Eucaristia, fonte de vida e de fraternidade

Carta Pastoral do Bispo de Aveiro no Ano da Eucaristia Motivação para viver a graça deste Ano 1. O Santo Padre proclamou o ano pastoral que estamos a começar como o Ano da Eucaristia. Esta providencial decisão de João Paulo II vai dar oportunidade para que se intensifique, mediante a Eucaristia, a renovação da Igreja Diocesana, das suas comunidades e de cada um de nós, seus membros. Renovar a Igreja Diocesana foi o propósito do II Sínodo Diocesano e é, também, propósito do Plano Diocesano de Pastoral no triénio que estamos a completar que tem como lema: “Renovar a Igreja Diocesana pelo Domingo e com os jovens”. O Ano da Eucaristia, vem, portanto, reforçar o que já estava previsto para este ano pastoral de 2004/2005, que começávamos a programar à volta de uma frase estimulante : “ A Eucaristia gera fraternidade”. Temos, no entanto, de nos precaver, desde o início, para não cairmos na tentação paralisante de pensar que a Eucaristia, porque já faz parte habitual da nossa vida e acção, pouco poderá adiantar fazer-se dela o ponto central e aglutinador do um novo ano pastoral. É verdade que a Eucaristia, a maior riqueza da Igreja, a alma e o coração do Domingo, Dia do Senhor, que é também o Dia que dá sentido a todos os outros dias, não pode deixar de estar presente na vida da comunidade cristã, pois que é o sacramento fundamental para alimentar e renovar a Igreja e a vida espiritual dos crentes. Porém, a rotina introduz-se até nas coisas mais santas e, muita gente que se diz cristã e mantém na sua vida uma fidelidade regular a alguns actos religiosos, está ainda muito longe de uma verdadeira vivência eucarística. Podemos acrescentar que a muitos cristãos e comunidades falta ainda descobrir, em ordem à sua vida e compromisso apostólico, o que comporta, para nosso bem e da Igreja e da sociedade, este manancial inesgotável do amor de Deus, que é o Santíssimo Sacramento da Eucaristia. Disponhamo-nos, por isso mesmo, com fé viva e generosidade activa, a beneficiar de tudo o que nos vai proporcionar o ANO DA EUCARISTIA. Não apenas a nós, mas às nossas famílias, comunidades e movimentos apostólicos, enfim, a toda a Igreja Diocesana. Disponibilizemo-nos, também, para podermos colaborar nas iniciativas propostas pela Diocese e pelo arciprestados e paróquias, e sermos mediadores desta mensagem de graça, junto de outros cristãos, porventura mais distraídos ou menos ligados ao dia a dia da Igreja, e para os quais a Eucaristia já não tem sentido renovador. Uma experiência religiosa motivadora 2. Vamos partir da experiência pessoal de cada um de nós para melhor nos dispormos a acolher, de coração aberto, o dom de Deus que é a Eucaristia. Todos quantos nascemos e crescemos em famílias e ambientes cristãos, trazemos connosco, desde a infância, uma referência muito forte, na memória e no coração, ao Sacramento da Eucaristia. Foi a nossa primeira comunhão ou comunhão solene, a catequese na igreja, o respeito que nos foi incutido pela Casa de Deus e pelo sacrário, o aprender a ajoelhar e a genuflectir diante do Senhor e o significado destes gestos, a missa dominical, logo de crianças, as procissões eucarísticas na manhã de Páscoa, na festa do Corpo de Deus e, por vezes, em determinados domingos que foram entrando na tradição local, as jaculatórias eucarísticas (Bendito e louvado seja o Santíssimo Sacramento da Eucaristia… Graças e louvores de dêem a todo o momento…Santíssima Trindade, adoro-Vos profundamente) que, cantadas ou rezadas, as aprendemos nos primeiros anos e fazem parte do nosso devocionário, tal como a consagração a Nossa Senhora. Recordemos, ainda, que as Confrarias ou Irmandades mais conhecidas nas nossas paróquias são as do Senhor ou do Santíssimo Sacramento, marcando presença com as suas opas vermelhas em muitos domingos e sempre nas festas principais da paróquia. Tudo isto nos foi marcando no respeito e no amor à Eucaristia e, concretamente, à sagrada comunhão e à adoração e visita ao Santíssimo. Muitas vezes vi, em cursilhos de cristandade, homens e mulheres chorando em frente do sacrário, porque só então compreenderam, melhor e como nunca, o sentido e o dom desta presença de amor do Senhor, tão perto de nós e por causa de nós. Não fora o que, desde criança, anda dentro do nosso coração, embora por vezes esquecido ou já menos apreciado, e esta manifestação de fé e de gratidão ao Senhor na Eucaristia, bem sentida e expressada por parte de pessoas adultas, não seria talvez possível. É comovedor deparar, como