Fazei isto em Memória de Mim!

Homilia do Administrador Apostólico, D. João Miranda Teixeira, na Celebração Eucarística de Abertura das Quarenta Horas Paróquia do Santíssimo Sacramento, Porto Na sua Mensagem para a Quaresma de 2007, Bento XVI convida os cristãos a contemplarem o rosto de Cristo crucificado: Hão-de olhar para Aquele que trespassaram (João 19,37). E diz que é no mistério da cruz que se revela plenamente o poder da misericórdia de Deus. Convida-nos, depois, a viver a Quaresma como um tempo “eucarístico”, ou seja, acolhendo o amor de Jesus e aprendendo a difundi-lo à nossa volta com gestos e palavras. Há aqui um desafio importante: contemplar o mistério da CRUZ, como experiência renovada do Amor de Deus e como fonte de renovado amor fraterno; e viver a Quaresma como um tempo eucarístico, porque a Eucaristia nos atrai para a oferta de Jesus ao Pai e nos convida a ser hóstias de oblação a Deus e em favor dos irmãos. A Eucaristia é o mistério, a memória e a presença real desse acontecimento de fé que foi a Paixão, morte e Ressurreição de Jesus, que deve encher as nossas almas de alegria, reconhecimento e acção de graças. Iniciando hoje as Quarenta Horas, como de costume, nesta Igreja do Santíssimo Sacramento, teremos todos ocasião para demoradamente contemplar Aquele que trespassaram, morreu e ressuscitou e agora permanece vivo mas escondido sob as espécies do Pão consagrado. Do lado aberto de Jesus trespassado brotaram sangue e água, como nos diz S. João. Os Padres da Igreja consideraram estes elementos como símbolos dos sacramentos do Baptismo e da Eucaristia, graças à acção do Espírito Santo (ibidem). A Palavra de Deus desta celebração vem exactamente no sentido do MEMORIAL do Antigo Testamento e da MEMÓRIA que é a Eucaristia: Recorda-te do caminho que o Senhor Deus te fez percorrer, recorda-te das tribulações que te fez passar; mas recorda-te também do MANÁ que te deu a comer e da ÁGUA que fez brotar da rocha, para te dar de beber… Trata-se da MEMÓRIA que é preciso reter da história do passado e, em primeiro lugar, de um passado de salvação bem entendido pelo autor do Livro do Deuteronómio que reescreveu a História do Povo de Deus, à luz da fé. Esta memória era todos os anos solenemente celebrada pelos Hebreus, na Páscoa: era a “memória” da libertação e peregrinação no deserto, onde passaram fome, sede, ardores do sol e privações, até chegarem à Terra prometida. Era também a “memória” da Aliança do monte Sinai entre Deus e o seu povo, por intermédio de Moisés. Esta memória foi celebrada por Jesus, em Quinta-Feira Santa, na sala do Cenáculo, em Jerusalém. Mas deu-lhe um significado totalmente outro, pois fez dessa celebração judaica a Páscoa da Nova Aliança. Assim cumpriu a promessa que tinha anunciado no seu discurso do Pão da Vida, que hoje voltamos a ouvir ler no evangelho: Eu sou o Pão da Vida. Vossos pais, no deserto, comeram o Maná e morreram. Mas aquele que comer o Pão que Eu lhe der viverá eternamente. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e Eu o ressuscitarei no último dia. O maná do deserto é sinal de outro Pão. O pão e o vinho, consagrados por Jesus em quinta-feira santa, são a EUCARISTIA dada à Igreja com esta recomendação: Fazei isto em memória de Mim. A Eucaristia é uma memória viva de Cristo morto e ressuscitado. É uma PRESENÇA real que guardamos no Tabernáculo das Igrejas e precisa de ser visitada, não por causa de Cristo, mas por nossa causa. É uma Presença real e não apenas simbólica, que transportamos nas procissões e veneramos em muitas formas de piedade eucarística. As forças laicas, em França, já eliminaram o velho feriado do Pentecostes. Entre nós, há tentativas para fazer sair os símbolos cristãos, e nomeadamente a cruz, dos espaços públicos. Não queremos impor o Evangelho e a nossa fé a ninguém, mas, tendo em conta a longa tradição cristã do nosso povo e baseados na lei da liberdade religiosa, estamos no pleno direito de manifestar a nossa fé e anunciá-la por palavras e mesmo com acções públicas de procissão e adoração solene do SS. Sacramento Mas temos de fazer mais: é preciso insistir numa renovada catequese das crianças, dos jovens e dos adultos, sobre a liturgia eucarística e o significado de cada