui ficar tal como desejam, mas vêem cair por terra o seu “projecto de vida” pelo facto de não conseguirem regularizar a permanência e, por conseguinte, consolidar a sua vida familiar e laboral. 5. Confrontando a Imigração, que muitos políticos, religiosos e académicos afirmam como fenómeno muito positivo, com o modo como actualmente é encarada pela política de Portugal e restantes países da União Europeia, verifica-se, ao invés, uma “obsessão” generalizada – que vai ganhando terreno também na opinião do cidadão comum – contra a imigração ilegal, não por pôr em causa a vida e a dignidade humana de muitos migrantes e refugiados, mas porque se associa, indevidamente, com a criminalidade, com o terrorismo e com o aumento do desemprego, assim se justificando uma atitude de implementação de restrições rigorosas às entradas, à permanência de estrangeiros e ao reforço da segurança nacional e europeia, em detrimento da responsabilidade solidária pelo bem comum nacional e universal. 6. Lamentamos que até os aspectos positivos que desejámos e elogiamos, do Decreto-Lei nº 34/2003, de 25 de Fevereiro, não possam ser aplicados aos directamente interessados pois continuam a carecer da Regulamentação necessária. Denunciamos também as consequências acrescidas da não publicação do Relatório de Oportunidades de Trabalho e a “irregularidade”, que ainda persiste causada pela impunidade de uns e incumprimento da lei anterior, nomeadamente das “disposições transitórias,” por outros, o que resultou no agudizar de situações de desajuste psico-social e destruição psicológica de muitas pessoas que recorrem a nós e a outras redes de apoio solidário como último recurso informativo, apoio social e até para serem auxiliados no repatriamento. Alguns de nós começamos a sentir já o dever de solidariedade como se fosse um delito. 7. A exclusão social pode conduzir à violência sobre si e sobre os outros. Parece-nos estar diante de uma estratégia política que, para desencorajar a Imigração para Portugal, se não importa de aumentar a exclusão social e legal, e duma consequente prática que, criando crescentes situações de desprotecção das pessoas, olha a Imigração apenas pelo ponto de vista da legalidade e do direito, sem ter em conta nem as suas causas, nem as suas potencialidades. 8. Enquanto testemunhas de tantos dramas humanos que bem se poderiam ter evitado, apelamos: a que sejam criados todos os mecanismos legais, fiscalizadores e sociais para que a lei seja respeitada e cumprida por todos; a que a lei publicada em 25 de Fevereiro, seja levada à prática, através de uma aplicação criteriosa e acessível aos imigrantes, garantindo-se a clara e a boa informação, serviços públicos funcionais no país e nos Consulados, protecção efectiva de intermediários fraudulentos, pleno exercício do direito ao trabalho e à saúde, sem discriminações, nem xenofobia. 9. Apelamos a boas práticas legislativas, aplicadas com rigor ético e humanismo, sem enfraquecer ainda mais os meios de protecção social e jurídica das pessoas, para que neste Natal, se não repita a triste situação da família de Jesus, obrigado a sair da cidade de Belém, porque “não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc. 2, 7). Lisboa, 02.12.2003 Colectivo de Organizações Católicas para a Imigração (CORCIM): . Capelania dos Africanos de Lisboa (CAL) . Caritas Portuguesa (CP) . Centro Pe. Aves Correia (CEPAC) . Comissão “Justiça e Paz” dos Religiosos e Religiosas (CJPR) . Coordenação Nacional dos Ucranianos (CNU) . Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (FAIS) . Liga Operária Católica/Movimento de Trabalhadores Cristãos (LOC/MTC) . Obra Católica Portuguesa de Migrações (OCPM) . Serviço Jesuíta aos Refugiados (JSR)

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