Emigrar não é crime!

Na Semana Nacional de Migrações, D. Januário Torgal Ferreira, presidente da comissão episcopal de migrações e turismo, avalia para a ECCLESIA a acção da Igreja na defesa dos emigrantes e imigrantes D. Januário Torgal Ferreira, presidente da comissão episcopal de migrações e turismo, avalia para a ECCLESIA a acção da Igreja na defesa dos emigrantes e imigrantes. Programa ECCLESIA – O tema adoptado em Portugal para a Semana Nacional de Migrações é “Consolidar a paz para não ter de emigrar”, sugerido pelo Papa. Para que problemas se quer alertar com esta escolha? D. Januário Torgal Ferreira – Eu acho que o Papa coloca mais uma vez o dedo na ferida, como o fizera quando disse ao presidente Bush que não era lícito invadir o Iraque. Então, como agora, falava na necessidade de construir uma nova ordem internacional. Relativamente às estruturas migratórias, diz o que todos nós sentimos e que precisávamos que fosse verbalizado com autoridade moral: se os países tivessem condições de justiça, relativamente a qualquer nacional, um francês não teria de ir viver para a Itália ou um português não teria de viver para o sul da Alemanha ser carpinteiro, conduzir um táxi… Se tivéssemos condições materiais e se cumprissem os direitos, os emigrantes seriam menos. Conto-lhe este caso: recentemente estive no Luxemburgo e perguntei a uma jovem por que razão emigrara e não ficou em Portugal. Ela respondeu-me: “quem me dera a mim ficar na nossa terra, mas eu vim para o Luxenburgo porque em Portugal não há emprego”. Portanto, se os países oferecerem estabilidade humana, económica e social, com forte solidez política, só por espírito de aventura ou de loucura se emigraria. Tenho pena de que os portugueses olhem para os imigrantes como gente que veio fazer turismo! E – Esta paz de que fala o tema é, então construção de novas estruturas sociais… JTF – Se os direitos de cada pessoa forem restabelecidos e solidificados em cada país, é evidente que as pessoas não precisarão de sair dele. Eu não venho aqui advogar nenhuma revolução, mas num país como o nosso, que tem pelo mundo fora quase 5 milhões de portugueses, temos tido a sorte de que essas pessoas não tenham querido regressar a Portugal para exigir melhores condições económico-sociais. Muitas acusam a Igreja de ser a favor da emigração, mas nós somos é a favor de que os países resolvam os seus problemas. Muita gente tem medo da emigração, porque este fenómeno migratório volta-se contra os responsáveis: se 5 milhões de pessoas saíram de Portugal não foi para passar férias, mas trabalhar no duro. A quem diz que eles podiam ficar em Portugal, é preciso responder: arranjem empregos, assegurem justiça nos salários. E – Há quem advogue a vinda de emigrantes com interesses pouco honestos… JTF – Esse é um dos problemas, do ponto de vista sociológico: os emigrantes são uma fonte de desenvolvimento, mas percebemos que são mão-de-obra barata. No mês de Julho estivemos reunidos em Évora (os secretariados diocesanos das migrações, ndr) e ouvimos uma lição magnífica da professora de geografia da faculdade de letras de Coimbra sobre o desenvolvimento do Alentejo com o concurso dos emigrantes, que evitam a desertificação de certas zonas. Há, por outro lado, portugueses e portuguesas que acham óptimo ter uma ucraniana ou uma moldava ao seu serviço e pagar-lhes muitíssimo menos do que pagariam a um nacional. É contra esta indignidade que a Igreja Católica não se pode calar. E – Há ainda o problema do desemprego… JTF – Essa é outra questão sobre a qual os dirigentes deveriam ter humanismo e não dar facilidades: construíram-se os estádios do Euro-2004 com mão-de-obra barata, sobretudo dos países lusófonos, e agora não se sabe para onde vão estes homens e as suas famílias. Para a ilegalidade? Para a escravatura? Para a marginalidade? Por outro lado, temos o caso dos portugueses que não encontram cá condições favoráveis e têm de rumar ao estrangeiro. No Luxemburgo vi que havia portugueses em busca de trabalho, a chegar todas as semanas! É a ausência de condições ajustadas que leva homens e mulheres com família constituída a buscar melhores condições de vida no estrangeiro. Devo dizer ainda que a vaga recente de emigração está a ser engrossada com gente licenciada, quadros superiores. Mais ainda, dizem que temos 500 mil imigrantes em Portugal: sabem quantas pessoas fugiram do nosso país para locais de emigração? Nunca foi dito: 300 mil portugueses foram para o estrangeiro nestes últimos tempos. E – Há 32 anos que a Igreja tem uma semana dedicada a estas questões. O que é que se pretende com esta iniciativa? JTF – Pretende-se dizer aos emigrantes que no estrangeiro podem contar com a presença da Igreja portuguesa – porque desde a América à Austrália encontramos padres e leigos portugueses junto dos nossos – e dar-lhes as boas vindas neste período de férias em que regressam ao país para estar com eles, não contra ninguém, e alertar Portugal para a necessidade de que a emigração pare e se ofereçam condições de vida condignas. Queremos também dizer às pessoas que são os critérios de Jesus Cristo e não os políticos que guiam a nossa acção. E – Está satisfeito com a mobilização da Igreja no apoio à imigração? JTF – Eu terei de dizer, francamente, sem equilibrismos, que estou satisfeito, de forma genérica, mas que permaneço insatisfeito no que diz respeito à primeira imigração – a africana – onde não houve o cuidado que houve com a imigração de gente de raça branca, com preparação técnica mais apurada. Um irmão africano é tão irmão como os outros estrangeiros. Por outro lado, do ponto de vista diocesanos há coisas magníficas, mas não me escuso de dizer que neste sector teríamos obrigação de ir muito mais longe. Temos travado alguns combates – muito importantes para nós – que alguma opinião pública acha menos agradáveis: assumimos a diferença, discordamos de algumas coisas porque entendemos que a legislação restritiva quanto à imigração tem sido um pecado mortal dos últimos governos.

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