gesto, sobre os fundamentos da fé cristã, progressivamente posta em causa por uma sociedade não apenas laica, mas “laicista”. As crianças vão-se desafectando da Missa. Os jovens têm cada vez menos tempo útil, nas manhãs de domingo para a presença na eucaristia. E muitos adultos não acompanham os filhos no crescimento espiritual e na experiência de fé. Depois, é claro que eles se desencaminham por outras veredas perigosas… A Eucaristia é um TESOURO da Igreja. Precisamos de redescobrir esse tesouro. O homem do evangelho encontrou um tesouro num campo, foi e vendeu tudo o que tinha para o comprar. Nas linguagens humanas, os tesouros são para esconder no escaninho da caixa ou no banco; na linguagem do Evangelho, o tesouro do Reino de Deus e o tesouro da Eucaristia são para descobrir, apreciar, venerar e repartir pela multidão. A eucaristia é o mistério da fé: nunca o entenderemos completamente. Os olhos do corpo vêem uma coisa mas lá está outra por debaixo das aparências. Os olhos físicos vêem pão e vinho mas os olhos da fé descobrem uma PRESENÇA real de Cristo ressuscitado. O cálice que abençoamos é comunhão do Sangue de Cristo e o pão que partimos é comunhão do Corpo de Cristo – diz S. Paulo. A eucaristia foi-nos dada numa ceia, em forma de alimento. A ceia é o lugar de convívio dos humanos. O pão e o vinho são os alimentos essenciais da vida humana. E são imprescindíveis para o sustento da vida corporal. Também a eucaristia é imprescindível para o sustento da vida espiritual dos baptizados e para fomento da fraternidade e da unidade entre os cristãos. A eucaristia é o pão partido ou “Fracção do Pão”, como foi chamada nos primeiros tempos, a significar que da dispersão se há-de construir a unidade do corpo místico de Cristo. Num velho livro do século primeiro, há uma bela oração de uma liturgia eucarística que diz assim: Pai nosso…, assim como este pão partido, antes semeado sobre colinas, uma vez recolhido se tornou um, assim a tua Igreja seja reunida das extremidades da terra no teu Reino (Didaché IX, 3-4)) A eucaristia é “pão partido” e depois distribuído à multidão, tal como aconteceu na multiplicação dos pães realizada por Jesus. S. Paulo fala do pão que nós partimos. Os discípulos de Emaús reconheceram o Senhor no partir do pão. E os primeiros cristãos, diz S. Lucas, permaneceram assíduos à fracção do pão. O pão é primeiro semeado, colhido em grãos, amassado, cozido no forno e, depois, feito um só, é distribuído em alimento. O que pedimos na oração eucarística é que este pão consagrado faça de nós um só, na variedade dos membros do Corpo de Cristo que é a Igreja. Foi por essa unidade que Cristo rezou na sua Oração Sacerdotal feita na última Ceia. É difícil a unidade, é difícil a comunhão fraterna, é difícil o amor do próximo, sobretudo quando se trata de pessoas com quem não simpatizamos ou que nos hostilizam. Mas é possível. E é possível graças ao milagre do pão que Cristo nos dá, que é fonte de Vida e de comunhão. Não foi o mesmo Senhor que nos disse: Amai os vossos inimigos? Hão-de olhar para Aquele que trespassaram (João 19,37). A promessa de Jesus realiza-se hoje, quando, expondo o SS. Sacramento, nos dispomos a fixar Aquele que esteve na cruz. Aproveitamos, por isso, este início do tempo da Quaresma como tempo propício para a contemplação e a oração mais intensa. Tentemos penetrar profundamente no mistério de Cristo que se nos entregou na cruz e se dispôs a permanecer no Pão e no Vinho consagrados, para alimento e para adoração dos seus discípulos. Esta contemplação há-de ajudar-nos a descobrir nesta atitude de Cristo o sinal quase evidente do Amor de Deus por nós. Mas essa descoberta é fruto não da nossa inteligência ou capacidades naturais. É fruto da graça divina que o Espírito distribui abundantemente àqueles que se dispõem a uma caminhada de fé e conversão, de oração e penitência, quem sabe se de contemplação mística. O nosso Deus está, por agora, por detrás duma nuvem: Tentemos captar a sua presença e deixar-nos levar nos braços do AMOR… em silêncio…em oração… em contemplação!… Porto e Igreja do Santíssimo Sacramento, 18 de Fevereiro de 2007 D. João Miranda Teixeira, Administrador Apostólico

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