me tem acontecido muitas vezes em hospitais e prisões e até em casas de família, como jovens, adultos e idosos, muitas vezes afastados da Igreja, não têm outro modo de abrir diálogo, senão falando logo da sua primeira comunhão. O mesmo acontece, em viagem, quando ao nosso lado se senta um desconhecido que, ao aperceber-se que o seu companheiro é padre, fala, com espontaneidade, da primeira comunhão, da igreja da sua terra, das suas festas e santos, do seu padre. A memória está carregada de sinais religiosos que não se apagaram e podem activar-se em ordem a uma melhor compreensão e adesão religiosa. A importância da memória e dos costumes no activar da fé 3. A memória do sagrado, fruto de uma experiência pessoal, tem grande importância, quando se pretende avivar e alimentar a fé e a confiança em Deus, nosso Pai. E a Eucaristia, quando entra nesta memória com marcas inapagáveis, predispõe para se ir mais além numa relação enriquecedora com o Senhor e com a comunidade cristã. É verdade que, o ambiente secularista em que hoje se vive, contribui para que muita gente deixe cair ou desvanecer, na sua vida, a sua relação com Deus. A vida mostra-nos que é sempre assim, logo que se deixa de participar na Eucaristia dominical. Muitos cristãos ficaram-se apenas na recordação, não alimentada nem esclarecida, de sentimentos religiosos e de tradições que lhe vêm da infância. Sente-se, hoje, menos respeito no interior dos templos, onde se fala mais e em voz alta, assim como se passa, sem um sinal de adoração, em frente do sacrário, como se de qualquer outra casa ou objecto se tratasse. O tirar silenciosamente o chapéu ao passar em frente de uma igreja com o Santíssimo Sacramento, bem como o descobrir a cabeça quando se pronunciava o Nome do Senhor, eram gestos sempre significativos e nos nossos meios cristãos e que se foram perdendo a pouco e pouco. De igual modo as saudações correntes, como “Venha com Deus! Vá com Deus! Guarde-o Deus! A renovação litúrgica e o seu alcance Não obstante tudo isto, verificamos que melhorou, por parte de muitos fieis, a participação litúrgica na assembleia eucarística; se diversificaram os ministérios litúrgicos e se multiplicou o número dos que os realizam; em muitas paróquias é sensível a dignidade das celebrações dominicais; há mais pessoas, jovens e adultos, homens e mulheres, a comungar em cada Domingo; em muitas paróquias, ao longo mês, há dias certos de exposição e adoração do Santíssimo Sacramento; a distribuição dominical da comunhão aos doentes, aos idosos e a quem deles cuida, tem aumentado progressivamente; em muitos lugares, onde não é possível, por falta de padre, celebrar a Eucaristia ao Domingo, as pessoas acorrem às Celebrações da Palavra e, muitas vezes, também nestas se distribui a Sagrada Comunhão. Ao evocar todas estas coisas que fazem parte do nosso imaginário e do nosso dia a dia, pretendo sublinhar que não partimos do nada quando nos empenhamos em reavivar e tornar consequente, na nossa vida e na vida das nossas comunidades, a riqueza da Eucaristia, a maior riqueza da Igreja de Cristo posta ao nosso alcance, de modo tão simples e tão significativo. Ela constitui um desafio permanente à nossa fé e à nossa vivência cristã. Caminho indispensável para a renovação 4. O que parece importante e deve iluminar cada dia o caminho da renovação que procuramos, é o aprofundamento do sentido do Mistério Eucarístico, para que esteja mais facilitada a nossa pasrticipação em relação ao que temos, fazemos, acreditamos e celebramos. Neste contexto, todo o nosso esforço deve centrar-se na compreensão e na vivência da eucarística dominical, o momento e o meio mais acessível a todos os cristãos das nossas comunidades, e que o pode ser também para os que assistem ocasionalmente à missa, pelos mais variados motivos. Este propósito exige uma reflexão cuidada e permanente, efectiva e consequente, de modo a favorecer uma verdadeira renovação espiritual dos cristãos e das comunidades paroquiais. A renovação da comunidade eclesial, segundo os princípios e normas que nos vêm da tradição e do magistério da Igreja, que nossa experiência pastoral confirma, opera-se, antes de mais, nas paróquias, comunidades situadas e locais, aí onde os cristãos vivem, celebram a sua fé e começam a concretizar o seu dever apostólico, o qual depois se vai alargando a outros espaços e ambientes. O dever de renovação, que não se opera eficazmente sem a acção do Espírito Santo, pois que é Ele o verdadeiro renovador, exige a participação consciente e generosa, que