Pedro Vaz Patto, presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, adverte para risco de visão privada da religião
Lisboa, 14 mar 2017 (Ecclesia) – O Tribunal Europeu de Justiça decidiu que as entidades empregadoras podem proibir o uso visível de símbolos “políticos, filosóficos ou religiosos” no local de trabalho, sem que isso constitua uma “discriminação direta” dos empregados.
A decisão comunicada hoje refere-se a dois processos, um em França e outro na Bélgica, em que duas mulheres muçulmanas se recusaram a retirar o hijab (véu que cobre a cabeça, mas não o rosto), por imposição laboral.
Pedro Vaz Patto, presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, referiu à Agência ECCLESIA que os processos, “sendo relativos a questões que envolvem a liberdade religiosa”, vinham sendo seguidos e estudados pela comissão de assuntos jurídicos da COMECE (Comissão dos Episcopados Católicos da Comunidade Europeia).
“O alcance destas decisões poderá estender-se a quaisquer sinais de identificação religiosa, não apenas os relativos à religião islâmica, também ao uso de uma cruz, como símbolo cristão, por exemplo”, explica.
O jurista recorda que a Diretiva 2000/78, sobre a não discriminação no âmbito laboral, proíbe discriminações baseadas na religião ou credo filosófico ou político, seja elas diretas ou indiretas.
Pedro Vaz Patto manifesta “reservas” em relação ao caso Achbita, da Bélgica, no qual a empresa em causa seguia uma “regra não escrita de proibição” de quaisquer sinais de identificação religiosa, filosófica ou política, regra motivada por um propósito de salvaguarda de uma imagem de “neutralidade”.
Samira Achbita foi despedida do seu cargo de rececionista por se recusar a retirar o véu, os juízes deliberaram que isso não constituía ilegalidade, desde que as regras internas da empresa fossem claras e iguais para todos.
“Será que a imagem de neutralidade da empresa justifica uma imposição deste tipo? Não saberá qualquer cliente distinguir a fé religiosa de um trabalhador da orientação geral da empresa (não é por uma rececionista usar véu islâmico que alguém, razoavelmente, associará a empresa como tal ao Islão)?”, questiona Pedro Vaz Patto, numa declaração escrita.
Para o presidente da CNJP, parece refletir-se nesta decisão uma “visão da religião relegada ao domínio privado e ausente da esfera pública, porque inevitável fonte de conflitos”.
“O uso de um sinal de identificação religiosa pode revestir-se de uma importância muito maior do que o uso de um emblema de um partido político e não representa (ao contrário do que sustentou o Advogado Geral que interveio no processo) uma veste que se possa deixar à porta do local de trabalho, como se a adesão à religião pudesse ficar suspensa durante o horário laboral”, assinala.
No caso de Asma Bougnaoui, o tribunal decretou que poderia haver um caso de discriminação, caso a funcionária de um empresa de informática tenha sido despedida porque um cliente se queixou do facto de ela utilizar o véu islâmico.
“O Tribunal considerou estarmos perante um discriminação direta, não sendo os interesses económicos da empresa, por si só, motivo legítimo para justificar tal diferença de tratamento em relação a outros trabalhadores”, refere Vaz Patto.
JCP/OC