É preciso repartir o pão e ir ao encontro das pobrezas

Entrevista ao Presidente da Comissão Episcopal das Missões, D. Manuel Neto Quintas, que lança as prioridades missionárias numa sociedade de consumo Agência ECCLESIA (AE): «Repartir o Pão» nesta sociedade de consumo é um tema ambicioso para o Dia Mundial das Missões. D. Manuel Neto Quintas (MNQ) – Se levarmos a sério o sentido dessa expressão – «Pão (Re)partido para a vida do mundo» – não é ambicioso nem utópico. Aliás, esta Mensagem de João Paulo II situa-se no seguimento da mensagem do ano passado: «Eucaristia e Missão». A Expressão para este ano parte, necessariamente, da Eucaristia. Procurando ver na própria vida o reflexo do sentido da Eucaristia. Fazer com que a vida cristã tenha um sentido eucarístico. Aquilo que celebramos na Eucaristia – o amor apaixonado por Cristo – devia conduzir ao anúncio corajoso do Evangelho e à oferta total e plena da própria vida como expressão da celebração eucarística. João Paulo II ao terminar a mensagem deste ano formulou um voto que explica plenamente o sentido dessa expressão: “faço votos para que o Ano da Eucaristia estimule e leve todas as comunidades cristãs a ir ao encontro das muitas pobrezas do nosso mundo.” Este ir ao encontro destas pobrezas será o critério – diz ele – “comprovador da autenticidade das nossas celebrações eucarísticas”. Aquilo que celebramos na Eucaristia devemos vivê-lo na própria vida e deve levar-nos a partilhar a nossa vida (de todos os cristãos mas particularmente dos missionários). Uma afirmação muito forte mas que tem esse itinerário: parte da Eucaristia e passa para a vida. AE – Cada vez mais se nota uma discrepância entre ricos e pobres. Podemos chegar à conclusão que as pessoas ainda não assimilaram esta ideia de «repartir o pão»? MNQ – Não sou tão drástico. Sabemos que os extremos estão a aumentar, os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Infelizmente essa é a realidade mas gostaria de olhar também para gestos de solidariedade e expressões de partilha. Há expressões bonitas onde vemos nelas a presença de Deus. Aquilo que a mensagem nos diz é que devemos fazê-lo por uma razão muito forte: seguindo Cristo no Seu partilhar a vida connosco e com a humanidade. Fazendo disso o sinal mais eloquente do anúncio do Evangelho e da autenticidade do nosso próprio testemunho. O que se pretende com esta mensagem é não desligar a celebração e a fé da vida. E, sobretudo, que a celebração eucarística possa abrir os olhos humanos e discernir essas pobrezas do mundo. AE – Que são muitas… MNQ – São cada vez mais e a todos os níveis. Não é só a falta de alimentos. Quando vemos as estatísticas ficamos perplexos e dizemos: “mas quanta coisa há ainda a fazer neste mundo de hoje”! O Dia Mundial das Missões aponta para as «Missões Ad Gentes» mas no nosso meio ainda falta muito. Estamos a poucos dias do Congresso Internacional da Nova Evangelização (Lisboa de 5 a 13 de Novembro) e esta iniciativa alerta-nos para esta realidade. Também aqui é preciso repartir o pão e ir ao encontro das muitas pobrezas. AE – Esta mensagem é quase um testamento de João Paulo II visto que foi dos últimos documentos escritos por ele. MNQ – Penso que sim. É uma mensagem muito bonita e que exprime o essencial relativamente à missão da igreja na sua ligação com a eucaristia. Ele que foi um missionário por excelência. Não podemos desligar esta mensagem daquilo que foi a sua vida e o seu ministério de pastor. Aliás, ele testemunha-o na encíclica “Redemptoris Missio”: foi sua preocupação desde o primeiro momento, desde o início do seu pontificado, fazer-se peregrino. Aquele que anuncia o Evangelho e vai até aos confins da terra para manifestar a sua solicitude como pastor de toda a Igreja. Irei celebrar este Dia Mundial das Missões em comunhão com Bento XVI mas tendo presente a figura e o ministério do saudoso Papa João Paulo II. AE – Se lhe retirassem as multidões, ele ficava triste. Era um peregrino andante. MNQ – Era assim que nós o víamos. Nos últimos anos da sua vida, quando o corpo já não queria nem podia, a força interior e o ímpeto missionário impressionava-nos a todos. AE – Outubro é o mês missionário por excelência mas já tem a concorrência do mês de Agosto. Neste mês de Verão, muitos voluntários partem para as missões. MNQ – Essa é uma bonita realidade dos nossos dias. AE – Uma concorrência bem vinda? MNQ – É verdade. Apesar de devermos ser missionários todos os meses. Nesses meses de Verão, que coincidem com as férias, muitos aproveitam para fazer essa experiência missionária. Eles não substituem os missionários mas complementam o seu serviço e constituem uma esperança para os dias de hoje. AE – Neste mês de Outubro, os missionários dão o seu testemunho nas várias igrejas locais onde estão inseridos. Um avivar da dimensão missionária da Igreja. MNQ – É um mês destinado a despertar em todos os crentes a dimensão missionária da Igreja e de cada um mas a razão deste Dia Mundial das Missões é para realizar o «Ide por todo o mundo». Isto só é possível avivando as comunidades «Ad Intra» esta dimensão missionária. Não podemos esquecer o «partir» e o «ir» para outras paragens. AE – Para concretizar este despertar há algum projecto missionário nacional? MNQ – Cada diocese, cada congregação e cada entidade missionária tem o seu projecto mas procura-se uma coordenação geral de todos estes projectos no sentido de se apoiarem. Particularmente, no que diz respeito aos voluntários missionários. É muito importante a preparação deles. Eles vão para colaborar com os missionários e o seu testemunho de fé é muito importante. AE – Não faz falta o marketing porque excluindo os meses de Agosto e Outubro pouco se fala das missões. MNQ – É uma limitação nossa. A dimensão missionária da Igreja é fundamental e essencial. É como o Ano da Eucaristia, ele não pode acabar com o encerramento. AE – É necessária uma maior eficácia operativa? MNQ – Realizamos bastantes iniciativas. Podiam ser mais mas nós também confiamos na acção do Espírito. É Ele quem conduz e dinamiza a nossa vida. AE – Agora enviamos missionários para o continente africano mas não tarda muito que este continente ajude a Europa no plano vocacional? MNQ – Penso que sim. A igreja africana tem muito a dar à Europa. Nós, infelizmente, crescemos a olhar para as Igrejas jovens apenas como igrejas que recebem. Procuramos ir ao encontro das várias formas de pobreza no sentido de que os povos evangelizados, a quem se anuncia o Evangelho, possam também ter melhores condições de vida. Está a chegar o tempo destas igrejas jovens rejuvenescerem, com a sua presença e ajuda, as igrejas mães. Temos de estar abertos a esta inter-ajuda e a esta comunhão. Isto é expressão da Igreja que somos. Não somos apenas uma Igreja que envia mas uma Igreja que recebe também.

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