nos atinge e compromete a todos. Sem Eucaristia não há Igreja 5. A vida da Igreja está totalmente centrada em Jesus Cristo. O conhecimento de Cristo pressupõe a fé, que leva à adesão e ao seguimento da Sua Pessoa e à abertura responsável e comprometida ao Seu projecto e missão. A fé cristã deve ser cada dia alimentada e esclarecida, para que possa ser também, com alegria e coragem, uma fé celebrada, professada e comunicada. Alimentam a fé a Palavra de Deus, a oração e os sacramentos, o amor aos outros e a prática das boas obras. A Igreja vive de Jesus Cristo. Conhecê-L0, segui-L0, amá-L0, permanecer no Seu amor, dá-L0 a conhecer, sentir-se cada dia mais comprometida com Ele e com a missão que recebeu, constitui o primeiro e o principal dever da Igreja, no seu dia a dia e até o fim dos tempos. O desígnio salvador de Deus Pai realiza-o Jesus Cristo, de modo pleno, no Tríduo Pascal, no qual se celebra o mistério da Sua Morte e Ressurreição. Neste Mistério, o momento central é a Ceia do Senhor, instauração da Santíssima Eucaristia, que precede a crucifixão e morte de Jesus e a Sua vitória sobre a morte, pela Sua gloriosa Ressurreição. A Eucaristia é a síntese deste Mistério Redentor e ficará a ser, para sempre, a fonte de vida da Igreja e dos crentes. Vejamos o que nos diz João Paulo II na sua Encíclica “ A Igreja vive da Eucaristia”n.3: “ Do Mistério Pascal nasce a Igreja. Por isso mesmo a Eucaristia, que é o sacramento por excelência do Mistério Pascal, está colocada no centro da vida eclesial. Isto é visível desde as primeiras imagens da Igreja que nos dão os Actos dos Apóstolos: “Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações. (Act.2,42). Na “fracção do pão” é evocada a Eucaristia. Dois mil anos depois, continuamos a realizar aquela imagem primordial da Igreja. E, ao fazê-lo na celebração eucarística, os olhos da alma voltam-se para o Tríduo Pascal: para o que se realizou na noite de Quinta-feira Santa, durante a Última Ceia, e nas horas sucessivas”. 6. Na celebração eucarística, portanto, celebra-se e actualiza-se, em cada lugar e até ao fim dos tempos, o mistério da salvação que Jesus realizou por nós e para nós, e nos oferece a todos, como dom gratuito e universal. A Igreja, de facto, jamais pode passar sem a Eucaristia. É aí que ela encontra a sua razão de ser e o estímulo para a sua vida e missão universal O “Deus connosco”, que é uma presença consoladora multiforme, torna-se mais sensível e estimulante na Santíssima Eucaristia. Mistério de fé, dom por excelência do Pai, sacrifício redentor da total entrega de Jesus a todos os homens e mulheres, de todos lugares e tempos, alimento espiritual indispensável para o crente, presença sacramental, permanente e consoladora, de um Amigo de todas as horas, a Eucaristia vai, assim, edificando a Igreja, promovendo a incorporação em Cristo iniciada no Baptismo, gerando comunhão e tornando esta visível em cada comunidade de irmãos na fé, estimulando a dimensão e o dever apostólico da Igreja e de cada um dos seus membros. Uma certeza e um programa de vida! A celebração eucarística dominial e o seu alcance pastoral 7. É na celebração da Eucaristia que a Igreja encontra, verdadeiramente, a sua fonte de renovação. Na medida em que se tornarem, mais conscientes e participativos, os cristãos que constituem cada assembleia eucarística dominical, se dará a renovação da Igreja Diocesana, através e a partir da Eucaristia. Dada a progressiva secularização do Domingo, que para um cristão será sempre o Dia do Senhor, o esforço por centrar a vida cristã na celebração eucarística comunitária, esta constitui o coração do Domingo, é um esforço em que todos temos de nos empenhar seriamente, sem cansaços nem desânimos. Como afirmou João Paulo II na Carta Apostólica “O Dia do Senhor” (n.32): “A dimensão eclesial intrínseca da Eucaristia realiza-se todas as vezes que ele é celebrada. Mas com maior razão, exprime-se no dia em que toda a comunidade é convocada para relembrar a ressurreição do Senhor. De modo significativo, o Catecismo da Igreja Católica ensina que a “celebração dominical do Dia e da Eucaristia do Senhor está no centro da vida da Igreja.”E continua o Santo Padre (n.33): “É precisamente na Missa dominical que os cristãos revivem, com particular intensidade, a experiência feita pelos Apóstolos na tarde de Páscoa, quando, estando reunidos, o Ressuscitado lhes apareceu.” E, mais adiante diz (n.34): “A Eucaristia dominical, porém, com a obrigação da presença comunitária e a solenidade especial que