Irmã Elodie Filipe, Diocese de Setúbal
Para quem tem a graça de poder viver um tempo de férias, creio ser a oportunidade de olhar o mundo interior e exterior, com um olhar bafejado pela brisa da gratidão. E quem sabe, assim poder experimentar, não somente o descanso de uma rotina meticulosamente calculada em vista às actividades profissionais e não só, mas também o refrescar do coração.
E porquê o coração? Sabemos que na Bíblia, o coração é o centro da pessoa, o “lugar” onde o Criador comunica com a Sua criatura e ao longo destes meses de pandemia, Ele tem falado a cada um e a cada uma de nós. A questão é que, muitas vezes, não O conseguimos escutar imediatamente, precisamos de uma certa distância de tempo e até de espaço. As férias podem ser esse tempo e espaço do qual precisamos para escutar aquilo que Deus nos foi dizendo e nos continua a dizer.
Hoje fala-se tanto em distanciamento social, apontando-se as necessidades de tal prática, mas também os malefícios que daí irão advir… as férias podem ser um distanciamento, não no sentido de nos isolarmos de tudo e de todos, mas com o intuito de fazermos uma releitura de tudo aquilo que foi vivido.
Se pensarmos naquele momento que antecede o mergulho nas águas transparentes do nosso rio Sado, aquele instante em que paramos para encher os pulmões de ar o máximo que conseguirmos para depois mergulhamos, o nosso tempo de férias pode ser esse instante. Atrevo-me a dizer: um instante vital, sem o qual não seríamos capazes de permanecer no interior da água.
Uma leitura cristã dos acontecimentos é sempre um encher os pulmões de um ar renovado, que nos dá um fôlego novo para mergulharmos com ânimo na vida e assim vivermos com a inteireza a que somos chamados. Creio também que encontrar uma gramática, que dê corpo ao que vivemos interiormente, fruto do exterior, é uma via para nos mantermos humanos. É tão importante nos dias de hoje, sermos guardiões da nossa humanidade e quando digo humanidade estou a referir-me ao tesouro único que Deus depositou no coração de cada pessoa. Sim, esse tesouro único que nos torna a cada um e cada uma a resposta concreta de Deus aos acontecimentos presentes.
Cultivarmos a humanidade do nosso coração permite-nos ter um olhar compassivo para com tudo aquilo que nos rodeia: pessoas, natureza, alegrias e sofrimentos. Não permitindo, que a tão falada indiferença, apontada pelo Papa Francisco, nos faça adoptar a distância de segurança até em relação ao sofrimento dos nossos irmãos e irmãs.
Para encher os pulmões antes do dito mergulho, não precisamos forçosamente ir de férias para uma ilha paradisíaca em que o cenário se assemelha a um filme, onde até conseguimos ouvir a sua banda sonora. Há uns anos, tal como hoje, escutávamos este slogan: “faça férias cá dentro”. Porque não? Encontrarmos essa ilha paradisíaca, dentro do nosso coração e aí fazermos as nossas tão merecidas férias. Porque se pensarmos bem, até o tempo de férias pode tornar-se cansativo e pouco repousante… tudo depende do estado em que estiver o nosso coração.
Uma das coisas que, pessoalmente, me vai ajudando ao descanso, é procurar ter um olhar agradecido, em relação ao que me rodeia e ao que me habita. O olhar agradecido dilata o coração… há sempre tanta coisa para agradecer, nem que seja o facto de poder encher os olhos com a beleza do nosso rio Sado. Sim, há tantas pequenas grandes coisas, que podem ser motivo de gratidão, mesmo nestes tempos conturbados. Se calhar atrever-me-ia a dizer: justamente nestes tempos conturbados.
Que este tempo de férias possa ser um momento de releitura da vida… um momento para encher os pulmões com um ar mais límpido… um momento para ser-se agradecido, para que, ao regressar às minhas “novas normalidades”, possa deixar que “o bater do meu coração sustente o ritmo das coisas” (Sophia de Mello Breyner), na fidelidade ao tesouro único, que Deus depositou em cada um e cada uma de nós.
Irmã Elodie Filipe pm