Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
O mundo vive grandes desafios, mas assistimos à dificuldade de nos entendermos (entre pessoas), e de nos entendermos com o mundo natural. Para nos entendermos precisamos de uma linguagem. E se os interlocutores são tão diferentes quanto um ser humano e uma árvore, que linguagem permite um diálogo que aprofunde uma relação autêntica e séria entre os dois?
Ciência?
Na revista de divulgação de ciência New Scientist lia uma entrevista feita ao biólogo Richard Dawkins, sinceramente, mais conhecido pelas provocações ateístas à religião, do que por qualquer avanço extraordinário do pensamento científico. Mas há uma coisa que Dawkins pensa, e muitas pessoas pensam também, independentemente de acreditarem, ou não, em Deus. Pensam que a ciência é uma linguagem universal.
A ideia é simples. Perguntem a um português, a um japonês e a um palestiniano o que é uma molécula. A resposta será a mesma. Mas se perguntarem qual o sentido da vida, muito provavelmente, cada um dará uma resposta de acordo com a sua experiência religiosa e humanitária.
Mas as plantas e os animais não humanos nada dirão. Depois, nem sempre os cientistas usam os mesmos termos para designar a mesma coisa, o que pode gerar alguma confusão. Mas se pensarmos na matemática, talvez seja aí que encontramos uma linguagem universal. Mas o que sabem as cigarras de matemática?
Se pensarmos bem, ainda que me custe admitir, a ciência tem sido um paradoxo quanto ao diálogo que através dessa podemos ter com o mundo natural. Tanto serve para o compreender, como para o dominar.
Fraternidade?
Quando pensava nas irmãs árvores, referia-me à noção de fraternidade universal presente no Cântico das Criaturas de S. Francisco. Nada tinha a ver com o gesto de abraçar uma árvore, apesar de o considerar belo. Tinha antes a ver com a experiência de sermos criaturas fruto do amor do mesmo Criador.
Talvez seja a fraternidade a linguagem universal que podemos usar num diálogo com a natureza. Mas depois proveio a dúvida. Houve quem ligasse o facto de usar a expressão “irmão” ou “irmã” ao que assistimos, actualmente, nas sociedades – ditas – modernas. Isto é, quando vemos pessoas tratar os animais com mais respeito e cuidado do que tratam outras pessoas.
Neste caso, se a fraternidade fosse uma linguagem universal, não trataria um animal abaixo ou acima de outro ser humano. Fico perturbado quando me dou conta de partidos políticos que fazem tudo pelos animais e lutam com uma bandeira ecológica na mão e, depois, são favoráveis ao aborto. Quer isso dizer que um ser humano com 24h de vida nem sequer é um animal? Estranho.
A fraternidade é fundamental para um relacionamento aprofundado com a natureza, mas parece-me ser mais um enquadramento do que uma linguagem.
Onde menos esperava encontrar
Num livro do cosmólogo Brian Swimme e do sacerdote Thomas Berry sobre a história do universo (The Universe Story) li como a comunhão é considerado o princípio cosmológico que impulsiona a evolução do mundo, pois, expressa a interrelação, interdependência, parentesco, mutualidade, relacionalidade, reciprocidade, complementaridade, inter-conectividade que assistimos em todo do lado, desde o nosso interior, ao espaço à nossa volta, ao planeta, ao universo.
Isso significa que tudo está em relação com tudo, como o Papa Francisco refere várias vezes na Laudato Si’. Mas estes relacionamentos não são de um tipo qualquer, mas relacionamentos de amor. Porém, também o modo de entender o amor não é um qualquer, mas como dom-de-si-mesmo. A amar é dar-se.
”Os rios não bebem a sua própria água; as árvores não comem os seus próprios frutos, o Sol não brilha para si mesmo; e as flores não espalham a sua fragância para si. Viver para os ouros é uma regra da natureza.”
(Papa Francisco)
Será amar a linguagem universal para dialogar com a natureza?
Quando pensava nisto estava convencido disso, mas amar é, também, o fruto da experiência do paradoxo. Pois, é infinitamente pequeno e infitamente grande. Amar é incrivelmente simples e incrivelmente complexo. Aquilo que no mundo é negativo transforma-se em positivo sob o olhar e agir do amor. Amar possui toda a potencialidade de uma linguagem universal, mas ainda estamos a aprender a falar.
Talvez precisemos de crescer um pouco mais na nossa humanidade até estabelecer um diálogo com o mundo natural através da linguagem universal do amor. Sinto que, do mesmo modo que um bebé se expressa e dialoga antes de pronunciar palavras, também nós precisamos de nos expressar com uma linguagem universal mais simples do que o amor e que seja concreta. Mas qual?
Fiz silêncio enquanto pensava e foi no silêncio que me dei conta de qual poderia ser essa linguagem.
O silêncio.
Quando era miúdo gostava de fazer jogos de palavras e inventar frases. Recordo-me bem de uma dessas frases ser – “um sábio quando se cala sabe o que está a dizer.”
O silêncio é a linguagem universal falada por nós que intelectualizamos tudo e mais alguma coisa (mesmo em silêncio), mas também falada pelas árvores. Quando estamos imersos num parque e nos calamos, não dialogamos com a natureza no silêncio?
Silêncio não é a ausência de som, mas de ruído exterior e, sobretudo, interior. O silêncio fala-se através de uma escuta atenta. O que ouves da brisa que te refresca a face é o seu modo de falar com a linguagem do silêncio. O agitar das folhas não é mais do que um diálogo entre a brisa e as árvores com a linguagem do silêncio.
”Vê como a natureza – árvores, flores, erva – cresce no silêncio; vê as estrelas, a lua e o sol – como se movem em silêncio… Nós precisamos do silêncio para sermos capazes de tocar as almas.” (Madre Teresa)
O silêncio é a linguagem universal que se fala no espaço de comunhão que partilhamos com o mundo natural. É através dos diálogos que podemos ter com o mundo natural, usando a linguagem do silêncio, que chegaremos à consciência plena de onde estamos, quem somos e qual o nosso desígnio. Pois, não é o silêncio a linguagem através da qual Deus mais nos fala?