a caracteriza – precisamente por ser celebrada no dia em que Cristo venceu a morte e nos fez participantes da sua vida imortal – manifesta com maior ênfase a própria dimensão eclesial , tornando-se quase paradigmática para as demais celebrações eucarísticas. Cada comunidade, reunindo todos o seus membros para a “fracção do pão”, sente-se como que um lugar privilegiado onde o mistério da Igreja se realiza concretamente. Na própria celebração a comunidade abre-se à comunhão com a Igreja universal, rezando ao Pai para que se lembre da Igreja dispersa por toda a terra e a faça crescer, na unidade de todos os crentes como Papa e com os Pastores de cada Igreja Particular, até chegar à perfeição da caridade.” É neste sentido que, a partir da celebração dominical da Eucaristia, propomos que seja esta celebração o acontecimento fundamental a merecer a nossa especial atenção durante este ano pastoral. 8. Consideremos alguns aspectos relevantes da preparação, da celebração e da continuação da Eucaristia dominical, para melhor orientarmos a nossa reflexão e o nosso esforço de renovação. Sem que nos dispensemos de uma catequese alargada, que permita a todos fieis reflectir e aprofundar o Mistério da Santíssima Eucaristia, e não nos faltam hoje nem meios nem subsídios para isso, proponho-vos uma passagem pelos diversos momentos da celebração, deixando pelo caminho algumas notas que podem ajudar a tornar mais viva a consciência do que estamos celebrando em cada Domingo. Preparação da celebração A preparação da celebração eucarística dominical comporta tudo quanto é necessário para uma maior dignidade desta celebração, para a participação mais activa dos fieis, para a maior vivência da Eucaristia na vida das pessoas e da comunidade, a saber: – preparação regular nos aspectos doutrinário, espiritual, litúrgico e prático, de todos os que exercem ministérios litúrgicos na celebração; – atenção cuidada ao local da celebração (altar, ambão, presidência, assentos dos fieis, lugar do coro, aparelhagem sonora); às vestes e alfaias litúrgicas (túnicas, paramentos, cálice… ); aos livros litúrgicos (missal, evangeliário, lecionário, livro da oração universal); à cruz processional, aos castiçais, às flores… – cuidado com os membros de toda a assembleia, preparando-os para que participem activamente nas respostas, nos cânticos, nas posições, na ocupação dos espaços, nas deslocações para comungarem, nos gestos previstos, de modo a evitar que surjam pessoas ou grupos a exprimir ou a fomentar atitudes individualistas. – atenção a pequenas coisas como a pontualidade, o acolhimento cordial às pessoas que vão chegando, a especial atenção a pessoas não conhecidas, à folha que distribui aos participantes, a um brevíssimo ensaio da assembleia, quando tal se justifique. Há, porém, uma preparação remota, que, pela sua importância fundamental, nunca se poderá descuidar. Trata-se de proporcionar tempo regular e suficiente, para acolher e celebrar o sacramento da Reconciliação, em favor dos fieis que o pedirem ou desejarem. Recorda-nos o Vat.II que “a mais perfeita participação na Missa para os fieis, depois da comunhão do sacerdote, é receber, também eles, do mesmo Sacrifício, o Corpo do Senhor” (SC 55). Não se pode menosprezar a verificação que se vai generalizando de que são cada vez mais as pessoas que comungam e cada vez menos as que se confessam A celebração 9. Referirei da celebração alguns aspectos que nos merecem atenção especial. Este ano pode e deve ajudar-nos a um maior aprofundamento da celebração eucarística, nos seus diversos aspectos e momentos celebrativos. Do cortejo de entrada ao cortejo final, toda a celebração deve manter a sua unidade, sem que alguma coisa possa prejudicar cada uma das partes da mesma, mas também sem se perder ou diminuir, o sentido da Liturgia da Palavra e da Liturgia Eucarística, pois que estas constituem os grandes momentos da celebração e os maiores apelos de renovação pessoal e comunitária. Cada gesto, cada cerimónia, cada rito tem o seu sentido. Toda a celebração é pedagógica e nela nada se pode nem deve minimizar, substituir ou alterar. De tudo se deve perceber o alcance e o sentido, para ajudar todos a uma participação frutuosa. As breves monições, preparadas com saber e critério, podem ajudar. Aí sim, há alguma liberdade e criatividade. Ritos iniciais 10. Tudo na Igreja começa em nome da Trindade Santíssima. O convite a benzer-se, prévio à saudação do presidente, coloca a assembleia na sua verdade e na sua necessária ligação a Deus Pai, Filho