Espiritualidade cristã, Natureza e Ecologia

Frei Daniel Teixeira

A globalização é uma realidade evidente em avanço imparável. O fenómeno da globalização oferece enormes possibilidades de comunicação e de encontros interpessoais, gerando, por um lado, um movimento de unificação, mas, por outro lado descaracterizando a humanidade. É um fenómeno que tem tanto de esperançoso quanto de preocupante. Porém, a globalização tem capacidade para incutir um novo impulso ao bem-estar, à consciência comunitária e à fraternidade universal.

A forma de viver das pessoas, o seu mútuo entendimento e o seu relacionamento com o mundo transformam-se. A interdependência entre indivíduos, povos, culturas e religiões vai ganhando terreno para mais humanamente caminharmos nesta Casa comum chamada planeta Terra e melhorarmos as relações com todo o Universo.

O problema ambiental é científico, técnico e político; mas é também cultural, ético e religioso, pois nos bastidores da crise ecológica está a questão da justiça, da igualdade de direitos humanos e do respeito pelo mundo natural. À ciência não compete prescrever o que é bom ou mau nem fixar critérios de valor. Impõe-se o recurso à ética, à criação de uma nova mentalidade e à influência da religião para dar às ciências a consciência de que devem orientar-se para o bem comum.

Na actualidade o homem está desiludido com as ideologias comunitárias. O individualismo militante dos anos sessenta diluiu-se num pragmatismo desencantado, mais preocupado com o seu dia-a-dia do que com grandes projectos de transformação do mundo. O idealismo social deu lugar ao cepticismo e retraimento intimista. Pouco se pensa em conseguir grandes objectivos comuns. Os valores comunitários foram substituídos por um individualismo hedonista e permissivo, sem ideais. Na sociedade actual pensa-se que a felicidade depende da auto-realização, e esta resulta de ser fiel a si mesmo. Para a maior parte dos mortais a autenticidade reduz-se a uma autonomia individualista, sem exageros e sem ideais, comodamente instalados e contentes com a sua mediocridade. O objectivo fundamental é sentirem-se satisfeitos consigo mesmos, evitando tudo quanto possa significar discordância, risco, sofrimento ou compromisso. Os grandes e nobre ideais de melhorar a sociedade são substituídos pelo intimismo redutor, envolvidos numa cultura de narcisismo, cedendo à tentação de se isolar, ao contacto meramente virtual que afecta menos o indivíduo, apresenta menos riscos e exige menos compromissos, às vezes nem sequer o de assumir a sua própria identidade.

O homem pós-moderno, de personalidade fragmentada, ainda não encontrou um sentido unificador para a própria vida, tem dificuldade em aceitar a sua fragilidade, os seus limites e fracassos. Trata o corpo como o que tem de mais importante para valorizar a sua identidade. Constrói uma vida ilusória e fragmentada, na busca ansiosa da felicidade momentânea, pretendendo obter tudo de imediato e sem esforço.

Esta filosofia de vida transforma a natureza, as outras pessoas e a própria divindade, em objectos a manipular. Urge uma cultura do limite e do compromisso que desenvolva uma personalidade em harmonia consigo mesmo, com os demais e com o cosmos.

Em geral, todas as formas de espiritualidade procuram uma relação pacífica do ser humano com o universo criado. A espiritualidade cristã introduz Deus neste cenário, como referência fundamental. Ele é o Criador do ser humano, mas também de todo o Universo. O Homem é criatura por excelência, a quem Deus confia todo o universo, para que em Seu nome o cuide, sempre em referência ao Criador.

A sensibilidade ecológica actual parte fundamentalmente da “ecologia do medo”: há que buscar o equilíbrio com a natureza porque o homem se sente ameaçado na sua existência. Para o Cristianismo a Natureza é um maravilhoso presente de Deus ao homem, o que gera uma relação de fraternidade e uma atitude de gratuidade. Para a espiritualidade cristã a referência a Deus é fundamental e geradora de uma nova atitude perante o universo a ser desfrutado de forma gozosa e pacífica e não a ser explorado e manipulado.

O expoente máximo de espiritualidade ecológica cristã é Francisco de Assis, patrono da ecologia, que ao reconhecer um único Pai-Criador de todos os seres de todos se sente irmão, a todos trata por «irmãos»: o irmão sol, a irmã lua, o irmão lobo, a irmã, água, a irmã pedra, a irmã abelha, o irmão falcão…

O seguinte texto do primeiro biógrafo de Francisco de Assis é síntese maravilhosa da postura cristã frente à Natureza.

«Olhando o sol, a lua e contemplando o firmamento com todas as estrelas enchia-se de inefável gozo. Quem poderá explicar a alegria que no seu espírito provocava a beleza das flores?… Quando encontrava muitas flores juntas pregava-lhes, convidando-as a louvar o Senhor como se tivessem o dom da razão. E o mesmo fazia com os trigais e as vinhas, as pedras e os bosques e tudo o que há de belo nos campos: as nascentes, a terra e o fogo, o ar e o vento, e tratava-os de modo eminente e não acessível aos outros» (1 Cel 80-81).

Em hino de universal fraternidade e gratidão ao Altíssimo Senhor cantemos com Francisco de Assis: «Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa, e produz variados frutos, com flores coloridas, e verduras…

Louvai e bendizei a meu Senhor, e dai-Ihe graças e servi-o com grande humildade».

Frei Daniel Teixeira, OFM

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