Papa publica carta apostólica «Desenhar novos mapas de esperança», no 60.º aniversário da declaração conciliar «Gravissimum Educationis»

Cidade do Vaticano, 28 out 2025 (Ecclesia) – O Papa publicou hoje um documento dedicado à educação, no qual alerta para um “eficientismo sem alma” e pede renovação das propostas e instituições católicas, perante o advento da inteligência artificial.
“As tecnologias devem servir a pessoa, não substituí-la; devem enriquecer o processo de aprendizagem, não empobrecer as relações e as comunidades. Uma universidade e uma escola católica sem visão correm o risco de cair no eficientismo sem alma, na padronização do conhecimento, que se transforma em empobrecimento espiritual”, escreve Leão XIV, na carta apostólica ‘Desenhar novos mapas de esperança’’, que assinala o 60.º aniversário da declaração ‘Gravissimum Educationis’, do Concílio Vaticano II, sobre a educação.
O novo documento alerta para os riscos de uma cultura educativa centrada apenas na tecnologia e na produtividade, propondo um “humanismo integral” que una conhecimento, ética e fé.
O Papa realça que “nenhum algoritmo poderá substituir o que torna a educação humana: poesia, ironia, amor, arte, imaginação, a alegria da descoberta e até mesmo a educação para o erro como oportunidade de crescimento”.
“O ponto decisivo não é a tecnologia, mas o uso que fazemos dela. A inteligência artificial e os ambientes digitais devem ser orientados para a proteção da dignidade, da justiça e do trabalho; devem ser governados com critérios de ética pública e participação; devem ser acompanhados por uma reflexão teológica e filosófica à altura”, sustenta.
O texto foi assinado esta segunda-feira, na Basílica de São Pedro, antes da Missa de abertura do Jubileu do Mundo Educativo, numa breve cerimónia acompanhada pelo cardeal português D. José Tolentino Mendonça, prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação, da Santa Sé.
Leão XIV propõe uma abordagem pastoral criativa, que passe por “reforçar a formação dos professores também no plano digital”, “valorizar a didática ativa” e “promover a aprendizagem em serviço e a cidadania responsável”, evitando “qualquer tecnofobia”.
A carta pastoral aborda ainda a importância do discernimento sobre “a conceção didática, a avaliação, as plataformas, a proteção de dados e o acesso equitativo”.
A responsabilidade ecológica não se esgota em dados técnicos. Eles são necessários, mas não suficientes. É necessária uma educação que envolva a mente, o coração e as mãos; novos hábitos, estilos comunitários, práticas virtuosas. A paz não é ausência de conflito: é força suave que rejeita a violência. Uma educação para a paz desarmada e desarmante ensina a depor as armas da palavra agressiva e do olhar que julga, para aprender a linguagem da misericórdia e da justiça reconciliada”.
| O Papa soma três novas prioridades para o Pacto Educativo Global, lançado por Francisco em outubro de 2020, somando-as às “sete vias” identificadas pelo seu predecessor.
Essas prioridades passam pela “vida interior”, destacando que os jovens “precisam de espaços de silêncio, discernimento, diálogo com a consciência e com Deus. A segunda diz respeito ao digital, com apelos ao “uso sábio das tecnologias e da IA, colocando a pessoa antes do algoritmo e harmonizando as inteligências técnica, emocional, social, espiritual e ecológica”. A terceira refere-se à “paz desarmada e desarmante”, de que Leão XIV tem falado desde o início do seu pontificado, educando “para linguagens não violentas, reconciliação, pontes e não muros”. |

A carta apostólica reconhece que a hiperdigitalização pode “fragmentar a atenção” e fala numa “crise das relações”, realçando que “é precisamente aqui que a educação católica pode ser um farol: não um refúgio nostálgico, mas um laboratório de discernimento, inovação pedagógica e testemunho profético”.
O Papa relaciona ainda a crise educativa com as desigualdades globais.
“Vivemos num ambiente educativo complexo, fragmentado, digitalizado. Perante os muitos milhões de crianças no mundo que ainda não têm acesso ao ensino primário, como podemos não agir?”, questiona.
“Perante as dramáticas emergências educativas provocadas pelas guerras, pelas migrações, pelas desigualdades e pelas diversas formas de pobreza, como não sentir a urgência de renovar o nosso compromisso?”, acrescenta.
O documento reafirma que “a educação não é uma atividade acessória, mas constitui a própria trama da evangelização: é a forma concreta pela qual o Evangelho se torna gesto educativo, relação, cultura”.
A formação cristã, acrescenta Leão XIV, “abrange toda a pessoa”, nas suas dimensões “espiritual, intelectual, afetiva, social, corporal”, e a educação “não mede o seu valor apenas na escala da eficiência”, mas “na dignidade, na justiça, na capacidade de servir o bem comum”.
Esquecer a nossa humanidade comum gerou fraturas e violência; e quando a terra sofre, os pobres sofrem mais. A educação católica não pode calar: deve unir justiça social e justiça ambiental, promover sobriedade e estilos de vida sustentáveis, formar consciências capazes de escolher não apenas o conveniente, mas o justo. Cada pequeno gesto – evitar desperdícios, escolher com responsabilidade, defender o bem comum – é alfabetização cultural e moral.”
A carta apostólica indica que “a escola católica é um ambiente onde fé, cultura e vida se entrelaçam” e que a família “continua a ser o primeiro local de educação”.
Contra “a subordinação da educação ao mercado de trabalho e à lógica muitas vezes rígida e desumana das finanças”, o Papa pede uma educação aberta à cooperação global e à fraternidade.
Leão XIV deixa um apelo à superação das divisões e à construção de redes educativas, na Igreja Católica, como uma “constelação viva e plural”.
“Onde no passado havia rivalidade, hoje pedimos às instituições que convergirem: a unidade é a nossa força mais profética”, apela o documento.
A declaração ‘Gravissimum Educationis’, promulgada pelo Papa Paulo VI a 28 de outubro de 1965 durante o Concílio Vaticano II, definiu a educação como um direito universal e parte essencial da missão da Igreja.
OC
| A Igreja Católica está a celebrar, desde segunda-feira, o Jubileu do Mundo Educativo, que prossegue até 1 de novembro, reunindo em Roma mais de 20 mil participantes de 124 países, incluindo Portugal.
No sábado, Leão XIV encerra as celebrações jubilares com uma Missa em que vai proclamar o cardeal Newman como doutor da Igreja e copadroeiro da missão educativa, ao lado de São Tomás de Aquino. Citando São João Henrique Newman, o Papa lembra, na carta apostólica, que “a questão da relação entre fé e razão não é um capítulo opcional: a verdade religiosa não é apenas uma parte, mas uma condição do conhecimento geral”. |
Vaticano: Leão XIV sublinha «fome de verdade e de sentido» no mundo contemporâneo
