Homilia a 13 de Maio de 2008, no Santuário de Fátima Chegámos a Fátima, também nós, chamados pelo Céu, como os Pastorinhos. Foi a Virgem Nossa Senhora que nos convidou para virmos a este lugar santo, verdadeiro «altar do mundo», do qual brotou, há mais de 90 anos, a luz evangélica do Amor e da Misericórdia. Fátima abre se, como um abraço de amor, para cada um de vós, caríssimos peregrinos, vindos até aqui, mesmo de lugares muito distantes, para encontrar a Deus nos sinais vivos e sacramentais da sua presença, para ouvir a sua Palavra; para regressar, como crianças, à Escola de Maria, a mais santa e carinhosa de todas as Mães. Como irmãos e irmãs da mesma família, é belo contemplar a nossa Mãe comum, que nos fala de Deus e nos ensina, ainda hoje, como chegar a Deus, nossa única esperança, nossa plena e definitiva felicidade. Os caminhos da Fé, por vezes inacessíveis mas sempre empenhativas, abrem se diante de nós porque Alguém as percorreu antes de nós, banhando as com o seu Sangue. Em Fátima, os nossos passos foram precedidos pelos da Lúcia, do Francisco, da Jacinta e de incontáveis milhares de irmãos e irmãs, vindos como nós à procura do Senhor, para percorrer corajosamente os caminhos do Evangelho. 1. A 13 de Maio de 1917, Nossa Senhora falou do Céu, porque Ela é especialista das realidades celestes. A sua morada é Deus, a sua casa é a eternidade. Quando disse «venho do Céu», fala da sua Pátria, da Terra Prometida, que Ela recebeu em herança de Deus, pela sua Fé. Quando fala do Céu, fala, portanto, do que Lhe é mais próprio, do que lhe condiz perfeitamente. Maria sabe dirigir se, com autoridade materna, também aos que ainda peregrinam nesta terra rumo à Pátria definitiva. Conhece bem as fadigas, compreende as ansiedades e angústias do nosso tempo, penetra na profundidade dos nossos corações e tem palavras de consolação nas tribulações da nossa existência. Ela, especialista do Céu, quer nos ensinar a caminhar bem sobre a terra, a fim de que na nossa vida brilhe ao menos um reflexo do Céu; a fim de que neste mundo, no meio das provações e dos sofrimentos do tempo presente, não se apague o fogo da Esperança cristã. 2. Quando Nossa Senhora apareceu à Lúcia e aos seus primos Francisco e Jacinta, com solicitude maternal previa as feridas e contradições da nossa época. Não foi por acaso que apareceu nos começos de um século ensanguentado pela loucura de duas Guerras Mundiais, marcado por nacionalismos exasperados, por ideologias ateias e materialistas, que procuraram sufocar a luz da Fé no coração dos homens, no decorrer de sucessivas gerações. Estende se até aos nossos dias esta sombra escura de suspeita acerca de Deus e da sua obra. Até ao presente continua esta «apostasia da Fé» – como a definiu o Papa João Paulo II – que progressivamente comprometeu e contagiou a nossa Europa cristã, que sempre ofereceu ao mundo, ao longo dos séculos, uma cultura rica em humanidade, criativa, respeitadora do Homem e da sua altíssima dignidade de filho de Deus e irmão de Cristo. 3. É precisamente à nossa época, saturada e desesperada, que continua a falar o Coração desta Mãe, traduzindo as coisas de Deus numa linguagem familiar, simples, facilmente compreensível por todos. Partindo da humilde vida quotidiana, logo nos eleva para a contemplação das coisas do Céu, porque esta é a nossa origem, a nossa meta e a nossa Pátria. Connosco repete, como paciente catequista, a verdade e os dogmas da Fé, confirmados uma vez mais, e apresentados numa nova luz. Os mandamentos da lei de Deus, a Igreja, os Sacramentos, os Novíssimos a Caridade e o Perdão: tudo alcança valor e consistência; tudo merece ser considerado e acolhido como dom da Graça, com dom da Nossa querida Mãe do Céu, a branca Senhora que aqui apareceu a três criancinhas. 4. Fátima fala nos de crianças – pensai nos vossos filhos – as flores mais belas e ternas da Criação, postas por Deus no seio das nossas famílias para nos encher de espanto, perante a sua inocência e pureza. Fátima fala de famílias simples, modestas mas dignas, capazes de ser solidárias com o próximo, com os vizinhos e os pobres. Fala de jogos de crianças, inesperadamente atravessados por uma Luz e uma Graça imprevistas – a visão de um Anjo e depois a de Nossa Senhora – e mostra com que seriedade aqueles pequenos corações acolheram os apelos do Céu. Deus está triste pelos pecados e não há quem o console! dizia Francisco, impressionado pelo sofrimento de um Deus ofendido e ultrajado. O