Apontar o dedo ou o olhar é demasiado pouco para quem deve empenhar-se em estender o braço ou dar a mão
«Não devemos ter medo de sujar as mãos, ajudando os miseráveis da terra: para que servirá ter as mãos limpas, se as temos no bolso?»
A pergunta, feita em Fátima pelo cardeal Ravasi no passado fim de semana, foi eleita “frase do dia” por um matutino de segunda-feira. Não resisto também a ela regressar neste espaço, por me sentir pessoalmente interpelado a viver aquilo a que o cardeal italiano chamou de “caridade operativa”.
É, de facto, uma tentação vulgar assumir, como suficiente, o mero estatuto de observador dos problemas. Ou, quando muito, de membro de uma equipa de diagnóstico – deixando para outros o trabalho da cura e do acompanhamento….(Numa hipótese mais piedosa, ainda se chega ao cuidado de encomendar a Deus a delicadeza da tarefa).
Apontar o dedo ou o olhar é demasiado pouco para quem deve empenhar-se em estender o braço ou dar a mão. Só assim corresponde à “caridade operativa” de estar no terreno, fazendo o que se pode fazer – com a humildade generosa de quem sabe que o milagre o ultrapassa. Arriscando.
Vale a pena recordar Tiago (2,15-16): «Se um irmão ou uma irmã estiverem nuns e lhes faltar o alimento de cada dia e se um de vós lhes disser: “ ide em paz, aquecei-vos e alimentai-vos”, sem lhes dar o que é necessário para o corpo, que lhes aproveitaria?».
Com o devido respeito, há aqui um profundo desafio à conversão. Uma conversão que nos torne clara a nossa própria responsabilidade e nos desassossegue de um cristianismo de “pena” ou de consumo privado; que trata a igreja como uma espécie de Loja de Conveniência para necessidades pessoais de última hora, ou um supermercado de cujas prateleiras se recolhe apenas o que apetece comer já ou congelar.
Este é um cristianismo voluntariamente clandestino, que nunca será fermento. E que apenas será combatido quando deixarmos de dizer «estive para…» e podermos dizer, com verdade, «intervim».
Urge a coragem cristã de contrastar, estando presentes nas circunstâncias e nelas agindo, sem medo e com generosidade; com humildade e convicção, procurando a justiça e a paz. Realmente, «o verdadeiro apóstolo procura todas as ocasiões anunciar Cristo»: na família, no emprego, na ação social, política e sindical, etc, etc. E sabe que a atenção privilegiada aos mais pobres é critério e energia para a salvação do mundo e que a promoção humana é parte integrante da evangelização. Sem esquecer, evidentemente, que «a evangelização tem, no seu centro, o anúncio explícito de que Deus nos dá a salvação em Jesus Cristo, crucificado e ressuscitado».
João Aguiar Campos