Fermento evangélico da justiça e da paz

Homilia do Bispo do Porto na bênção das pastas Caríssimos finalistas, caríssimos familiares e amigos que vos acompanham, caríssimos professores e outros profissionais académicos aqui presentes, nesta celebração de acção de graças e bênção: – Graças a Deus por estarmos aqui reunidos para O louvar, pedindo também a sua bênção! Porque é na verdade uma grande graça o facto de Ele mesmo nos chamar a si, especialmente nos momentos mais marcantes da nossa existência, lembrando-nos a origem divina de todos os dons e a absoluta necessidade humana de com Deus os manter e acrescentar, para benefício próprio e alheio. Somos cristãos: sabemos, por isso, que a nossa vida é, essencialmente, participação na vida de Cristo, Deus Filho e Filho de Deus feito homem. Recebemos o Espírito Santo, para sermos, “por Cristo, com Cristo e em Cristo”, filhos de Deus e irmãos universais. E a vossa presença aqui, caros finalistas, tem este primeiríssimo sentido, de dar graças a Deus pelo que já realizou nas vossas vidas e pedir a sua bênção pelo que realizará ainda: como Pai, como fonte e manancial inesgotável. Assim Cristo nos ensinou a viver, rezando o Pai Nosso; assim o Espírito clama incessantemente nos nossos corações: “Abba! Pai!”. Esta celebração é para todos vós um belo e grande exercício de filiação divina. E, como sempre deve acontecer, meditemos brevemente nas leituras bíblicas que escutámos, trazendo-nos as palavras de Cristo e a experiência – inultrapassável mas necessariamente actualizável – dos seus primeiros discípulos: Ouvimos nos Actos dos Apóstolos que, quando Paulo e Barnabé acabaram a sua viagem apostólica, convocaram a Igreja de Antioquia, de onde tinham partido, para contarem tudo o que Deus fizera com eles. É à luz desta passagem bíblica que eu quero dirigir-me a vós, caros finalistas, nesta Missa de acção de graças e bênção, pela conclusão dos vossos cursos. Também vós seguistes um caminho de aprendizagem e habilitação e também vós de algum modo “convocastes a Igreja”, quer dizer, vos reunistes hoje e aqui com os vossos familiares e amigos. E também vós assim procedestes para dar conta do que Deus fez convosco. Sim, meus jovens amigos, não tenhais dúvidas sobre este ponto. Tudo quanto aconteceu convosco ao longo dos anos de aprendizagem escolar; tudo quanto significou abertura do espírito para uma compreensão maior e mais profunda da realidade, disciplina após disciplina; tudo quando redundou em maior conhecimento das pessoas e do mundo – do vastíssimo mundo dos saberes e de cada saber em particular -; tudo quanto vos preparou para a vida profissional e para a profissão autêntica da própria vida: tudo isso, que cumpre a ordem do Criador de “encher e dominar a terra”, tudo é obra de Deus convosco e em vós, para a realização progressiva da nossa humanidade comum, para o desenvolvimento cabal das potencialidades do mundo que nos foi confiado. Assim o deveis encarar. Sobretudo neste dia e ocasião, em que o remontais a Deus, fonte e origem da vida e do bem que há em todos nós e que, em cada um de vós, tanto realizou e ainda mais promete. E aqui, com os vossos familiares e amigos, cada um de vós, caros finalistas, é uma narração viva da obra de Deus. É também neste sentido que devemos compreender, sempre e crescentemente, cada celebração eucarística. Nela nos oferecemos com Cristo ao seu e nosso Pai, cada vez mais a sério e mais a fundo, para sermos depois oferecidos com Cristo ao mundo, como alimento da esperança e garantia do futuro. Sendo cristãos e católicos, começastes os vossos cursos com a graça de Deus e o contributo dos vossos familiares; na respectiva conclusão, dais graças a Deus por tudo, pedis-lhe a bênção paternal e constituís-vos a vós mesmos como bênção viva para todas as pessoas e meios sócioprofissionais onde chegardes. E assim, irmãos e amigos, cada uma das vossas existências pessoais como que se converterá em nova página, verdadeira e palpitante, do livro dos Actos dos Apóstolos. Ontem com Paulo e Barnabé e outros tantos, hoje e amanhã com o nome de cada um de vós. A obra é a mesma, do nosso Deus de sempre, para a salvação e realização do mundo presente e futuro. Do mundo futuro falou-nos depois a segunda leitura, em passo tão sugestivo do livro do Apocalipse. O último da Bíblia, para as coisas a ultimar no mundo. O nosso, portanto. Começava assim, como vos lembrais: “Eu, João, vi um novo céu e uma nova terra…”. Sabeis do contexto: João, um dos primeiros discípulos de Jesus, estava desterrado e preso na ilha de Patmos, já por causa do Evangelho. Um pouco por todo o lado, as comunidades cristãs eram perseguidas também e muitos cristãos mortos até. Mas persistiam: persistiam como João, que, daquela pequena ilha e à luz da vitória de Cristo sobre a morte, via mais do que o mundo inteiro. Via surgir uma nova terra e até um novo céu; e ouvia a voz divina: “Vou renovar todas as coisas!”