Ensino público com escola estatal, privada e cooperativa

Cada dia, em alguns aspetos, a democracia vem ameaçando virar ditadura. Em relação a um problema nacional importante, finalmente há coragem para romper o muro do sectarismo e dos interesses partidários e corporativos, para que a democracia se afirme. O problema não é novo. Com vários resistentes, a luta pelo ensino público nas escolas privadas, trava-se há mais de quarenta anos.

O dever do estado social não é ser estado providência e, no caso, não é criar escolas próprias, desconhecendo as existentes, mas garantir que todos os cidadãos tenham, progressivamente, em regime de liberdade e em clima de proposta qualificada um ensino público de qualidade, acessível a todos. O estado deve garantir a todos os pais este ensino seja ele ministrado em escolas estatais ou privadas e cooperativas. A nomenclatura constitucional não respeita neste ponto a democracia.

Os pais pagam os seus impostos, mas têm-lhes sido negado este direito. Em contradição com países evoluídos da UE, espalhou-se a ideia de que o ensino privado é elitista e para os ricos. Só a escola estatal, diz-se, é para os pobres e nela se garante, sem discriminações, o ensino para todos. A história desmente por completo este preconceito em relação a escolas com contrato de associação. É destas que falo. Os estados socialistas, extremos ou moderados, à revelia do direito constitucional de ensinar e de aprender, acorrentam a liberdade a projetos ideológicos, fazendo do estado o dono e patrão das crianças e dos jovens. Não se chegou a exportá-las. Outros o fizeram. Foi sempre este o rumo dos governos totalitários e dos que o desejam ser.

A escola privada, situada durante décadas no meio do povo, foi destruída pelo furor vândalo do PREC, incapaz de respeitar o mesmo povo, a sua história e cultura, a iniciativa privada, a entrega à causa de quem levava, generosamente, o saber escolar ao povo, esquecido e abandonado no interior do país. Sou testemunha viva de casos escandalosos de destruição e asfixia programada de projetos sérios e apaixonantes a favor do povo, para gente que se não assim não iria além da instrução primária.

Sem escolas do estado, depressa surgiu a necessidade de recorrer às escolas privadas que ainda restavam. Fizeram-se contratos de associação com exigências normais de escolas para todos. Porém, o bichinho estatizante permaneceu. A medida era um mal menor e os contratos só tinham razão de ser, dizia-se onde as escolas estatais ainda não atingiam toda a população escolar. O ensino privado era apenas supletivo. Para estrangular o que restava acelerou-se a construção escolas estatais em todo o lado. Esbanjou-se o modesto erário modesto, edificando edifícios novos onde havia escolas privadas com ótimas instalações, com prestígio, bem apetrechadas, a funcionar em pleno, cada ano desde a abertura das aulas. Como se não chegasse, reduziram-se turmas a estas escolas e diminuiu-se, arbitrariamente, o contributo por turma, à revelia do acordo feito. Parecia urgente inviabilizar o seu normal funcionamento. As zonas escolares eram sempre favoráveis às escolas estatais, em detrimento das outras que existiam no território. O rumo para o socialismo, desprezou a liberdade constitucional. O espirito democrático foi abafado. Esqueceu-se a sociedade civil com suas capacidades e legitimas iniciativas. Marcou-se, a prazo, o termo das escolas com acordos de associação… Em momentos de pronúncia festiva, os governantes, porém, louvavam as escolas privadas. As suas associações representativas nunca se calaram na defesa dos direitos dos pais e dos alunos. Mas eram interlocutores menores…

É dever do estado garantir, por meios adequados e justos, todo o ensino público, qualquer que seja a escola que o ministre. Compete estabelecer regras de justiça que garantam a seriedade, tanto do ensino público, estatal ou privado, dos responsáveis da escola, de quem aí é professor educador. É preciso deixar espaço à legítima concorrência dos projetos educativos e dos meios pedagógicos, à capacidade de inovação, à exigente apresentação de contas dos dinheiros investidos, qualquer que seja a natureza da escola. Por defesa da escola estatal e por pressões corporativas dos partidos políticos ou dos sindicatos de professores, o país não pode passar ao lado de negações democráticas e de injustiças discriminatórias.

As medidas anunciadas pelo Ministro da Educação já começaram a ser contestadas por críticos e políticos, partidos e sindicatos, e por entrevistas manipuladas nos media. Tudo com preconceitos e ideias feitas à base de slogans bafientos. Era inevitável. Do seu dever democrático, neste e noutros campos, um governo responsável não pode desistir, nem ter medo de avançar, pese embora aos habituais críticos de pensar unidimensional.

António Marcelino
(O texto do bispo emérito foi escrito propositadamente para esta edição e é publicado a título póstumo)

 

Nota da redação:

D. António Marcelino sempre colaborou, com enorme disponibilidade, com a Agência ECCLESIA. Agradecemos-lhe muito e prometemos levar por diante o desafio que sempre nos colocou: promover o diálogo e o debate de ideias.

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