Área especializada para «tratar e prevenir sofrimento» é ainda «desconhecida entre profissionais e cidadãos», tem poucos recursos e é procurada «tarde demais»
Lisboa, 30 nov 2022 (Ecclesia) – A presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP) disse hoje que a lei da eutanásia que o parlamento quer fazer aprovar, é “injusta” e submetê-la a votação, “neste contexto é perverso”.
“Colocar uma lei de eutanásia num contexto com um diminuto acesso a cuidados paliativos, é perverso e injusto, nomeadamente para os mais frágeis e vulneráveis, para os que estão em situação de maior sofrimento. Estamos a empurrar pessoas para uma solução extrema quando não lhes é dado acesso a outras possibilidades”, referiu à Agência ECCLESIA a enfermeira Catarina Pazes.
A responsável dá conta e uma “grande iliteracia” em torno das questões da saúde, “quer sobre cuidados paliativos, direitos em fase avançada ou terminal de doença, conhecimento de legislação que permita ao doente consentimento informado sobre intervenções que não querem ou não fazem sentido”
“Há uma iliteracia global sobre esta área que contribui para um processo tortuoso da lei da eutanásia”, frisou.
A área especializada em “tratar e prevenir sofrimento” tem cerca de 30 anos em Portugal, mas Catarina Pazes reconhece ser ainda “suficientemente nova” para ser desconhecida entre a população e também entre os profissionais de saúde.
“Não é ainda conhecida por muitos profissionais, em muitos locais não existem, o acesso em alguns sítios apresenta recursos insuficientes para responder adequadamente, os próprios pacientes não são informados para ter acesso a este cuidado chegando a ele já muito tarde, e a própria sociedade não sabendo do que falamos, não exige ou protela a decisão de procurar estes cuidados”, evidencia.
A presidente da APCP reflete ainda sobre a autonomia que se pretende dar ao paciente, e acredita haver um equívoco sobre a noção de “controlo”.
“Penso que a nossa ideia da eutanásia está centrada em algo que nos dá controlo sobre a nossa vida, está relacionada com o medo da perda de controlo. Os cuidados paliativos estão centrados na pessoa e no controlo que ela pode ter na sua vida. Mas isso não é considerado em nenhum momento deste processo legislativo”, explica.
“Quando legislamos e queremos aumentar as possibilidades de escolha e estamos preocupados com a autonomia do doente, para que ele escolha o que quer e não quer, temos de ter a noção que essa autonomia deve ser exercida quando o doente está informado e tiver a possibilidade de participar ativamente e realmente na tomada de decisão. O não exercício da autonomia pode trazer sofrimento, porque este não é apenas físico, é também psicológico, e pode advir da nossa alteração de controlo”, acrescenta.
Catarina Pazes sublinha que o país não está preparado para a aprovação desta lei ou que ela venha a ser “uma mais-valia”.
A responsável aponta a necessidade de se garantir que “qualquer pessoa que esteja em situação de sofrimento por causa de uma doença”, encontre resposta “do ponto de vista da saúde da melhor forma possível, com acesso a cuidados de saúde especializados em tratar e prevenir o sofrimento”.
“O desconhecimento sobre os cuidados paliativos atravessa a sociedade e os próprios profissionais de saúde”, finaliza.
A votação da lei da eutanásia estava marcada para esta manhã na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias, e foi adiada pela terceira vez consecutiva.
LS
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