. Irmãos e amigos, finalistas hoje para recomeçardes sempre. Não estais, como João em Patmos, desterrados ou presos. Estais felizmente livres e num país democrático, onde a liberdade religiosa é respeitada. Mas sabeis muito bem que não faltam sombras, nem escasseiam problemas, para a vida e o futuro de muita gente. Sombras e problemas são a escassez de meios e saídas profissionais; sombras e problemas são as dificuldades em realizar expectativas e projectos, na vida pessoal, familiar e social; sombras e problemas são os que um consumismo apressado e sem critério, de coisas e até de pessoas, necessariamente traz consigo; sombras e problemas seriam as tentações dum carreirismo pouco escrupuloso, que rapidamente fizesse alguém esquecer o melhor de si mesmo, como honra e ideal… Mas não, a nenhum de vós se aplicará a advertência de Jesus Cristo: “de que vale ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma?”. E não sucederá tal coisa, porque, como ao vidente do Apocalipse, vos enche a alma aquela “nova terra” que o Ressuscitado inaugurou. Terra de que ele mesmo – Cristo! – é a figura, a substância e o rumo. Terra pessoal e interpessoal, de cada um de vós com Cristo e de Cristo com todos, numa relação viva e crescente, em que todas as coisas se renovam. Como naquele dia em Patmos, todos os dias da vossa vida alargarão este mundo novo e renovado, que o Espírito de Cristo em vós e por vós realizará no mundo: em práticas sociais e profissionais mais criativas e solidárias; em projectos e compromissos mais largos e generosos; em honestidade, verdade e persistência, sempre e a toda a prova. Mesmo à prova da Cruz, que é a prova da Páscoa e do autêntico triunfo. Para isso a bênção e a certeza de que Deus está convosco. O Evangelho, finalmente, dá-nos a todos e dá-vos especialmente a vós, caros irmãos e irmãs finalistas, a autêntica lei da vida, para quem a queira viver com Cristo. É o vosso caso e por isso estais aqui. Será o vosso lema, e com ele vencereis também, mesmo que por vezes as vitórias sejam as da extrema exigência. Porque Jesus quer sentimentos totais e consistentes. Nada menos do que um amor a toda a prova, um amor como aquele com que nos amou primeiro. Ouvimo-lo: “Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros”. Três qualidades tem o amor de Cristo: é um amor prévio, que não espera que o amemos, para nos amar a nós; é um amor persistente que, mesmo a quem o trai, chama ainda amigo; é um amor infindo, que, mesmo para quem o crucifica, continua a pedir perdão. É pois um amor que contradiz e muito as contas demasiado curtas e interesseiras que nos diminuiriam a alma e a convivência. Alguns vos dirão que é uma utopia, o amor de Cristo. Mas, bem pelo contrário, é tudo o que há de mais certo e vencedor. Milénios de história nos demonstraram já que só existe futuro onde há magnanimidade suficiente para incluir o outro e perdoar, para recomeçar com todos e não desistir de ninguém, da família à escola, da profissão à sociedade. A exclusão do outro, seja étnica ou social, seja profissional ou cultural, é caminho certo e sabido para mais uma derrota da humanidade e da civilização. O outro, cada pessoa em concreto, da concepção à morte natural e em cada fase da vida, da embrionária à da velhice, saudável ou já dependente; o outro, compatriota ou estrangeiro, membro irrecusável da mesma família humana. Sim, da família humana, nossa pátria comum a realizar, corrigindo aliás quaisquer excessos duma globalização que poderá ser inevitável mas não pode ser desumana. A sociedade conta convosco, geração nova para estas verdades de sempre. E conta convosco a Igreja que todos constituímos, para continuar a servir o mundo com o fermento evangélico da justiça e da paz, activamente convividas. Esta Eucaristia, como todas as da vossa vida, esta bênção final e inesgotável – certamente mais das vossas pessoas do que das vossas pastas -, garantem-vos o amor de Deus, como se revelou em Cristo, como vos chega no Espírito. E cada um de vós, com a ciência e a competência que alcançastes nos vossos cursos, testemunhareis sempre a caridade evangélica que vos vai na alma e salvará o mundo. O vosso mundo concreto, o nosso mundo de todos. Festejando-se neste primeiro Domingo de Maio o “Dia da Mãe”, quero saudar vivamente todas as mães, começando pelas vossas, caros amigos. A vida dos filhos é nelas que nasce e é também nelas que mais é sonhada e garantida. Por isso, a conclusão dos vossos cursos as enche agora de alegria, bem como aos vossos pais, parentes e amigos. Para elas, como para todos, vão as minhas felicitações e vai, sobretudo, a bênção divina. + Manuel Clemente

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top