Évora: «A Pastoral não subsiste sem pastores» – D. Francisco Senra Coelho

Homilia da Missa Crismal

Foto: Arquidiocese de Évora

1. Caros padres, permiti que inicie esta homilia com as palavras do Apóstolo João, retiradas do Livro do Apocalipse por nós acolhidas na Segunda Leitura:

«A graça e a paz da parte de Jesus Cristo, a Testemunha fiel, o Primeiro vencedor da morte e o Soberano dos reis da terra. Àquele que nos ama e nos purificou dos nossos pecados com o seu sangue, e fez de nós um reino de sacerdotes para Deus e seu Pai; a Ele seja dada a glória e o poder pelos séculos dos séculos. Ámen!

Com o Apóstolo João concluímos que participando na unção de Cristo os Seus discípulos constituem um Povo Sacerdotal, um Povo messiânico que leva em si todas as esperanças da humanidade, pois Ele nos ama e pelo Seu Sangue nos libertou. Habitando no coração dos fiéis «como num templo» (LG. 9), o Espírito Santo introduz-nos «na plenitude da verdade» (OV. 17), «faz a distribuição das graças e dos ofícios» (UR. 2) e «realiza a maravilhosa comunhão dos fiéis» (UR. 2). Animado assim pelo Espírito Santo, este povo prolonga, no tempo e no espaço, a acção salvadora de Cristo, até que Ele venha.

2. O Evangelho apresenta-nos precisamente a acção Salvadora de Cristo, o Kairós da misericórdia do Pai. Apresenta o regresso de Jesus a Nazaré para oferecer ao seu povo as primícias da revelação. Entregue o volume, após um instante de silêncio no qual os olhos de todos se concentraram sobre Ele, comenta a passagem com solenidade. Com Ele se abre um Jubileu ( Lv 25, 10), um “Ano de Graça” que não tem mais termo; cumpre-se um tempo de eterna redenção e de libertação universal.

O anúncio messiânico da salvação que Jesus Cristo aplica a si não se refere apenas à libertação do pecado, implica a libertação e salvação de todo o homem, de cada homem, do homem todo, de todas as formas de escravidão, exploração e degradação. Salvação que se consumará plenamente na parusia, mas que se torna esforço de acção para todo o cristão que queira colaborar com Cristo e com a Sua Igreja: “Nenhuma lei humana pode assegurar a dignidade pessoal e a libertação do homem como faz o Evangelho de Cristo, confiado à Igreja” (GS. 41).

«Cumpriu-se hoje mesmo o que acabais de ouvir» (Lc 4, 21). Com esta frase Jesus afirma que é o Libertador, o enviado de Deus para salvar o povo, o esposo esperado por Israel …

Hoje, o mesmo Jesus continua a falar-nos, a interpelar-nos a agir: “Cristo está sempre presente na Sua Igreja” (SC 7).

O Objectivo da Igreja, exige-lhe que se torne o mais transparente possível, para apresentar Jesus, como sua Cabeça, Fundador e Mediador perfeito do Pai. A função da Igreja é pelo testemunho amplificar a Sua Palavra e pelo Espírito Santo procurar ser mestra no discernimento. Por isso, a Igreja é Corpo de Cristo, onde cada um tem o seu lugar, a sua missão, carisma ou ministério.

Como nos referiu Isaías na Primeira leitura (Is 61, 1-3a.6a.8b-9),  a certeza de que o Messias é enviado em primeiro lugar às pessoas débeis e necessitadas deve levar-nos a reflectir.  Radicalmente falando, a realidade interior do homem de hoje, não é absolutamente diferente da do tempo de Jesus. A ciência e a tecnologia progrediram, mas o coração humano continua a ser o mesmo e arrisca-se sempre a permanecer longe de Deus e dos irmãos se não se encontra e abre ao mistério da Palavra, se não está disponível a acolher uma mensagem que o pode colocar em renascimento. O vazio, a escuridão, a solidão e a falta de sentido permanecem hoje, como ontem.