e Espírito Santo e ao Seu mistério de amor. Muita gente já tem de aprender de novo a benzer-se, pois no modo como o faz, já não se percebe que se trata de uma cruz, traçada “da cabeça ao peito, do ombro esquerdo ao direito”. Após este gesto que evoca e exprime a mesma fé, a assembleia exprime a sua confiança em Deus, misericordioso e santo, pedindo humildemente o perdão dos pecados e a purificação do coração, usando formas variadas, previstas liturgicamente, para assim estimular os sentimentos e evitar a rotina. Ouvem-se, por vezes, cânticos desadequados, que não favorecem, nem pelas palavras, nem pelo seu ritmo, o clima implorativo e penitencial deste momento. Tais cânticos devem corrigir-se ou pôr-se de parte. Uma atitude penitente requer um ambiente propício à interiorização e à verdade do que se suplica, que é sempre o perdão e a misericórdia de Deus. Neste, como em todos os momentos, a celebração não pode depender do gosto dos cantores. São estes que, devidamente preparados, se devem adaptar ao sentido de cada momento. A sua missão é, sempre e só, ajudar a assembleia a participar e a viver melhor o mistério que se celebra. A oração colecta, sempre precedida de um breve momento de silêncio, dita ou cantada, torna a assembleia orante uma família, dominada pelo mesmo sentido de abertura, confiança e entrega. Liturgia da Palavra 11. Assim se entra na Liturgia da Palavra. Momento de serenidade e de acolhimento religioso e filial. Não se pode improvisar o leitor, nem permitir distracções, barulhos ou outras preocupações, enquanto se proclama a Palavra, nem alterar as leituras do lecionário, a não ser de harmonia com o que está previsto para determinadas circunstâncias. Do leitor ao microfone, tudo deve ser cuidado, para que a assembleia possa beneficiar de uma proclamação digna e inteligível da Palavra de Deus. É Deus que nos fala. Nada mais importante nesse momento para quem está presente, do que escutar o que Deus, pelo ministério da Igreja, diz a todos e a cada um. Não pode ser leitor senão alguém preparado para exercer este ministério, que sabe o que vai fazer e o faz com capacidade e dignidade, consciente de que presta um serviço importante à comunidade, reunida para celebrar a Eucaristia. É urgente dar-se maior atenção ao ministério de leitor e acabar de vez com os leitores ocasionais e improvisados, chamados a ler porque se vão confirmar ou casar ou estão implicados, de algum modo, na celebração. Desde o modo como está vestido e como se deve dirigir ao ambão, ao saber qual leitura que vai proclamar, à maneira de utilizar o microfone, como iniciar e terminar a proclamação, como regressar, com simplicidade, ao seu lugar, tudo tem importância para dar dignidade ao momento. O salmo responsorial explicita a expressão orante de quem acolheu bem a Palavra proclamada. É um cântico sereno e contemplativo, de resposta à Palavra escutada, em que toda a assembleia deve participar. Vejo que, por vezes, que o salmo se pode tornar um acto de exibição do cantor que o proclama. Quase um prémio para os que melhor cantam. Toda a tentação de vaidade é descabida, e mais ainda no templo e na celebração eucarística, onde e quando só Deus é digno de toda a honra e louvor. Na celebração dominical deve usar-se sempre o evangeliário, levado em cortejo para o ambão, a partir do altar, com ceroferários ou acólitos, e incenso, senão todos os domingos, pelo menos nas festas litúrgicas, mais significativas. Cantando-se a introdução e a conclusão das primeiras leituras e do Evangelho, denuncia-se o sentido festivo da proclamação da Palavra, levando-se a assembleia a aclamá-la também festivamente, numa expressão de gratidão e de louvor. A homilia, a cargo do presidente, merece grande cuidado por parte de quem a faz. Nela se deve realçar, de maneira simples e compreensível a todos, a referência à palavra bíblica, ao mistério que se celebra e à vida e acontecimentos concretos da comunidade cristã ou da sociedade. A preparação da homilia, feita em grupo, pode ajudar a que ela seja mais concreta e incarnada na vida. Após a homilia, deve-se convidar a assembleia a um momento de silêncio acolhedor e orante. O silêncio tem na celebração grande sentido, mas devem os membros da assembleia saber qual a sua razão e sentido. Dada a crescente importância da homilia e as dificuldades que à sua volta se põem, convido os presbíteros e diáconos a reflectir sobre ela durante este Ano da Eucaristia, para que seja, quanto de nós depende, um serviço qualificado aos fieis em cada celebração