Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Sabias que a informação que aparece no teu mural do Facebook, ou perfil do YouTube, é controlada por um algoritmo? Quando falamos em evangelizar através das redes sociais, devíamos pensar mais nos algoritmos do que nas pessoas, o que é um contra-senso.
Cruzei-me recentemente com um livro de Jaron Lanier, um escritor americano de filosofia computacional, e considerado em Silicon Valley como o pai fundador da realidade virtual. O livro intitula-se “Os Dez Argumentos para Apagares as Tuas Contas nas Redes Sociais” (tradução minha) e deixou-me intrigado pelo modo como essas redes funcionam sem nos darmos conta disso. Em primeiro lugar, os nossos dados pessoais e, sobretudo, comportamentais, não são controlados por cientistas de bata branca, mas algoritmos.
Algoritmos são um conjuntos de instruções em linguagem informática que possuem a capacidade de analisar uma quantidade elevadíssima de dados e “reagir” em função dessa análise. Por exemplo, quando nos ligamos às redes sociais, quanto tempo ficamos ligados, o que compramos, ou fazemos “Like”, compara esse comportamento com o de milhões de outras pessoas, de modo a prever como agimos e o que nos leva a agir. Sabiam?
Toda essa informação sobre os nossos comportamentos é, depois, vendida. Pois, apesar de pensarmos que somos utilizadores, na realidade somos apenas utilizados como produto a vender às companhias publicitárias, que não têm outro objectivo senão o de aproveitar a parte viciante das redes sociais para venderem os seus produtos. Apesar de subtil, é clara a manipulação do nosso comportamento. Podes não aceitar que és manipulado por estes algoritmos, mas o efeito estatístico é real e fiável. Mas os algoritmos não se ficam por aqui.
Pelo facto de incorporarem alguma aleatoriedade, os algoritmos tornam-se adaptativos, ajustando-se no tempo de modo a envolver-nos cada vez mais nas redes sociais. O efeito emotivo dos “Likes”, ou comentários e interacção com as pessoas é um verdadeiro consumidor da nossa atenção e libertador de hormonas de realização e prazer como a dopamina. O efeito viciante é de tal ordem que Sean Parker, um dos fundadores do Facebook, chegou mesmo a afirmar,
“Só Deus sabe o que está [o algoritmo] a fazer ao cérebro das nossas crianças. (Sean Parker, co-fundador do Facebook)”
Só Deus sabe. E só numa forte e profunda união com Ele é que virão as respostas a dar a este desafio que a humanidade atravessa sem se dar conta. Porém, vislumbro de uma possível saída que gostaria de partilhar. As redes sociais vieram para ficar e mais importante do que determinar o seu fim é dar um novo rumo à sua finalidade.
Como cristãos não estamos desatentos em relação a este fenómeno, naquilo de positivo que tem (reencontrar amigos de longa data, retomar contacto com parentes distantes, etc), ou de negativo (notícias falsas, aumento de ansiedade, manipulação política, incentivo excessivo ao consumo, superficialidade nos relacionamentos, etc). Mas quando se fala de evangelizar através das redes sociais, embora tenhamos em mente as pessoas, na realidade, o que determina se a mensagem chega, ou não, é um algoritmo.
O desafio da evangelização digital não está em levar a Boa Nova às pessoas, mas em influenciar o algoritmo. Como?
Aqui estão 4 sugestões inspiradas nos argumentos de Jaron Lanier.
1. Focar a atenção no positivo
De acordo com Lanier, as redes sociais estão estruturadas para dar voz aos que falam mais alto e são mais desagradáveis. Quanto mais polémica for a pessoa, mais as pessoas lhe prestam atenção, e aparecem mais vezes nos nossos murais. Se focarmos a atenção somente no que é positivo e edifica o ser humano, denunciando, ou rejeitando no nosso mural o que não edifica, estou convencido que iremos, no tempo, alterar o algoritmo.
2. Diminuir a actividade online
As empresas como o Facebook e a Google estão 24 sobre 24h a observar o nosso comportamento. E se lhes restringíssemos o tempo que passamos nas redes sociais a não mais do que 15 minutos por dia? Assim, limitamos também o bombardeamento de conteúdos personalizados que pretendem apenas estimular o vício.
3. Nunca comprar nada que a rede social sugira
É preciso coragem e determinação, mas de cada vez que compramos algo sugerido por uma rede social “des-educamos” o algoritmo. Quem possui uma elevada capacidade de auto-controle não terá problema com isto. Mas quem reconhece ter menos pode encarar esta como uma oportunidade de amadurecimento pessoal.
4. Não ceder à superficialidade
Muitas das pessoas, aparentemente, online, que pedem amizade ou seguem outras, não existem na realidade. Há empresas que criam personagens fictícias para aumentar a popularidade daqueles que estão dispostos a pagar por isso. Quando algo semelhante for aliado a sistemas de Inteligência Artificial, o resultado pode ficar completamente descontrolado. Não ceder à superficialidade implica o propósito de interagir com cada pessoa em maior profundidade, procurando mais palavras do que emojis.
Mas estas 4 sugestões não chegam para evangelizar os algoritmos porque existe um contexto mais profundo onde as redes sociais constituem um verdadeiro desafio.
O contexto espiritual
Com plataformas estupefacientes como são, actualmente, as redes sociais, as empresas que as detêm mantêm-nos grudados nas pequenas jaulas dos nossos smartphones, usando a ciência comportamental para analisar e manipular os nossos comportamentos. Mas o facto dessa manipulação ir para além do indivíduo e atingir a sociedade como um todo, acaba por ter o mesmo efeito que um fenómeno religioso.
Deus quer-nos livres e sempre que uma experiência espiritual não nos liberta para uma união cada vez maior e mais profunda com Ele, há algo de errado. Pelo facto das redes sociais serem já consideradas como um “novo enquadramento espiritual,” deixá-las entrar na vida espiritual enraizada na realidade pode-nos desvirtuar das questões mais profundas. E, em vez de procurarmos juntos respostas no relacionamento comunitário com Deus, cedemos à superficialidade do novo enquadramento.
As empresas donas das redes sociais, que rentabilizam os seus lucros à custa da nossa privacidade e comportamentos, pretendem responder às questões profundas com a optimização da razão de viver, organizando a informação do mundo como modo de “organizar a realidade.” Por esse motivo, a “Espiritualidade Optimizada,” vivida digitalmente, tem como finalidade melhorar o nosso ranking nos “Likes” e número de visualizações. Esta ética não deixa qualquer espaço à espiritualidade enraizada na verdadeira realidade, e retira qualquer possibilidade de envolvimento em mistérios inefáveis como… Deus.
Neste contexto digital, o corpo, a mente e o nosso comportamento passam a ser vulneráveis aos hackers, colocando a nossa natureza humana ao nível de programas de computador, robots, ou dispositivos. Os algoritmos permitem, em duras palavras, matar a totalidade do nosso ser humano, a nossa alma. Estamos dispostos a isso?
A pessoalidade que nos faz verdadeiramente humanos acontece no face-a-face. A espiritualidade que nos faz experimentar a profundidade de um relacionamento inigualável com Deus, acontece, também, num face-a-face. Mas se a realidade das redes sociais é a que temos, e entrou na cultura humana para ficar, então, importa estarmos conscientes de que devem servir para elevar a dignidade de cada ser humano e, no caso da vida espiritual, ser meramente placas que apontem para os modos que permitem aprofundar o nosso relacionamento com Deus, não substituí-Lo. Como tudo isto depende dos algoritmos, falar de evangelizar através das redes sociais, talvez passe por evangelizar primeiro os algoritmos.