Foi-nos entregue a Palavra poderosa que deve ser testemunhada e anunciada para ser conhecida, descoberta, vivida com novidade. A Palavra de Deus que somos incansavelmente chamados a anunciar, fundamenta a fé dos crentes e constrói a Igreja, pois «As Escrituras não nos foram dadas para que as conservássemos só escritas nos livros, mas para que as gravássemos no coração (…) impressas na nossa alma para que esta fosse purificada», como afirma S. João Crisóstomo na sua homilia sobre o Apóstolo João (32, 16).

3. Tendo presente a beleza da nossa vocação e do Sim que ao modo de Maria, várias vezes pronunciamos no ritual das nossas promessas sacerdotais, no inesquecível dia da nossa ordenação, permiti caros presbíteros que relembre e tire algumas conclusões das nossas radicais decisões e compromissos. Faço-o para mim e para vós, perante os desafios do nosso ministério.

Como não há Pastoral sem pastores, é de suma importância que eles surjam em quantidade e sobretudo em qualidade. Quanto a esta última, a prioridade está sobretudo na maturidade humana e cristã, lucidez e dedicação. As relações entre os pastores são vitais para o êxito da Pastoral. Os pastores nunca podem estar desligados e jamais se hão-de sentir abandonados, nem por Deus, nem pelo Bispo, nem pelos colegas, nem pelos fiéis. Do que, efectivamente necessitamos é de pastores segundo o coração de Deus (cf. Jer 3, 15) e à imagem do coração do Filho de Deus (cf. Mt 11, 29). Só na oração nos encontramos com o Amor inesgotável que nos ama como somos e jamais se cansa das nossas fraquezas, permaneçamos na fidelidade à oração para que a nossa relação com os Irmãos seja rica, capaz de dar e receber, acolher e repartir.

Não sendo um exclusivo dos pastores, a Pastoral não subsiste sem pastores, há dimensões eclesiais em que os Presbíteros não poderão ser dispensados. É sobretudo o caso da paternidade espiritual, da celebração da Eucaristia que faz a Igreja e dos Sacramentos do perdão e da cura: a Reconciliação e a Santa Unção. O seu tríplice múnus de ensinar, santificar e conduzir a comunidade cristã no discernimento, na comunhão e na paz dos irmãos é imprescindível às comunidades cristãs e permanece desde as suas origens.

A partir da ordenação, nos pastores, nada neles é só deles; tudo neles é de Cristo. Desde o plano ontológico até ao plano existencial, não é o padre que vive, é Cristo que vive nele (cf. Gál 2, 20) e, por ele, em todos os que dele se aproximam, daí a sua incontornável importância.

No mundo, o padre é chamado a ser presença de Cristo. Isto significa que, no mundo, o padre é sinal de outro Reino. O nosso Papa Francisco, tem-se referido a esta dimensão profética da Igreja: «Não à sua mundanização! Estar no tempo, mas sem ser do mundo».

Acontece que, nas comunidades, alguns costumam relevar, quase exclusivamente, a função. No limite, tornam-nos como funcionários a quem pedem que façamos o que nos exigem e a quem mal dão oportunidade para fazer o que devemos. E é assim que aquele que está chamado a ser um promotor de encontros passa por vezes, grande parte do tempo, a gerir desencontros.

É decisivo que a realidade sacramental se repercuta no testemunho vivencial. O que o padre recebe no sacramento tem de se tornar visível na vida. Na missão, a competência é muito, mas a vivência é tudo. Por isso importa que organizemos as comunidades, onde os leigos assumam as funções próprias da sua laicidade, deem tempo e oportunidade para que o seu Padre possa exercitar plenamente o seu ministério, com tempo e paz.

No Presbyterorum ordinis, o Concílio Vaticano II reconhece que o padre faz, «a seu modo, as vezes da própria pessoa de Cristo». Estar totalmente descentrado de si e estar plenamente recentrado em Cristo. Tal como Cristo é a transparência do Pai (cf. Jo 14, 9), o padre há-de ser a transparência de Cristo. Como experimentamos, espalha Cristo quem espelha Cristo. E como o discípulo não é superior ao Mestre (cf. Lc 6, 40), é expectável que a vida do discípulo esteja decalcada na vida do Mestre. Se a Cruz esteve presente na vida de Cristo, como é que poderia estar ausente da vida do padre?

