Exercícios

João Aguiar Campos, Secretariado Nacional das Comunicações Sociais

Um percurso, mesmo diagonal, sobre os media nestes dias levou-me ao habitual: à leitura ou escuta dos costumeiros balanços do ano findo e das igualmente habituais tentativas de perspetivar o novo ano.

Deparei-me com “exercícios” distintos: muitas foram, de facto, as divergências que anotei entre analistas e/ou comentadores – o que não deixa de ser bom sinal acerca do esforço por cultivar o pluralismo.

Este afirmou-se de tal modo que, sobre o mesmo assunto, ouvi opiniões o mais distantes possível. Ou preto ou branco, sem admissibilidade do cinzento…

Ou seja: da minha leitura ou escuta não tirei mais que perguntas, mesmo que, naturalmente, uma vez ou outra ficasse mais próximo da opinião de A ou da perspetiva de Z.

Nem no olhar sobre a nuvem que pretendia ter no ventre a palavra do ano encontrei o conforto de um consenso; mesmo tendo em conta que alguém elegeu “selfie”, não sei quem escolheu ” indignado” e também não sei quem registou “irrevogável”.

Admito que dou importância às palavras; mas dou importância maior à palavra. Por isso lamento quando vejo alguém a quem ela falta. E a falta até pode vir, paradoxalmente, da abundância… Ter duas palavras é, ao fim e ao cabo, o mesmo que não ter palavra, não é…?

Se o balanço me deixou na corda bamba, as tentativas de perspetivar o futuro não me proporcionaram maior conforto: como diria Gedeão, “onde uns veem luto e dores, outros veem flores”…

Aqui, no entanto, tenho algo a acrescentar. Realmente, se o que foi já foi, o que vai ser podemos ainda construí-lo, com a inteligência de quem aprendeu com os erros e a paixão de quem não se aliena ou resigna.

Há caminhos a corrigir? Há. Há decisões atrasadas? Há. Há pessoas a grelhar no fogo lento de burocracias? Há…Mas creio que há também em cada um de nós a capacidade de incomodar, urgir, propor. A capacidade de fazer o papel de agitador das águas da piscina onde possam curar-se paralisias de muitos anos…

Quando me questiono sob o novo ano, estou também a perguntar-me sobre a esperança e a determinação que me habitam.

A ajuda de Deus, peço-a solicitando o discernimento, sem o qual o bem e o mal correm o risco de serem escolhas circunstanciais ou de conveniência.

Retomo, por isso, cinco linhas de um texto que escrevi há anos e então chamei “Oração de Ano Novo”:

 

Olho o calendário com os olhos

de menino de escrita romba

em caderno de duas linhas.

Olho-Te, sabendo que nalguns desenhos

me hás de conduzir a mão…

 

João Aguiar Campos

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