dominial. Vamos facultar a todos elementos de reflexão que ajudem neste propósito. Símbolo ou Profissão de Fé Para a proclamação de fé, são-nos apresentadas diversas fórmulas: O Símbolo dos Apóstolos, a fórmula mais simples que se aprende na catequese, agora poucas vezes se vê proclamado na Eucaristia, o que é pena. O Credo de Niceia – Constantinopla, mais desenvolvido e explicitado, fórmula longa e mais difícil compreensão para as pessoas com menos formação doutrinal, é o mais proclamado nas nossas paróquias, talvez por uma certa rotina, não advertida, nem contrariada. O Credo, proclamado segundo a fórmula baptismal, que se usa na Confirmação e na Vigília Pascal, pouco se usa nos domingos, mas nada impede que se use com proveito, dada a sua forma directa e interpelativa. É educativo e pedagógico variar estas fórmulas na celebração dominical. A assembleia de crentes é chamada, em cada Domingo, ao terminar a Liturgia da Palavra e antes de entrar na Liturgia Eucarística a tomar consciência do significado e do alcance da profissão de fé, comum a toda a Igreja. Não é por acaso que a profissão pública da nossa fé se faz em cada domingo e em toda a Igreja. Na Oração Universal ou dos Fieis, deve seguir-se a proposta litúrgica, acrescentando sempre algumas intenções, locais e outras ou, pelo menos respeitar o esquema proposto pela Igreja quer nas intenções quer no modo de as formular. Ao celebrar a Eucaristia e depois para que seja de igual modo na vida diária, a fé e a solidariedade fraterna levam os participantes ao encontro de outros irmãos, para partilhar com eles pela oração e pela partilha, as suas preocupações e necessidades. Liturgia Eucaristica 12. O cortejo do ofertório exprime a colaboração da assembleia no mistério que se vai celebrar. O pão e o vinho são expressão da vida e do trabalho diário, com as suas alegrias e tristezas, que Deus assumirá para os tornar Corpo e Sangue de Jesus. Outros dons que os acompanhem deverão ser ofertas destinadas aos pobres e às necessidades da Igreja, pois que fazem parte da causa de Deus. Estão a generalizar-se nas celebrações eucarísticas grandes cortejos com muitos objectos simbólicos que, no fim, voltam aos seus donos e não têm, normalmente, expressão de dádiva ou oferenda. Em celebrações de Confirmação, por exemplo, em vez de um multiplicidade de símbolos, como guitarras, bolas de futebol, pedras, correntes e cadeados, vasos de água, livros de escola, globo do mundo e até a Bíblia…, porque não levar o fruto de uma renúncia dos confirmados, traduzido em géneros alimentícios, roupas, livros para distribuir por alunos mais pobres ou outras coisas úteis, a favor de alguma necessidade especial da paróquia ou da comunidade? Nada impede que numa vigília de oração, com participação da comunidade, os crismandos ilustrem a sua experiência e o seu propósito de continuar a caminhada, com símbolos que sejam significativos para si. O cortejo ofertorial da celebração eucarística não deve perder o seu sentido próprio. No ofertório levam-se as coisas necessárias para a celebração e outras que se oferecem de facto. Toda a celebração deve ser norteada pelo sentido e pela verdade do que se celebra. O ofertório é um rito de preparação e de passagem que não deve ser demorado. Por isso mesmo, deve haver gente suficiente para recolher as ofertas, de modo a não demorar muito, e não prolongar os cânticos para não se desequilibrar a unidade da celebração. Oração Eucarística 13. É o momento central da celebração. É desejável que a Oração Eucarística seja iniciada cantando-se a introdução ao Prefácio, e depois o Mistério da Fé e a doxologia final, que exprime a glorificação de Deus que a assembleia ratifica com a proclamação solene do “Ámen”. O Missal Romano propõe diversas orações eucarísticas, todas elas muito ricas de doutrina e de sentido. Devem usar-se segundo as ocasiões. A Oração Eucarística é dita totalmente apenas pelo presidente da celebração e pelos concelebrantes, quando os há. “Exige que todos a escutem com reverência e em silêncio, e que nela participem por meio das aclamações previstas no próprio rito”. Venho chamando a atenção para a posição dos fieis durante a Oração Eucarística. A prática vem-nos dizendo que convidemos a assembleia a permanecer de pé, fazendo uma inclinação de adoração no momento da consagração. A escassez de espaço em muitos templos, a dificuldade que têm os mais idosos de ajoelhar, o habito que se foi generalizando em muitas paróquias e dioceses, assim o recomendam. E não tem sentido, para a