Especial: Missionário português em Pemba alerta para números «dramáticos e avassaladores» da crise no norte de Moçambique (c/fotos)

Padre Ricardo Marques fala em «inimigo sem rosto», após sucessão de ataques terroristas, apelando a intervenção da comunidade internacional

Pemba, 09 abr 2021 (Ecclesia) – O sacerdote português Ricardo Marques, missionário da Boa Nova que se encontra em Pemba desde 2015, disse à Agência ECCLESIA que a crise no norte de Moçambique tem números “dramáticos”, apelando à intervenção da comunidade internacional.

“Os números são dramáticos e avassaladores: mais de 3000 mortos e mais de 800 mil deslocados em toda a província”, refere o responsável pela Paróquia de Maria Auxiliadora de Pemba, capital da província de Cabo Delgado.

O missionário fala em “famílias destroçadas”, com milhares de pessoas desaparecidas.

“A maioria ainda está refugiada no mato, fugindo a uma morte certa, e há famílias que nem sequer conhecem o paradeiro dos seus familiares, se ainda estão vivos ou mortos”, aponta.

A província de Cabo Delgado situa-se no norte de Moçambique, entre a província de Nampula e a fronteira com a Tanzânia, com uma dimensão equivalente à área total de Portugal.

O território é alvo da violência de grupos terroristas há cerca de três anos, situação que se agravou no último mês, quando grupos armados atacaram pela primeira vez a vila de Palma.

“Estamos a enfrentar um inimigo sem rosto cujas motivações são desconhecidas. Com a escalada de violência, vemos, agora, o reacender de velhos ódios e tribalismos”, alerta o padre Ricardo Marques, vigário episcopal para a região urbana da Diocese de Pemba, desde 2020.

Não podemos deixar este assunto no esquecimento. É necessária uma intervenção urgente, antes que seja tarde demais. Apelo, por isso, a todas as autoridades e pessoas de boa vontade, para que continuemos a lutar por uma solução que ponha termo a esta guerra devastadora”.

Os recentes ataques provocaram dezenas de mortos e obrigaram à fuga de milhares de residentes de Palma, agravando a crise humana numa região que, embora rica em recursos naturais e minerais, é uma das mais pobres de Moçambique e foi atingida em 2019 pela passagem do ciclone Kenneth.

“É urgente uma intervenção contundente da comunidade internacional, sob pena do número do número de mortes e deslocados continuar a aumentar exponencialmente”, apela o sacerdote português.

O missionário da Boa Nova admite “receio” com a possibilidade de os ataques continuarem para sul e chegarem a Pemba, que considera “real”.

Vários países têm oferecido apoio militar no terreno a Maputo para combater os insurgentes.

“Enquanto o governo moçambicano não assumir uma atitude mais séria e contundente quanto a este assunto e aceitar a ajuda externa, continuará a haver ataques, mortes, mais deslocados e a possibilidade de perder esta província para os terroristas será muito elevada”, aponta o padre Ricardo Marques.

O sacerdote considera que a Igreja Católica, com o Papa Francisco, tem sido uma “voz profética em favor deste povo sofredor, denunciado as injustiças, as constantes violações dos direitos humanos, o aumento da violência em toda a província”.

Tentamos ser a voz dos que não têm voz, dar espaço à voz das vítimas. Tentamos levar alguma palavra de conforto e consolação a todas as famílias e, na medida do possível, em colaboração com as autoridades civis, a Cáritas Diocesana e algumas ONG, ajudamos as famílias mais necessitadas com bens e produtos de primeira necessidade”.

O entrevistado indica que os deslocados dos ataques se encontram dispersos por toda a província, sobretudo em acampamentos organizados pela Cáritas, em coordenação com as autoridades civis e com organizações não governamentais.

No caso da cidade de Pemba, onde se inclui a paróquia de Maria Auxiliadora, a maioria das pessoas foram reassentadas em terrenos disponibilizados pelo governo, mas “vivem sem as condições mínimas de higiene e de subsistência”.

“São agregados grandes – 30/40 pessoas por família –  vivendo num curto espaço de terreno ou em habitações frágeis e pequenas. Por se tratar de números elevados, boa parte dos deslocados não dispõem de um abrigo do sol e da chuva, mesmo os que são acolhidos pelas famílias de Pemba”, adverte o Missionário da Boa Nova.

O responsável católico refere que as necessidades mais urgentes são a alimentação, vestuário e bens de primeira necessidade, além do apoio em material escolar.

No terreno, há preocupação com o Covid-19, as condições impedem o confinamento e condicionam a implementação das medidas de higiene e segurança.

“Face às estatísticas avassaladoras no que concerne ao número de deslocados, diria que, de modo consciente, não tomamos a Covid-19 como limitação para acolher e ajudar os deslocados. Doutro modo, seria uma condenação à morte de vitimas inocentes, deixando-os abandonados à sua sorte”, sublinha o padre Ricardo Marques.

CB/OC

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