Homilia do Bispo de Aveiro EUCARISTIA DA CEIA DO SENHOR Quinta-feira Santa de 2007-04-05 Leituras: Ex. 12, 1-14 1 Cor. 11, 23-26 Jo. 13, 1-15 1. “Dei-vos o exemplo, para que, assim como Eu fiz, vós façais também” (Jo. 13, 15). Na noite desta Quinta-Feira reúne-nos nesta Sé Catedral o desejo de aprender o exemplo de Jesus e de cumprir este imperativo do Mestre: celebrar a Ceia do Senhor, acolher neste sacramento do Amor o mandamento novo e lavar os pés dos discípulos. É a Páscoa do Senhor que hoje se evoca, que hoje começa e que hoje se renova em perene e eterno memorial da Aliança. Uma Aliança firmada na fidelidade com o Povo de Israel liberto da opressão no Egipto e conduzido à terra da Promessa e da Liberdade; uma Aliança celebrada na plenitude da vida de Cristo por nós entregue e do seu Sangue por nós derramado; uma Aliança continuamente renovada em santo e salvifico memorial de quem por mandato apostólico ouve em permanência a voz do Mestre: “Fazei isto em memória de Mim”. (1 Cor. 11, 24). Este é por excelência o dia da Eucaristia, o dia do Sacerdócio e o dia do Mandamento Novo que nasce na Eucaristia e de que os sacerdotes devem ser infatigáveis mensageiros e exemplares servidores. É à luz da Eucaristia que compreendemos que “Jesus nos amou até ao fim” (Jo. 13, 1) e de que a exemplo de Jesus também a Igreja é chamada a alimentar-se da Eucaristia para ser capaz de anunciar, celebrar e testemunhar esta capacidade de um amor sem fronteiras, nem limites, nem cálculos. 2. No percurso histórico da vida da Igreja atravessando épocas de civilização tão diversificadas e momentos de cultural tão diferentes sempre a Eucaristia foi o mistério santo e sacramento de fé e de vida onde a Igreja diariamente se edifica, se alimenta e se congrega; através do qual a Igreja se torna fonte de vida para os crentes e sinal de salvação para o mundo. Retomando o dinamismo evangelizador do Grande Jubileu do Ano 2000, o aprofundamento teológico e o entusiasmo espiritual que o Ano da Eucaristia – a última iniciativa pastoral de João Paulo II – trouxe à Igreja e na continuidade do Sínodo dos Bispos de 2005, o Santo Padre Bento XVI publicou no passado dia 22 de Fevereiro uma Exortação Apostólica sobre a Eucaristia dando-lhe como título “ Sacramento do Amor”. Escrita em sintonia e unidade com a sua Primeira Encíclica “Deus é Amor” o Santo Padre procura dar voz, consistência e autoridade universal às sugestões, propostas e reflexões dos Bispos delegados ao Sínodo e provenientes de todo o mundo católico. Convido os sacerdotes, diáconos, religiosos(as), consagrados(as), leigos e leigas de toda a diocese a lermos demoradamente e aprofundarmos em sede de grupos e movimentos apostólicos e nos percursos das nossas Comunidades cristãs esta Exortação Apostólica. Não silenciemos com o nosso desinteresse pela leitura, pelo estudo e pela reflexão a voz do magistério da Igreja, que deve ser sempre fonte de sabedoria e de santidade a iluminar a inteligência dos crentes, a orientar o sentido da vida dos cristãos e a estabelecer pontes de diálogo entre a fé e a cultura, entre a Igreja e a sociedade. Também nós devemos interrogar-nos com S. Agostinho: “ Que pode a alma desejar mais ardentemente do que a Verdade?” 3. Permito-me retomar neste dia e nesta celebração algumas das ideias sublinhadas pelo Santo Padre e que pastoralmente gostaria de ver fortalecidas na vida dos cristãos e nas Comunidades cristãs desta Igreja Diocesana. “A Eucaristia é por excelência mistério de fé: é o resumo e a súmula da nossa fé. A fé da Igreja é essencialmente fé eucarística e alimenta-se de modo particular, á mesa da Eucaristia. A fé e os sacramentos são dois aspectos essenciais e complementares da vida eclesial.” (E. A. 6). Na Eucaristia vamos ao âmago, ao essencial da nossa fé descobrindo o amor de Deus que nos dá o seu Filho “para que o mundo seja salvo” (Jo. 3,17) e descobrimos ainda pela fé que Jesus, o Filho de Deus na Eucaristia não nos dá “alguma coisa” mas dá-se a Ele mesmo: entrega o seu Corpo e derrama o seu Sangue: “Eu sou o Pão vivo que desce do Céu” (Jo. 6, 51) A missão da Igreja consiste essencialmente nisto: dar Cristo ao mundo, faminto de verdade, à procura de caminhos de liberdade e tantas vezes em desencontros múltiplos com a vida. A Eucaristia dá-nos Cristo: “caminho da verdade e da vida” (S. Agostinho). Como podem os cristãos afirmarem que têm fé se não alimentam na Eucaristia? Como podem os cristãos evangelizarem o mundo se