Funchal homenageou D. David de Sousa

«Felizes os que habitam na vossa casa Senhor» (Sl. 83) 1. No passado Domingo, 5 de Fevereiro quando realizava uma visita pastoral à Boaventura, uma senhora idosa aproximou-se de mim e disse-me: Morreu o Senhor D. David de Sousa, antigo Bispo do Funchal. Ao Senhor D. David Deus concedeu uma idade patriarcal, morreu com 94 anos, ajudava os estudantes franciscanos no Seminário da Luz a estudar grego e hebraico, línguas que antes leccionara, levava uma vida pacífica e feliz, apesar dos contratempos próprios de uma longa idade. Após uma vida dedicada a Deus e aos irmãos, desde a juventude, o Senhor chamou-o a participar da sua felicidade: «Felizes os que habitam na vossa casa, Senhor, eles podem louvar-Vos continuamente». 2 – Nascido a 25 de Outubro de 1911 na Diocese do Porto, desde muito jovem D. David sentiu-se atraído pela espiritualidade de São Francisco, e com 15 anos ingressou em Tui, na Espanha no Colégio Seráfico da Província Portuguesa. Aluno inteligente e estudioso foi enviado para Roma a estudar Teologia e Sagrada Escritura e, regressando a Portugal, foi um estimado e conhecido professor destas disciplinas, até que a 25 de Setembro de 1957, o Papa Pio XII o nomeou bispo do Funchal. Foi ordenado Bispo na Catedral de Lisboa pelo Cardeal patriarca D. Manuel Gonçalves Cerejeira a 10 de Novembro de 1957. A entrada na Diocese do Funchal foi dramática, devido ao mar agitado que não permitiu ao navio Angola atracar no porto do Funchal. Tendo esperado um dia no mar, seguiu para o Porto da Cruz, onde desembarcou sendo recebido pelas autoridades e muito povo. Seguiu para a Quinta de São Jorge donde veio tomar posse da diocese a 8 de Dezembro de 1957 na Catedral do Funchal. Recordo-me do primeiro encontro com D. David, quando lhe comuniquei que tinha sido escolhido para estudar Teologia e Sagrada Escritura em Roma. Entusiasmou-me por esse estudo e quando mais tarde lhe pedi para frequentar a Escola Bíblica de Jerusalém, concedeu-me essa licença, graça que sempre recordarei. Durante os oito anos de episcopado na Madeira, devido aos meus estudos em Roma e Jerusalém, só estive na Diocese durante quatro anos. Nomeou-me professor de Sagrada Escritura, línguas orientais e membro da equipa formadora do Seminário, pedindo-me, além disso, para ser Assistente espiritual na Acção Católica e Cursos de Cristandade. D. David, apesar da falta de experiência pastoral numa paróquia, em pouco tempo tomou consciência das maiores urgências da Diocese e encontrou medidas cujos efeitos se projectam no futuro. Sendo necessário separar os cursos de Teologia e escola secundária no Seminário, tomou a iniciativa de comprar o hotel Bela Vista em 1958, sendo obrigado para isso a esvaziar as pequenas economias da Diocese, do Cabido e pedir ajuda às paróquias que colaboraram durante vários anos. O futuro veio demonstrar como a secularização obrigou a tomar medidas diferentes. Mandou formar diversos sacerdotes em Roma e universidades estatais, e foi com grande tristeza que teve conhecimento de alguns deles terem abandonado o sacerdócio. Procurou ser pai bondoso para com os sacerdotes, mas lamentou ser maltratado e difamado por alguns deles. A história repete-se, desde os tempos de Cristo até hoje. Para a catequese, numa fase ainda pouco evoluída, criou o Secretariado Diocesano da Catequese que foi depois aperfeiçoado pelo seu sucessor, até que o Plano Nacional elaborou os novos catecismos, dando uma unidade na evangelização das crianças e adolescentes. Considerando o então confortável número de sacerdotes e a demasiada população de algumas paróquias, empreendeu o seu maior trabalho na diocese, o