seu coração infantil abriu se assim às profundidades da contemplação e da mística, perante Jesus escondido no Sacrário. Jacinta viu, com dor indizível, o sofrimento pela perdição eterna dos pecadores e ofereceu a sua vida em holocausto, para salvá los do inferno. Também Lúcia – a Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado – acolheu na sua vida o convite de Nossa Senhora, dando nos um exemplo de um serviço à Igreja, fiel até à morte, dentro da grande tradição da Vida Consagrada e do Carmelo. Viveu quase cem anos, mas a sua alma, os seus olhos, o seu coração permaneceram os de então, da menina de Aljustrel que falou com o Céu e que levou até ao fim, no seu espírito, como dentro de um cofre precioso, a Graça que aqui recebeu, como um grande tesouro. 5. A Virgem Maria, em 1917, uma vez mais veio a confortar, corrigir, iluminar e orientar os seus filhos nos caminhos da Verdade. Jesus disse: As minhas Palavras são Espírito e Vida (Jo 6, 63); Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida! (Jo 14, 4). À silenciosa ou manifesta «apostasia da Fé» – há também a «apostasia da razão» – a Virgem Maria não contrapõe as vazias palavras do mundo ou a mentira de uma nova ideologia, mas propõe novamente Cristo, e Cristo Crucificado (cf. 1 Cor 1,23), escândalo para os bem pensantes de cada época, loucura para os sábios da terra, mas Luz santa e amiga para quem acredita e para quem, acreditando, presta a mais bela homenagem também à sua Razão, sedenta de Verdade e aberta ao conhecimento de Deus. 6. Não tenhais medo! Diz o Anjo às mulheres que chegaram ao sepulcro de Cristo, cheias de temor e espanto (cf. Mc 16, 6). Não tenhais medo, repetiu o Anjo da Paz aos Pastorinhos, junto da Loca do Cabeço. Não tenhais medo: abri, ou melhor, escancarai as portas a Cristo!, pediu repetidamente o amadíssimo Papa João Paulo II, no início e durante o seu longo e fecundo Pontificado. O homem de hoje, iludido e desiludido da vida, por vezes parece ter desistido de esperar. Caíram as consideradas certezas das ideologias; o bem-estar e o consumismo – que aparentemente satisfazem as nossas necessidades e exigências. Caíram todos estes sistemas que revelam de facto, cada vez mais, a sua inconsistência. A radical incapacidade de fazer o homem feliz. Só em Deus o homem se encontra plenamente a si mesmo. A Fé não é uma fuga das próprias responsabilidades ou um estéril dobrar se sobre si mesmo: é fonte de luz e de força interior, que nos anima e nos permite afrontar corajosamente os problemas e os desafios da vida. 7. A Fé afronta e purifica as nossas ilusões, pondo a nu a nossa incapacidade de nos criarmos a nós próprios e de decidirmos sozinhos. Precisamente por isto, Nossa Senhora acolhe de novo em Fátima o mandato recebido do seu Filho Jesus aos pés da Cruz e se revela Mãe de todos nós. Em cada um descobre a semelhança com o seu Filho e pacientemente a reconstitui, com os instrumentos da Graça. Fátima é uma escola da Verdade porque nos defende das fábulas e nos ensina a encarar e a interpretar a realidade com o coração de Deus. Não se cala sobre o destino último do Homem, não minimiza as nossas responsabilidades, mas indica os caminhos que nos conduzem ao Mistério. Fátima é escola de oração, como caminho fundamental para penetrar no coração de Deus; Fátima é escola de penitência e de oferecimento generoso de nós mesmos, seguindo a grande tradição da Igreja: os frutos mais belos nascem e germinam apenas no morrer, silencioso e escondido, aos olhos do mundo para renascer no seguimento da vontade de Deus. 8. Perante a perda do sentido dos valores e a desorientação das consciências, Nossa Senhora indica os princípios não negociáveis, dos quais inevitavelmente se deve partir para fundar uma correcta convivência, civil e cristã. A vida; a família; o matrimónio, como união estável e fiel de um homem e de uma mulher, e não de qualquer outro modo; a caridade concreta; a dignidade pessoal, estendida a todos os momentos e a todas as dimensões da existência. Este é o fundo e o ambiente – humano e cristão – no qual se colocam a Mensagem e os acontecimentos da Cova da Iria. Num mundo sedento de esperança e de felicidade, a Virgem Maria responde com uma só Palavra, que tudo resume: Jesus! Só n’Ele há Paz; só Ele alimenta a Esperança; só n’Ele há Vida, dom do Céu. E Cristo veio para que todos tenham vida e a tenham em abundância (cf. Jo 10, 10). Assim seja! Fátima, 13 de Maio de 2008 Cardeal José Saraiva Martins