Esperando o Natal da Música

Chegou-me às mãos uma entrevista a duas grandes personalidades (o Senhor Cardeal Franco Ravasi e o grande Maestro Carlo Muti da orquestra La Scala de Milão), focando especialmente a música de Natal e tecendo profundas considerações sobre o seu carácter, a sua finalidade, etc. Começo por recordar uma frase de Cassiodoro aí citada “se cometerdes injustiça Deus deixar-vos-á sem música”, e cujo comentário aí expresso diz que em parte isso vai acontecendo quando a música se torna ruído – este é já um castigo. Se da música em geral passarmos à música sacra – natalícia ou outra – que deve ser oração, serenidade contemplativa e beleza, se nesta houver algo de contraditório ao acima exposto, então passamos inexoravelmente à aplicação daquela famosa frase “corruptio optimi, pessimum.” Num escrito recente de há oito dias apenas (2 de Dezembro de 2007) a escritora brasileira Adélia Prado defende o resgate da beleza na celebração da liturgia como uma necessidade vital, afirmando que “a Missa é como um poema, não suporta enfeite nenhum”. Se ao menos de enfeites se tratasse, comento eu, não estaria assim tão mal, mas imperam fortemente os “desenfeites”, enchendo o espaço sagrado e a liturgia de vulgaridades e mau gosto, ruídos e palminhas a Jesus, textos e melodias banais, em resumo: invasão do espaço sagrado e da liturgia com letras feias, músicas feias, comportamentos e gestos vulgares e mesmo ridículos… Não é por falta de leis ou comissões, sejam elas litúrgicas ou musicais, que a pureza, elevação e dignidade das celebrações são assim tratadas, mas porque as normas referidas não se aplicam, e também porque as pessoas responsáveis e directamente intervenientes neste processo se deixam levar por um excesso de zelo pastoral mal esclarecido ou imbuído, quem sabe, pelo receio de serem consideradas desactualizadas. Por isso, e não só, proliferam as publicações de muita música sem o mínimo de qualidade nos textos e melodias que não levam as pessoas a rezar. A propósito e em síntese, registo esta frase de lamento e humor: “em algumas celebrações saímos da Igreja com vontade de procurar um lugar para rezar”. É indispensável redescobrir o canto-oração, o silêncio e a serenidade contemplativa, é urgente restaurar e enriquecer o culto daquilo que é essencial à sua própria natureza: a dignidade, a santidade e a beleza, pois estamos perante os mistérios mais sublimes e daí todo o nosso empenho, respeito e amor pelas coisas santas que devem ser tratadas santamente. Ocorre-me de novo aquela frase atrás citada:” a Missa é como um poema, não suporta enfeite nenhum”. É o absolutamente novo e sempre actual. É a Incarnação, Paixão, Morte e Ressurreição do próprio Cristo. É o Amor de Deus no meio de nós, “construindo a sua casa no meio das nossas casas”. É o Deus invisível que se torna visível aos nossos olhos. Vêem-no Maria e José, os Pastores e os Magos (agora que recordamos o seu nascimento). Viram-no aqueles cujas melodias nos legaram e permanecem entre nós. Vejam-no hoje todos quantos, através da linguagem poética e musical, têm a missão de O manifestar. Vejamo-lO também nós com os olhos puros da fé. Joaquim dos Santos, Compositor

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