estudo e divisão das paróquias, criando 50 que foram desmembradas das 52 já existentes. O futuro demonstrou como era necessário a divisão, embora algumas delas com as emigrações internas e externas ficassem demasiado pequenas e fosse necessário uni-las sob a direcção do mesmo pároco. A necessidade criada com a construção das novas Igrejas ainda não terminou, mas teve o condão de dotar a diocese com uma rede de edifícios modernos e adaptados à nova pastoral. D. David não teve a felicidade de as visitar mas interrogava-me sobre elas. Dedicou a Igreja do Campanário e colocou 9 primeiras pedras para construções futuras. Os problemas que surgiram com as divisões das paróquias e incompreensões de alguns membros do Clero, foram uma coroa de espinhos que o atormentaram até deixar a diocese. Tendo em conta o serviço caritativo dos vicentinos aplicou à Madeira os projectos de construção de casas para o Património dos Pobres. Um dos graves problemas que muito o afligiram foi encontrar meios económicos para a sustentação do Jornal da Madeira, tendo sido obrigado a vender a quase totalidade do património imóvel da Diocese. D. David participou no maior acontecimento da Igreja no século XX, o Concílio Vaticano II, desde 11 de Outubro de 1962 até ao seu termo. Em 1965, como sucedeu com muitos dos seus antecessores na Diocese, foi transferido para o Continente para a Arquidiocese de Évora, cátedra que ocupou até 1981, data em que a deixou, devido à falta de saúde, principalmente da vista. Deus chamou-o à sua presença a 5 de Fevereiro deste ano. Paz à sua alma. 3 – «Não há maior amor do que dar a vida por aqueles que se ama», esta é a única forma de ser bispo e seguir Jesus Cristo porque «Deus é amor». Com humildade e simplicidade franciscana, D. David viveu os seus últimos anos numa total disponibilidade aos pequenos serviços que transformam a vida em felicidade. Hoje a vida alonga-se de tal forma que se alguém morre por volta dos setenta anos, até se diz que «era jovem»! Podemos dizer o mesmo de D. David, embora ele morresse com uma idade patriarcal. Teve a felicidade de uma velhice abençoada por Deus, com qualidade de vida, não só biológica, mas humana, espiritual, em harmonia com Deus e os homens, esperando a irmã morte. O modelo das bem-aventuranças é um convite à felicidade, que é um paradoxo para alguns, ou seja, o contrário do que se espera num mundo pagão. A felicidade nunca será plena senão no Reino de Deus, nos novos céus, onde o mal e a morte foram vencidos, mas desse Reino já podemos saborear em parte neste mundo, quando não separamos o amor da justiça. Santo Agostinho escreve nas suas Confissões que o homem não desejaria tanto a felicidade se já a não possuísse de qualquer forma. Para este santo, a felicidade é a «alegria que vem da verdade», ou seja, o gozo de Deus que é a Verdade. Esta experiência do Eterno só é plena quando ressoar aos nossos ouvidos a música de Deus, naquele Reino onde os eleitos dançam ébrios de alegria, porque, é ainda Agostinho que nos diz: Deus é música, ritmo, harmonia. Os Padres da Igreja diziam, que «Deus criou o homem e o colocou no paraíso, isto é, em Cristo». O paraíso é a nossa vocação, é uma oferta de Deus a todos os seus filhos. Pedimos a Deus que faça participante da sua felicidade o nosso saudoso Bispo, que ele seja saciado na Paz de Cristo, com Maria, mãe de Jesus, com S. Francisco e a irmã Santa Clara, com todos os santos do Paraíso. Com o salmista nós proclamamos também: «Felizes os que habitam na vossa casa Senhor (Sl. 83). Missa Exequial por alma de D. David de Sousa † Teodoro de Faria, Bispo do Funchal

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