Funções sociais do Estado

João César das Neves, economista, Universidade Católica Portuguesa

As últimas gerações atribuíram ao Estado uma enorme quantidade de tarefas no campo do apoio social, da saúde à educação, passando pela assistência, pensões, proteção civil, etc. São mecanismos relativamente recentes mas que todas as sociedades muito apreciam porque aumentam imenso a qualidade de vida. Acudindo a situações difíceis, da doença ao desemprego, da velhice à pobreza, estes sistemas tornaram-se em poucas décadas pilares fundamentais da nossa sociedade.

O consenso é tão grande que não passa pela cabeça de ninguém eliminar, ou sequer reduzir o Estado social. Apesar disso ouve-se a cada passo falar disso, surgindo contínuos avisos acerca das ameaças contra o sistema, por parte de alguns autonomeados defensores. Parece que há uma conspiração sinistra de alguns perversos que não conseguem tolerar o nosso bem-estar. Estas certezas geram as habituais reações, do furor indignado à penitência compungida. De onde vem tudo isto?

O centro do problema é financeiro e está na sustentabilidade. O único mal é que, por muito populares e poderosos que sejam, os sistemas de apoio social não podem fugir às regras da aritmética. É preciso garantir suporte económico para máquinas que se tornaram enormes, precisamente para assegurar o número crescente das responsabilidades que lhes competem. Mas esse suporte tem, felizmente, condições muito favoráveis devido ao já referido consenso social à volta do Estado social. De onde vem então a dificuldade? Existem duas fontes de problemas que podem transformar esta questão simples numa enorme dificuldade.

O primeiro é a irresponsabilidade de muitos que atiram para cima do sistema custos e responsabilidades que ele não consegue suportar. Infelizmente o oportunismo político tem repetidamente manipulado os termos financeiros do processo, fazendo assim perigar a sua sustentabilidade. Os piores inimigos do Estado-providência são os que se dizem seus dedicados defensores.

A primeira atitude de quem diz defender o papel do Estado na sociedade deveria ser de seriedade na gestão e cuidados na solidez. Mas são alguns dos mais vociferantes defensores do Estado social que criam as políticas que o minam. No caso das pensões, por exemplo, a ideia de reduzir a idade de reforma diante de um aumento da esperança de vida representa uma loucura tão evidente que só pode ser tida como um ataque ao Estado social. Pior, quando depois alguém pretende fazer as restruturações para tornar o sistema sustentável, os mesmos que o atacaram mascaram-se de protetores e descarregam as suas culpas sobre os que as tentam corrigir.
Aqui surge um segundo problema que é a oposição entre os interesses dos cidadãos e dos funcionários dos sistemas de apoio. Aquilo que muitos apresentam como agressão aos direitos sociais são apenas medidas que afetam, não a eficácia do Estado social, mas as conveniências diretas dos que nele trabalham. A pressão política dos agentes do Estado-providência é poderosa, e tem pouco a ver com o Estado e com a sociedade. Mas considera-se a si mesma representiva de ambas.

É evidente que num momento de tão grande aperto nacional, após décadas de facilidade e esbanjamento, todos os elementos sociais têm de ser revistos. Quando a segurança social representa mais de um quarto da despesa total das administrações públicas (sem contar com saúde, educação etc.), são indispensáveis aí ajustes e poupanças. Apelidar isso de ataque ou mesmo destruição do Estado social é uma total irresponsabilidade. Irresponsabilidade, não apenas em si mesmo, mas também por outra razão. É que se um dia vierem a existir verdadeiras ameaças, esses avisos serão misturados com as tolices atuais, e perdem muito do seu valor.
Em qualquer caso, a conclusão é simples: o Estado social é um bem demasiado precioso para ser tratado desta forma displicente e irresponsável. Felizmente a grande maioria dos cidadãos portugueses é sensata e por isso não são de esperar grandes mudanças no Estado social. Até é possível que um dia venhamos a ter um sustentável.

João César das Neves, economista
Universidade Católica Portuguesa

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