unidade da assembleia, que cada um tenha a posição que lhe parece ou lhe agrada. Trata-se de um acto comunitário no qual os gestos são convidativos aos mesmos sentimentos. Rito da Comunhão 14. Todos os momentos conduzem à participação dos presentes na comunhão eucarística. Apesar de serem agora mais os comungantes, a celebração só tem verdadeiro sentido quando comungarem todos os que o podem fazer e para isso se preparam. Também aqui há rotina, deficiente compreensão do mistério que se celebra, peso de uma tradição que se foi empobrecendo. A Oração dominical ou o Pai-Nosso abre esta parte da celebração eucarística. É a oração da família dos filhos de Deus, reunidos na casa do Pai para redobrar a sua confiança e acolher os Seus dons. Deve cantar-se ou rezar-se pausadamente. Por vezes reza-se a um ritmo tão rápido que não é possível fixar-se no que se diz e enriquecer-se com os sentimentos que se expressam. O rito da paz não é um momento de cumprimentos, nem de procura de familiares, amigos e conhecidos. Ali a família reunida é da graça, não a do sangue ou da vontade humana. Conhecido ou desconhecido, quem está ao meu lado na celebração, para que o seja também na vida, é sempre um meu irmão. O gesto exprime sempre que, vivendo na paz que a todos nos vem de Cristo, queremos ter acesso ao Pão Eucarístico, porque por Ele também nós formamos uma só família ou comunidade de filhos e de irmãos. Exprime o nosso desejo de todos de que a Igreja viva na unidade e é, ainda, um sinal visível da nossa mútua caridade. Devem formar-se as crianças a que se habituem a dar a paz ao companheiro que está ao seu lado e a não andar pela Igreja à procura dos familiares e a não fazer cortejo para o altar, para trocar com o celebrante o gesto da paz. É um momento de serenidade que não deve perturbar a celebração nem desviar a atenção do essencial. A Comunhão do Corpo de Cristo é um convite feito a todos e que enriquece de graça e de felicidade os que o acolhem e lhe respondem. Tudo no momento deve ser expressão de respeito e de gratidão. Onde ainda não acontece, eduquem-se as pessoas para que se aproximem ordenadamente e sem pressa, do local onde vão comungar regressem e igual modo ao seu lugar. Por vezes é um momento da celebração cheio de confusão e nada convidativo à serena devoção de quem se aproxima do Senhor para O receber. A Comunhão do Sangue do Senhor, que continua a ser em muitas paróquias uma excepção ou que nunca chega a acontecer, deve tornar-se mais frequente nos domingos e noutras festas da Igreja. Pelo menos que se comungue o Precioso Sangue na Quinta Feira Santa, na festa do Corpo de Deus, e celebrações que se justifique e para as quais se faz uma especial preparação. Com uma assistência numerosa só se deve fazer por intinção, comungado depois na língua. A comunhão na mão, que não se pode impor nem impedir, deve ajudar as pessoas a que a recebam se assim desejarem, tendo em conta a posição da mão para receber o Corpo do Senhor e o momento de logo comungar, em atitude de reverente adoração. A acção de graças que deve dispor sempre de um momento de silêncio orante, é muito importante para viver o momento e rever toda a celebração com as graças recebidas e os apelos sentidos. De algum modo a assembleia beneficia destes sentimentos na oração conclusiva que ela faz sua, com a proclamação do Ámen. Rito de conclusão e envio 15. Este rito ajudará a assembleia a tomar consciência da palavra de João Paulo II, quando nos diz que o ritmo de vida de um crente é “ da Missa à missão” . A celebração continua em casa com a família e nos lugares de trabalho ou de lazer com aqueles que aí se encontram. São lugares e tempos para testemunhar o valor que tem a Eucaristia na vida de um cristão e o sentido e a dimensão que ela dá a todos os momentos da vida. Uma palavra do presidente, antes da bênção, deve dar este sentido apostólico aos fieis. A benção final, para a qual se devem usar as diversas fórmulas propostas no Missal para certos dias e ocasiões, é sempre, a partir do gesto do presidente da celebração, o reforçar da certeza de que Deus nos acompanha com a sua bênção de Pai e conta connosco para continuar a realizar a Sua obra de salvação. Toda a celebração eucarística convida os que nela participaram a partilharem, ao terminá-la e já fora do templo, em momentos de gratuidade e de convívio, a alegria do encontro. Fica-se sempre com uma impressão negativa e desoladora ao vermos como as pessoas, terminada a Missa, dispersam rapidamente, como senão se conhecessem ou nada tivessem