Gestação por substituição «instrumentaliza» mulher

Parecer aprovado pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida pode causar situações «aberrantes», avisa Daniel Serrão

Lisboa, 10 abr 2012 (Ecclesia) – Daniel Serrão, antigo membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (Cnecv), considera que o parecer deste organismo sobre projetos de lei relativos à legalização da gestação por substituição pode causar situações “aberrantes”.

Dado que “é impossível garantir sempre que não haverá negócio envolvido” no recurso às “mães substitutas”, a aprovação desta prática “abre a porta a desvios, até alguns aberrantes, muito difíceis de prever, de evitar e de punir”, sublinha o especialista em artigo publicado na edição de hoje do Semanário Agência ECCLESIA.

O professor de Bioética critica a decisão por favorecer a “instrumentalização” da mulher, “reduzida” a um útero “grávido de filho alheio, que não lhe pertence, nem lhe pertencerá após sair do seu corpo-objeto”, criando-lhe “dificuldades” no “plano social, psicológico, jurídico e, principalmente, ético”.

O artigo de Daniel Serrão reprova também o facto de o parecer sobre a possibilidade de alterar a lei da procriação medicamente assistida ter sido divulgado pelo Conselho sem referir a circunstância de não ter sido consensual, “o que é de lamentar porque induz em erro a opinião pública”.

O perito em questões de ética explica que seis membros do Cnecv, “do maior prestígio, nacional e internacional”, votaram contra a decisão e “elaboraram um contraparecer que só foi aceite como Declaração de voto”.

“Em países com uma Democracia mais antiga e mais integrada na sócio-cultura do Povo, como por exemplo a Dinamarca, os Pareceres do seu Conselho Nacional de Ética incluem sempre todas as opiniões dos membros, mesmo que seja apenas de um, no corpo do Parecer que é oferecido à opinião pública”, realça.

A declaração conjunta dos seis conselheiros levanta uma “interrogação substantiva”, assinala Daniel Serrão: “Em que medida a mulher que recebe uma criança mediante uma gravidez de substituição, pode considerar esta criança como ‘sua’?”

“A investigação neurocientífica das diversas e mútuas relações mãe/filho, geradas durante a gestação, que são muito fortes e condicionam mudanças no desempenho cerebral da mulher grávida, dá a esta questão do Relatório a maior atualidade científica”, acrescenta.

O médico cita o “contraparecer” para frisar que “à partida não se afigura do interesse do nascituro o facto de lhe ter intencionalmente dissociado a função materna de natureza genética e a função materna de gestação”.

Daniel Serrão lembra que “a maioria numérica do Cnecv, na sua composição atual, não reflete a maioria sociológica representada na Assembleia da República” e diz esperar que a declaração dos seis conselheiros mereça a aprovação da maioria parlamentar.

O antigo membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, função que ocupou durante 15 anos, criticou em agosto de 2009 a nova constituição do organismo, empossada em julho desse ano, pelo facto de 11 dos 19 elementos terem sido nomeados pelo então Governo PS ou por institutos públicos.

“Se o Governo pretender que o Conselho de Bioética fique ao seu serviço, mata o Conselho de Bioética”, afirmou Daniel Serrão em declarações citadas pelo jornal “Público”.

RJM

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