Fé e Compromisso

Não sei se as medidas do governo Sócrates são as melhores ou as mais adequadas para resolver a crise Não sei se as medidas do governo Sócrates são as melhores ou as mais adequadas para resolver a crise. Mas, para já aceito-as não só porque muitos analistas as consideram positivas (e até acham pouco) mas sobretudo porque indiciam uma tentativa de lutar contra desigualdades que são verdadeiros atentados à justiça social. Enquanto este for o caminho, deve ser apoiado, sem nunca esquecermos a nossa obrigação acrescida de fiscalizar a acção de um governo que por ter maioria absoluta se pode esquecer que é o país, e nunca o partido, que deve estar sempre em primeiro lugar. Tenho acompanhado as reacções às sucessivas medidas e verifico coisas interessantes. Todos falamos de crise, mas parece que ninguém a leva a sério. É mais um exercício intelectual. Até acusamos de eleitoralistas os governos que “não têm a coragem” de aplicar as medidas duras necessárias. Mas quando as medidas começam a doer-nos na pele, alto lá, não aceitamos que sejam postos em causa os nossos (meus) privilégios, regalias ou “direitos adquiridos”. Atenção, diz-se, não vamos fazer da crise nenhum drama e muito menos um regime de excepção. Isto há-de passar! De qualquer modo, cada um e cada grupo estão de acordo que tais medidas devem ser aplicadas… mas aos outros. O nosso colectivo já foi muito sacrificado, até porque somos sempre nós a pagar. Além disso, a nossa profissão é muito stressante. E a que propósito, logo agora que estava para me reformar e ocupar mais um posto de trabalho (que tanta falta fazia a um desempregado) para ir buscar “mais algum”, é que me vão aumentar a idade da reforma! Além do mais, por que havemos ser nós de pagar o défice se… não fomos nós que o criámos. Quem o criou, que o pague. E quem foi? “Não sabemos; só sabemos que não fomos nós!”. Perante esta delícia de argumentos tão carregados de solidariedade, vou fazer uma proposta. Começo por citar um Padre do século IV: “(Na nossa cidade) há uns 10% de ricos, outros 10% de pobres e o resto é classe média. Dividamos, pois, os necessitados por toda a gente da cidade e veremos quão grande é a nossa vergonha. Porque, embora os que são muito ricos sejam poucos, os que os seguem em riqueza são muitos e os pobres são muito menos que estes. E, contudo, apesar de haver tantos que podem alimentar os famintos, há ainda muitos que morrem de fome porque os que possuem não puderam socorrê-los unicamente devido à sua grande crueldade e desumanidade”. Hoje há mais pobres (mas também mais riqueza) e a proporção avançada por S. João Crisóstomo de 9:1, hoje é de cerca de 4:1. Contudo, estas palavras continuam actuais. É, por isso, que a partir delas faço uma proposta a todas as comunidades cristãs: que se constituam equipas de 4 famílias para cuidarem de uma família pobre indicada pela sua comunidade através dos seus responsáveis. Isto corresponderá a um encargo mensal médio para cada casal de 125 a 150 euros, a manter enquanto durar esta crise mais aguda, pelo menos durante um ano, renovável conforme o evoluir da situação. Há entre os leitores três famílias que se queiram juntar à minha para concretizar esta iniciativa? Penso, no entanto, que, por razões práticas, as famílias devem juntar-se por comunidades próximas. Esta proposta não pretende ignorar o muito que as comunidades vêm fazendo nem as muitas iniciativas anónimas deste tipo já existentes. Mas vêm aí tempos difíceis para muitos e vai tornar-se absolutamente necessário multiplicar os gestos de solidariedade. E o compromisso perante a própria comunidade implica um vínculo mais forte, torna o compromisso mais autêntico e transforma-se até num gesto de evangelização. A proposta é extensiva a todos os cidadãos, pois é exigida por razões de humanidade, mas especialmente aos cristãos que têm um enorme acréscimo de exigências: “tive fome e deste-me (ou não) de comer” é um critério absoluto para entrar (ou ser excluído) no Reino dos Céus (Mt 25,31-46). E pode ser assumida por uma, duas ou oito famílias, por grupos de catequistas, leitores, cantores, por membros de Conselhos Pastorais e Económicos, pelos movimentos de espiritualidade ou de “acção” ou por grupos de amigos que se juntam no café. Mas mantenho o “título”- quatro por uma – por ser esta a relação que melhor tipifica a nossa realidade social. O importante é tomar consciência de uma realidade bem dolorosa e perceber que “Deus deu a Terra a todo o género humano para que ela sustente todos os seus membros sem excluir nem privilegiar ninguém” (CA 31). Para nós, cristãos, este gesto é a prova, e não apenas uma prova, da seriedade com que celebramos a Eucaristia: “S. Paulo reafirma vigorosamente que não é lícita uma celebração eucarística onde não resplandeça a caridade testemunhada pela partilha concreta com os mais pobres. Por que não fazer então deste Ano da Eucaristia um período em que as comunidades diocesanas e paroquiais se comprometam de modo especial a ir, com operosidade fraterna, ao encontro de alguma das muitas pobrezas do nosso mundo? (…) Não podemos iludir-nos: do amor mútuo e, em particular, da solicitude por quem passa necessidade, seremos reconhecidos como verdadeiros discípulos de Cristo. Com base neste critério, será comprovada a autenticidade das celebrações eucarísticas” (MND 28).

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