A todos vós, e em nome da Igreja Diocesana, agradeço a vossa fidelidade na permanência e no acompanhamento das comunidades cristãs, durante a dureza da pandemia, nos seus momentos mais duros e exigentes, inclusive em vários Centros Sociais Paroquiais, Misericórdias e Capelanias Hospitalares. Vós soubestes ser um sinal afectivo e efectivo.

Claro que um padre é chamado a ser perito de humanidade. Sempre homem, sempre padre. Os grandes polos da sua missão estão no Evangelho e nos rostos humanos, como Cristo está no templo e no tempo.  Como bem sabemos pelas nossas experiências, Cristo, que subiu às alturas, continua a ser encontrado nas profundidades. Cristo também está em baixo, no mais fundo do sofrimento humano. Cristo também está do lado de fora, em todas as periferias existenciais e sociais, como nos lembra o Santo Padre.

Há que amar humanamente a Deus e há que olhar para o próximo com o olhar de Cristo. Na nossa vida somos chamados a conjugar o verbo servir, o verbo dar, sobretudo na forma reflexa “dar-se”, em suma, o verbo amar.  Segundo Jesus, os preteridos do mundo têm de ser os preferidos do padre.

Caros Padres, Diáconos, Seminaristas e Povo de Deus, convido-vos a colocar no altar, os nossos irmãos Presbíteros mais debilitados ou doentes: os caríssimos Padre Carlos Melo, Cónego Salvador Dias Terra, Padre José de Leão Cordeiro, Padre Agostinho Crespo Leal e Padre Tarcísio Madeira Pinheiro. Desejo ter na nossa comunhão do, meu ministério episcopal todos Presbíteros, a nossa primeira atenção vai para os mais desgastados pela idade, porventura mais sós ou desalentados, sentir próximos os que estão distantes e colocar nas mãos de Maria cada um de vós e também aqueles a quem um dia entregaremos as chaves da continuidade do nosso ministério, os nossos Seminaristas.

Demos graças pela dádiva da vida sacerdotal assumida com inexcedível e generoso zelo pelos nossos saudosos Padres Francisco Pacheco Alves e Adalberto. Que o Senhor os tenha na glória dos Filhos.

Concluo com o nosso Papa Francisco, na sua Homilia de Quinta Feira Santa do passado ano de 2020: «Hoje todos vós, irmãos sacerdotes, estais comigo no altar; vós, consagrados. Digo-vos apenas uma coisa: não sejais obstinados como Pedro; deixai lavar-vos os pés. O Senhor é o vosso servo; Ele está junto de vós para vos dar força, para vos lavar os pés.

E assim, com esta consciência da necessidade de ser lavados, sede grandes perdoadores! Perdoai! Coração com grande generosidade no perdão. É a medida com que seremos medidos: como tu perdoares, serás perdoado.  Não tenhas medo de perdoar. Às vezes surgem-nos dúvidas… Olha para Cristo, contempla o Crucificado. N’Ele, temos o perdão de todos. Sede corajosos… mesmo no arriscar, no perdoar, para consolar. E se, naquele momento, não puderdes dar um perdão sacramental, pelo menos dai a consolação dum irmão que acompanha e deixa a porta aberta para que aquela pessoa volte.

Agradeço a Deus pela graça do sacerdócio; todos nós agradecemos. Agradeço a Deus por vós, sacerdotes. Jesus ama-vos! Peço apenas que deixeis que Ele vos lave os pés, fatigados pela missão que assumis dia-a-dia».

Bendito seja Deus por cada um de vós.  Bendito seja Deus, pelos 50 anos de dedicado serviço dos Presbíteros Silvestre Marques e Hérmino Geraldes e pelos 25 anos do Presbítero Francisco Couto. Magnificat!

Caros Presbíteros, que o Bispo, com o Diaconado, os Consagrados e Consagradas, os Seminaristas, as famílias e todos os cristãos, saibamos dar graças por cada um de vós e por vós rezemos!

Nossa Senhora da Conceição, Padroeira da Arquidiocese de Évora, nos 375 anos da vossa coroação, intercedei pelo nosso presbitério e pelos nossos Seminários. Amém!

+ Francisco José Senra Coelho

Arcebispo de Évora

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