D. Manuel Clemente considera que Bento XVI é uma «grande referência cultural» nos nossos dias
D. Manuel Clemente, presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais, fala à ECCLESIA sobre as suas expectativas para o encontro de Bento XVI com o mundo cultural português, no próximo dia 12 de Maio. O Bispo do Porto considera que o Papa é uma “grande referência cultural” nos nossos dias.
Agência ECCLESIA (AE) – Que expectativas tem D. Manuel Clemente para o encontro do Papa com o mundo da cultura em Portugal?
D. Manuel Clemente (MC) – A cultura faz-se no dia-a-dia, em variadíssimas actividades e na criatividade dos homens e mulheres da cultura, da literatura, das artes plásticas, da música. Depois, também é bom que haja uma oportunidade de encontro, que as pessoas se vejam umas às outras. Vem quem quer, ninguém é obrigado a ir, mas rapidamente se encheu a sala, porque não é todos os dias que homens e mulheres da cultura têm oportunidade de se encontrarem com uma grande referência, porque o Papa é uma grande referência cultural.
AE – Cultura, Igreja, Evangelhos estiveram frente a frente ao longo dos séculos. Há algum percurso de reaproximação nos tempos actuais?
MC – É importante perceber de que tipo de aproximação se está a falar: Jesus Cristo fala da semente lançada à terra, do fermento na massa. Quem é cristão, quem se refere a Jesus não apenas como um episódio, mas como algo substancial, projecta isso na sua maneira de ver o mundo, sentir as coisas.
Se tem uma sensibilidade artística, o exercício de uma arte, isso também se projecto aí e é assim que o Evangelho se transforma em cultura, através dos criadores culturais que também se deixem recriar pela pessoa de Jesus Cristo.
A relação entre Igreja e Cultura, portanto, não se faz de maneira formal, por decreto, mas porque há homens e mulheres profundamente motivados pelo Evangelho de Cristo que depois reflectem essa motivação naquilo que criam.
AE – Mas essa inspiração evangélica na arte pareceu não existir nos últimos anos…
MC – Eu aí sou mais cuidadoso, porque às vezes a inspiração evangélica é clara, patente, e às vezes é mais subliminar. O que aconteceu na viragem do século XIX para o século XX, em boa parte desse século e ainda no nosso é que essa inspiração religiosa se introverteu mais, não é tão explícita.
Não quer dizer que a arte, a cultura, a literatura actuais não tenham uma referência religiosa, ela pode é não ser tão patente, porque a própria religiosidade interiorizou mais. Vamos ver o que é que isto dá no futuro.
AE – Da parte da Igreja é visível um esforço para que essa inspiração se torne mais explícita. De que forma é que isso tem sido feito?
MC – Encontros, contactos, produção, não pode ser de outra maneira. Houve épocas em que essa produção era mais evidente, concretamente aqui em Portugal, porque grande parte das instituições produtoras de cultura, senão quase todas, estavam ligadas à Igreja: os mosteiros, as Catedrais…
Não é assim nas sociedades contemporâneas, que é mais secular. Os cristãos, quer pessoalmente, quer através de algumas instituições que estão aí, participam dessa cidadania e levam a motivação evangélica ao mundo da arte e da cultura. É um outro tipo de realidade, é outro tipo de relação.
Não digo que é mais nem que é menos, não se pode comparar o que acontecia no séc. XVII ou XVIII com o que acontece no século XXI.
AE – É preciso reequacionar a presença da Igreja?
MC – Dos cristãos, digo eu. Às vezes até de pessoas que não sendo confessionais, são tão sensíveis aos valores evangélicos que são capazes de os plastificar e de os concretizar.