A Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990, celebrou recentemente vinte anos. Vem na senda de uma multiplicidade de documentos redigidos desde 1924 que iniciaram um caminho de reflexão política sobre a necessidade de facultar às crianças de todo o mundo – e às famílias onde estas nascem e, preferencialmente, deveriam crescer e educar-se – sobrevivência, condições para um bom desenvolvimento físico, psicológico e social, assim como o acesso à educação que fará delas cidadãs de pleno direito, conscientes, activas e capazes de levar o desenvolvimento económico e político a todas as partes do mundo, isto é, as condições para que cada ser humano possa nascer, crescer e morrer com dignidade. Tratando-se de uma Convenção os Estados Partes comprometem-se a respeitar e a garantir os direitos previstos relativamente a todas as crianças que se encontrem sujeitas à sua jurisdição, tomando as medidas adequadas para que “a criança seja efectivamente protegida contra todas as formas de discriminação ou de sanção decorrentes da situação jurídica, de actividades, opiniões expressas ou convicções de seus pais, representantes legais ou outros membros da sua família.”Assim, os Estados signatários comprometem-se, segundo o interesse superior da criança, com a obrigação de garantir e manter as condições legais e materiais que protejam o direito ao nome e nacionalidade, as condições de orientação e desenvolvimento das suas capacidades, respeitando os direitos e as responsabilidades dos pais e da família alargada, com os quais tem o direito de viver a menos que tal seja considerado incompatível com o seu interesse superior. “Cabe aos pais a principal responsabilidade comum de educar a criança, e o Estado deve ajudá-los a exercer esta responsabilidade.”
É reconhecido a cada criança o direito efectivo à protecção da identidade e da vida privada, à reunificação da família, à protecção contra deslocações e retenções ilícitas, contra os maus tratos e a negligência, o trabalho explorador e a violência, nomeadamente acções de natureza bélica, ao consumo e tráfico de drogas, à exploração sexual, venda, tráfico e rapto, tortura e privação de liberdade. É igualmente declarado que a criança tem direito a uma opinião reconhecida, à liberdade de expressão, de associação, de acesso a informação apropriada e à responsabilidade assumida pelos pais quanto à sua vida, sustento e educação, assim como ao lazer, às actividades recreativas e à cultura. De entre todos os frágeis, merecem uma protecção especial a criança privada de ambiente familiar, a criança refugiada, a criança doente ou deficiente, a criança oriunda de grupos minoritários e de populações indígenas. Finalmente, a criança tem direito a uma administração adequada da justiça, nomeadamente no que diz respeito à administração da justiça de menores e “tem direito a um nível de vida adequado ao seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social.”
Vinte anos, que são tanto tempo depois, é impossível não recordar as palavras de Pessoa, que compreendeu, antes das Declarações e das Convenções que “Grande é a poesia, a bondade e as danças… Mas o melhor do mundo são as crianças”, mais relevante do que “ Flores, música, o luar, e o sol, que peca, Só quando, em vez de criar, seca.” E, neste aniversário que celebramos, já, em tempo de Advento, esperando a oportunidade que Deus nos dá de renascer, cada ano, num coração novo, bom e justo, alegre e íntegro, como o das crianças, é também Pessoa que nos chama a re-pensar o essencial, com a novidade que comporta deixar-se abrir à beleza, ao bem e à justiça: as convenções e as declarações nunca deixarão de ser “papéis pintados com tinta” e estudá-las nunca passará de ser “uma coisa em que está indistinta A distinção entre nada e coisa nenhuma” se o apelo dramático que representa a pior situação social de sempre em que vivem as crianças de hoje não nos despertar para uma consciência activa e sã e não nos obrigar a níveis exigentes de compromisso efectivo. Sigamos o melhor exemplo, em casa e no trabalho, na sociedade e na Igreja: “O mais do que isto É Jesus Cristo, Que não sabia nada de finanças Nem consta que tivesse biblioteca…” Como Cristo mostrou, é das crianças o Reino dos Céus apenas porque sabem amar sem limites. Para este Advento, votos de que essa criança regresse a cada um de nós, por um mundo melhor, onde todos os pequeninos possam viver a infância que teimamos em subtrair-lhes, quer pela pobreza sem alimento nem abrigo, quer pela riqueza sem princípios nem valores.
Cristina Sá Carvalho