não lhe oferecem Cristo como alimento da verdade e da vida? Como pode a Igreja ser sacramento de amor celebrado na Eucaristia se não alimentar nos cristãos o amor pelos sacramentos em procura assídua e vivência espiritual aprofundada? A Páscoa antiga passou. Já não há necessidade do Cordeiro imolado. Ele era apenas figura da nova e eterna aliança celebrada em Cristo e oferecida em cada Eucaristia. “Cristo é o verdadeiro Cordeiro pascal, Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (E. A. 9). “ A Eucaristia é, assim, constitutiva do ser e do agir da Igreja” (E. A. 14). “Na celebração da Eucaristia encontra-se na sua Igreja, isto é, na Igreja de Cristo”. (E. A. 15). Esta raiz Eucarística da nossa fé em nada belisca o esforço de comunhão ecuménica, pelo contrário “pode contribuir eficazmente para o diálogo com as Igrejas e com as Comunidades eclesiais que não estão em plena comunhão com a Sé de Pedro”. 4. Nunca esquecendo o plano pastoral da nossa diocese que nos convida sem cessar a “colocar a Igreja ao Serviço da Família” faz-nos bem sublinhar a palavra do Santo Padre no nº. 19 da Exortação Apostólica: “Na acção pastoral, sempre se deve associar a família cristã ao itinerário de iniciação, sabendo que a iniciação cristã tem como ponto de referência tornar possível o acesso ao sacramento da Eucaristia. Devemos interrogar-nos se as nossas comunidades cristãs têm suficiente noção do vínculo estreito que há entre Baptismo, Confirmação e Eucaristia”. (E. A. 17 e 19). Como pode a família crescer na fé sem a Eucaristia? Como podem as nossas Comunidades ajudar as famílias e os seus filhos a consolidarem um verdadeiro itinerário catequético de iniciação cristã se as famílias não acompanham as crianças nesta experiência comum da participação da Eucaristia? “Receber o Baptismo, Confirmação e abeirar-se pela primeira vez da Eucaristia são momentos decisivos não só para a pessoa que o recebe mas também para toda a sua família.” (E. A. 19). “A família – igreja doméstica – é um âmbito primário da vida da Igreja, especialmente pelo papel decisivo que tem na educação dos filhos.” (E. A. 27). Mas o Santo Padre estabelece uma relação estruturante entre a Eucaristia e a unidade e a indissolubilidade do Matrimónio ao manifestar uma “particular solidariedade espiritual a todos aqueles que fundaram a sua família sobre o sacramento do Matrimónio” e ao afirmar que “o vínculo fiel, indissolúvel e exclusivo que com Cristo e a Igreja tem expressão sacramental na Eucaristia e esta de harmonia com o dado antropológico primordial” que defende o Matrimónio uno e indissolúvel. (E. A. 28-29). Mas a Eucaristia não é apenas um mistério acreditado. É também um mistério celebrado, adorado, contemplado, vivido, anunciado e oferecido ao mundo. A Eucaristia é verdadeiro pão repartido para a vida do mundo, alimento da verdade e da indigência da humanidade, com implicações sociais e desafios evangelizadores permanentes a oferecer-nos a possibilidade maior de promover a vida, defender a criação e santificar o mundo. 5. “Dou-vos um mandamento novo: amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo. 15, 12), disse Jesus aos discípulos reunidos no Cenáculo nesse momento sublime de maior confidência antes da hora da paixão, da condenação e da morte. Uma das formas mais benéficas e preciosas da Igreja cumprir este mandamento e de viver hoje a pedagogia do serviço de que o lava – pés é exemplo emblemático, consiste em proporcionar com renovado e infatigável empenho aos crentes baptizados o gosto, o encanto e a beleza da Eucaristia. Consiste em ajudar a sociedade e o mundo a descobrir o imenso e insubstituível contributo que a Eucaristia oferece à partilha fraterna dos bens, à atenção solidária com os pobres, à compaixão com os que sofrem, à construção da paz social e da comunhão humana, sem distinções nem descriminações de raças, de culturas ou de povos. É urgente para os cristãos reencontrar o caminho da Eucaristia e do Cenáculo. A Eucaristia, Sacramento do Amor, é sempre a fonte e o início da vida e da missão da Igreja para que as pessoas encontrem o sentido do valor da vida e o mundo o caminho da justiça, do perdão e da paz. Que Nossa Senhora, a Virgem de Nazaré, a mulher eucarística, Mãe da Igreja, que acolheu incondicionalmente o dom de Deus e desta forma ficou associada à obra da salvação nos ajude a saber acolher a doação que Jesus fez de Si mesmo na Eucaristia. Ámen. António Francisco dos Santos Bispo de Aveiro