a dizer umas às outras, acerca do que viveram na celebração e do que levam que as ajude a viver, como cristãos, a nova semana que começa. Sacerdócio existencial e celebração litúrgica 16. A vida cristã ligada à Eucaristia vive-se a ritmo semanal, de Domingo a Domingo, e é marcada pela vivência evangélica diária, que se alimenta da Eucaristia e tem o seu ponto mais alto e sempre estimulante, de novo na celebração eucarística. É sempre uma vida em que Deus é louvado e reconhecido como o Senhor. A este respeito, e de modo elucidativo, diz-nos o Vaticano II na Constituição sobre a Igreja (LG) n.34, depois de salientar a graça da participação dos cristãos, pelo Baptismo, no munus sacerdotal de Jesus Cristo, “a fim de que exerçam um culto espiritual para glória de Deus e salvação dos homens”: “Todos os seus trabalhos, orações e empreendimentos apostólicos, a vida conjugal e familiar, o trabalho de cada dia, o descanso do espírito e do corpo, se foram feitos no Espírito, e as próprias incomodidades da vida, suportadas com paciência, se tornam em outros tantos sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por Jesus Cristo; sacrifícios estes que são piedosamente oferecidos ao Pai, juntamente com a oblação do corpo do Senhor, na celebração da Eucaristia. E, deste modo, os cristãos leigos, agindo em toda a parte santamente, como adoradores, consagram a Deus o próprio mundo.” A Eucaristia, porque sintetiza toda a acção litúrgica a Igreja, é “o cume para onde tende toda a vida da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte de onde dimana toda a sua força. Os trabalhos apostólicos ordenam-se para que todos, feitos filhos de Deus pela fé e pelo Baptismo, se reúnam, louvem a Deus no meio da Igreja, participem no sacrifício e comam a ceia do Senhor.” (Constituição sobre a Liturgia n.10) Dois textos conciliares que enriquecem a nossa reflexão e podem inspirar um programa de vida iluminado pela vivência eucarística no dia a dia de um cristão. Disposições Práticas 17. Tendo em conta a importância de um ano pastoral voltado para uma maior vivência da Eucaristia e para conseguirmos a renovação da Igreja Diocesana, a partir deste dom inefável, programamos diversas actividades neste sentido e com este objectivo. Em relação a toda a Diocese – Adoração ao Santíssimo Sacramento ao longo do ano, em cada paróquia e comunidade de consagrados (Laus perene pelo menos durante o dia) – Incentivar a celebração arciprestal da festa do Corpo de Deus – Congresso Eucarístico Diocesano no mês de Junho – Peregrinação Diocesana a Fátima no mês de Setembro – Semana da Fraternidade na Quaresma – Revisão dos lugares, templos e altares, onde se celebra e dos livros e alfaias ao serviço do culto eucarístico – Estudo cuidado dos lugares onde se deve fazer a celebração dominical da Palavra e preparação dos animadores dessas celebrações – Divulgação nas paróquias e nos encontros de livros formação sobre a Eucaristia Em relação ao clero (presbíteros e diáconos) – Jornadas de reflexão à volta do tema “ A Eucaristia gera a Fraternidade” – Encontros sobre a celebração eucarística e nomeadamente sobre a homilia – Dia mensal de oração – Aprofundamento, ao longo do ano, das relações sacramentais e pastorais – Participação alargada no Retiro anual Actividades de formação – Para os que exercem ou podem vir a exercer ministérios litúrgicos e para os coros litúrgicos – Para os membros das Irmandades ou Confrarias do Santíssimo – Para os ministros extraordinários da Comunhão – Para os casais, em ordem a uma maior vivência eucarística da família – Para os catequistas, em ordem à iniciação e à participação na Eucaristia dos catequisandos A concluir: Certamente que as actividades, antes anunciadas, não anulam iniciativas arciprestais e paroquiais, bem como dos diversos serviços, movimentos e associações da Diocese. O Ano da Eucaristia deve ser um ano de muita generosidade da parte de todos. Ele ajudará não apenas a fazer a revisão do que já se faz, mas também a lançar de novas acções renovadoras da fé dos cristãos e do compromisso apostólico e de fraternidade que não pode ser iludido por uma comunidade que celebra dominicalmente a Eucaristia, de uma paróquia ou de um lugar que tem o Santíssimo Sacramento na sua igreja e dos cristãos, em geral, que comungam regularmente o Corpo do Senhor. Que o nosso cuidado em viver bem este Ano constitua o grande agradecimento ao Papa pela sua feliz iniciativa. D. António Marcelino, Bispo de Aveiro

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