Espiritualidade cristã: entre silêncio e luta

Vida espiritual não é «alívio emocional para sociedades à beira de um ataque de nervos»

Lisboa, 10 jul 2012 (Ecclesia) – O silêncio e a luta interior são dois dos principais componentes da espiritualidade cristã apontados pelo frade Enzo Bianchi, superior do mosteiro italiano de Bose, e o padre Tolentino Mendonça, diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.

“A tradição espiritual e ascética sempre reconheceu a essencialidade do silêncio para um verdadeiro caminho espiritual e de oração”, sublinha o religioso italiano na edição de hoje do Semanário Agência ECCLESIA, que dedica o seu dossier à espiritualidade.

O silêncio, “guardião da interioridade”, é o que “mais falta ao homem moderno, assoberbado por murmúrios, bombardeado por mensagens sonoras e visuais, derrubado da sua interioridade, quase caído longe dela”, ressalta.

A suspensão da palavra que se diz também tem efeitos na relação com o próximo ao suscitar “a caridade, o amor pelo irmão e, por consequência, a capacidade de intercessão, de oração pelo outro”.

O religioso considera também que a inteligência se apura com o silêncio, pois é dele “que pode nascer uma palavra aguda, penetrante, comunicativa, sensata, luminosa”, além de “terapêutica” e “capaz de consolar”.

O padre Tolentino Mendonça, por seu lado, acentua que é nas contradições pessoais que se revela o divino: “O que há em nós de realização e de desejo, de tensão irresolúvel e de dom; o que nos habita da forma mais habitual; o que nos afunda mais na terra, no corpo e no tempo: é aí que ouvimos (ou podemos ouvir) os passos de Deus”.

“Falar da vida espiritual é sempre sondar as zonas mais profundas (e por isso também mais reais, mais imperfeitas, mais inacabadas) do nosso coração”, refere o poeta no editorial do Semanário.

O biblista frisa que “a espiritualidade não é uma busca epidérmica e apressada de satisfação” e a “vida espiritual não é um oculta-vazios ou um alívio emocional para sociedades à beira de um ataque de nervos”.

“Diz-se que estes duros tempos de crise económica, em que todos os dias vemos tombar o modelo que identificava a felicidade com o poder de compra (ou com a sua ilusão), constituem uma oportunidade para a redescoberta do espiritual. Pode bem ser. Mas no lugar de um ídolo, não podemos colocar outro”, avisa.

Susana e João, casados e com dois filhos, contam como aproveitam os dias de férias para reforçar a espiritualidade, uma “aventura” que começou há sete anos com uma peregrinação a pé ao Santuário de Fátima.

O casal sublinha que os dias de retiro, que repetem anualmente, contribuem para a sua união: “Lembramos que o matrimónio não é feito entre duas pessoas, mas um compromisso assumido a três”.

“Quanto mais ‘cheiramos Deus’ mais queremos ‘cheirar a Deus’, destacam Susana e João, que fazem planos para passar uma semana em família na comunidade ecuménica de Taizé, em França, e um mês em missão com a organização católica Leigos para o Desenvolvimento.

O dossier do Semanário integra igualmente uma entrevista ao padre Jorge Castela, membro do grupo Banda Jota, que avalia a relação entre espiritualidade e música cristã juvenil.

O sacerdote alerta que “é perigoso cantar uma letra e não pensar na profundidade daquilo que se está a transmitir”: “Alguns preocupam-se pouco com isso e é preciso estar qualquer coisa, por trás, uma espiritualidade profunda”.

RJM

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