Festas religiosas são um oásis de frescura

As festas religiosas populares constituem “uma dimensão essencial do nosso modo de viver o catolicismo” – realça o teólogo Jacinto Farias. Nestes meses de Verão não existe nenhuma localidade do Norte ao Sul do país que não tenha a sua festa popular. As duas cidades mais populosas do país celebram o S. António e o S. João mas os outros santos também têm o seu espaço na religiosidade do povo português. “É uma questão muito ampla porque está relacionada com a permanência de aspectos culturais tradicionais, que sobrevivem, numa luta com outros muito mais modernos. Mas, como o povo português tem uma longa ligação à tradição, sobretudo os meios mais populares e aldeãos, nós temos a permanência e a sobrevivência de aspectos da religiosidade popular.” – acentua o sociólogo Mário Lages. Ao nível da convivência entre a Teologia e as Festas Populares, este sociólogo refere que pelo menos durante algum tempo “conviveram mal. Neste momento, por orientações da Igreja, começou-se a dar importância à tradição e piedade popular. Desde os anos 60, tenta-se a conciliação entre o que durante muito tempo foi considerado antagónico.” A Teologia tem um pensamento “muito mais racional do que a religiosidade popular, optando pela via do simbólico. Embora o essencial da religião cristã esteja no simbólico, a Teologia tentou racionalizar tudo o que é de expressividade religiosa” afirma Mário Lages. Durante certos períodos houve “alguma conflitualidade latente, mesmo na actuação por parte dos pastores. Ela está a ser ultrapassada, dando mesmo maior importância àquilo que releva da sensibilidade mais autêntica das pessoas mais simples, que não necessitam, muitas vezes, de racionalizar, mas precisam antes de as simbolizar…”. As Festas Católicas Populares não representam, portanto, “nenhum problema teológico em si. E por isso distancio-me das teorias que vêem nestas manifestações formas residuais de paganismo, que seria necessário, portanto, combater e superar, quer do ponto de vista teológico, quer do ponto de vista sobretudo pastoral, em nome da pureza da fé” – sublinha o teólogo Jacinto Farias. Apesar de não ignorar os problemas pastorais que a realização das Festas actualmente levanta. No entanto, “persisto na convicção de que as Festas religiosas católicas são fundamentais na nossa sociedade, entre outras razões, porque permitem uma certa respiração de esperança, são momentos epifânicos de abertura para o transcendente, num universo sempre mais fechado em si mesmo, como se o mundo se reduzisse àquilo de que o homem pode dispor, ter à mão” – alerta o teólogo. A religião só existe quando se considera o homem todo como sendo tomado pela ideia de Deus e pela vivência em Deus, “transformando a vida humana na relação com a divindade, que nos toma e que nos possui. Isso ultrapassa, um pouco, a reflexão teológica, o que não significa que a reflexão teológica não faça um apelo à dimensão simbólica, que é fulcral na teologia” – menciona Mário Lages. As festas religiosas católicas “são momentos de excesso de sentido, de júbilo, que se diz na celebração do mistério e na sua irradiação para a vida”. Já S. Tomás de Aquino ensinava que Deus não liga a salvação aos sacramentos. “Eles são momentos fundamentais na celebração do mistério da Igreja, mas não são tudo; as festas são sacramentais, ou seja, vivem deste irradiar de vida que se expande e que se transforma em cultura: pelas festas religiosas católicas passa a vivência da nossa própria identidade, mesmo como sociedade, mesmo como nação. Neste tempo crepuscular no qual nós assistimos a esta cultura envergonhada das suas raízes cristãs, alegadamente indiferente e laica, as festas religiosas católicas são um oásis de frescura, janelas abertas para a transcendência e para o mistério” – avança Jacinto Farias. As grandes marcas da religiosidade popular em Portugal passam pelas festas populares e pelas crenças e ritos de devoção particular. Trata-se de expressões, gestos, atitudes, que expressam uma relação pessoal com Deus: beija-se a cruz, percorre-se a Via Sacra, acende-se uma vela, participa-se numa peregrinação ou procissão, ajoelha-se diante do túmulo de um mártir ou um santo, conservam-se restos do seu corpo ou das suas vestes. No caso português é esta religiosidade que, sob uma aparente unidade enraizada no catolicismo, manifesta mais fielmente a pluralidade da sociedade portuguesa na vivência do sagrado. No tempo de férias, a dinâmica da festa entra em ebulição um pouco por toda a parte nas diferentes regiões e comunidades de Portugal.

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