Doutrina Social para hoje

O texto que aqui se apresenta foi uma das reflexões das Oficinas de Verão da Cáritas: seis grandes questões permitem ter uma visão da Doutrina Social hoje. De um lado estavam as problemáticas actuais, no campo económico-social, do outro as três encíclicas sociais de João Paulo II: A Laborem Exercens (de 1981), a Sollicitudo Rei Socialis (de 1987) e a Centesimus Annus (de 1991). A primeira das questões abordadas foi o Trabalho. Essa questão tem sido um dos motores da DSI. Aliás, a primeira encíclica social, a Rerum Novarum, focou precisamente a “questão operária”. A reflexão sobre este assunto partiu de uma frase de William Bridges: “Costumávamos dizer que pelo anos 200 toda a gente trabalharia apenas 30 horas por semana e o resto seria lazer. Mas, quanto mais o anos 2000 se aproximava, mais nos apercebíamos de que, afinal, metade trabalharia 60 horas por semana e outra metade estaria desempregada”. E de notícias que falam de despedimentos e precariedade no trabalho (Lear, Bawo, Benetton, Yasaki…). Por outro lado, constatou-se que terminou a vida separada em três fases: aprendizagem, profissão, reforma. Anda tudo misturado. O objectivo foi evitar duas ou três tendências nestes contextos: a lamentação inconsequente; a diabolização da economia, das empresas e da globalização (com as deslocalizações). Exige-se uma compreensão mais profunda dos fenómenos. E o melhor modo de os enfrentar é a montante, na formação das próprias pessoas, que periodicamente precisam de adquirir novos conhecimentos, ainda que os “dadores de trabalho indirecto” (expressão de João Paulo II, na LE) tenham uma parte a cumprir. Com o título “Trabalho: colaboração com Deus… em part-time” pretendeu-se sublinhar o sentido teológico do trabalho e as circunstâncias actuais. O segundo tema centrou-se nos Direitos Humanos. Deu-se uma perspectiva histórica, do código de Hamurabi à Declaração Universal de 1948, para sublinhar que se houve um tempo de oposição papal aos DH, hoje (desde a Pacem in Terris de João XXII) não é possível esse divórcio. “A inspiração cristã dos DH foi assumida plenamente nos ensino social da Igreja com consequências práticas que contribuíram para modificar a paisagem política deste fim de século” (José Leitão em 2000). Referiram-se ao vários “mea culpa” de João Paulo II e deram-se a conhecer (além dos últimos textos de DSI falam dos DH), em trabalhos de grupo, organismos que trabalham na área, com a Amnistia Internacional, a Ajuda à Igreja que Sofre, a Comissão Justiça e Paz… O terceiro tema centrou-se na “questão ecológica”. A abordagem foi feita com três intenções: 1) perceber que a questão tem a ver com cada um (estilo de vida, consumos, uso do automóvel…) em vez de deslocalizar para outrem (indústrias, EUA…). Para isso usou-se a dinâmica da “Pegada Ecológica”. E 2) levar a ler a questão em perspectiva cristã, procurando as raízes ambientais do cristianismo, entendendo o cuidado da Terra como obrigação moral (poluir é mal; pode ser um mal necessário, e pode ser pecado), e aceitando as consequências da Criação: foi-nos dada a Terra como administradores (e não donos). Temos de devolvê-la a Deus. Por outras palavras: Não devemos pensar que herdamos a terra dos nossos avós. Foi-nos emprestada pelos nossos filhos e netos (em CA 37 o Papa fala “direitos das gerações futuras”). 3) levar a acções consequentes, a nível individual, familiar, empresarial (ou na escola ou noutra estrutura) e a nível social. Uma sugestão: Pensar na certificação ambiental (informal, obviamente) dos serviços que cada um desempenha. O quarto tema, sobre cultura e técnica, pretendeu de alguma forma mostrar que a cultura (investigação) se aplica na técnica e a técnica muda a nossa cultura – a forma de trabalhar, comunicar, entender o mundo e mesmo amar. Pretendeu mostrar um mundo de promessas (a comunicabilidade total) e pesadelos (o isolamento), esperanças (tecnologias limpas e baratas) e vícios (dependências de substâncias e comportamentos), ameaças e vantagens (da internet aos telemóveis, dos transgénicos à vida humana prolongada até idades centenárias). Perante o avanço tecnológico há tendência para se ser apocalíptico (“mas o que vai ser de nós”?) ou integrado (“calma, vamos lá analisar o que está em causa”). Os documentos papais realçam que apesar do avanço técnico, a grande questão continua a residir no seu humano (LE 5). Mas a nova riqueza está no conhecimento e na técnica (CA 32), apesar de disfuncionalidades como o consumismo e a droga (CA 36). João Paulo II, a navegar na Internet, a usar os media, era claramente um integrado. A abordagem da globalização procurou uma leitura positiva e anti-preconceituosa. É fácil dizer mal da globalização. Mas inútil. Necessário é compreendê-la. Esse foi a perspectiva do orientador, que defendeu que a globalização económica é uma oportunidade para as nações mais pobres, desde que as regras não sejam subvertidas. Nesse aspecto, as nações mais ricas têm de ser acusadas de incoerentes porque defendem a globalização (com liberalização de mercados), mas não abrem os seus mercados de produtos agrícolas (porque altamente subsidiados) às nações mais pobres e que mais dependem da agricultura. Neste contexto, é hipocrisia defender ajudas monetárias ao Terceiro Mundo, quando o que eles de facto precisam (o acesso livre aos mercados) e que não é ajuda, mas direito, não lhes é concedido. De resto, foi defendida uma perspectiva de esperança, de que a globalização económica traga também a da solidariedade (como de certa forma já se experimentou com o Tsunami), a dos Direitos Humanos, da democracia, do bem-estar. Na reflexão. utilizaram-se textos papais que, sem referirem a globalização, falam de interdependência crescente, comunidade internacional, aceleração contínua, solidariedade universal. O último tema foi dedicado ao Desenvolvimento dos Povos, que – considerou o orientador – a par com a questão do trabalho são as duas colunas da DSI. Viveu-se por esses dias a Cimeira do G8, na Escócia, dedicada às questão do Clima (aquecimento global) e da Pobreza, e o atentado de Londres, pelo que se falou do desenvolvimento com os olhos nesses acontecimentos. A questão do desenvolvimento total (como dizem os papas, “da pessoa toda e de todas as pessoas”), sustentado e sustentável, não apenas económico (mas a começar por essa dimensão), é, de longe, a questão mais importante em termos sociais. Enquanto uns poucos (os ocidentais) se questionam sobre o sentido da existência, a grande maioria da humanidade pergunta: o que vou comer logo? Porque não sabe o tem para comer. A resolução deste problema passa pelos governantes, mas também pelas acções individuais de voluntariado (cada vez mais é incentivado o voluntariado dos jovens em países pobres – e porque não o dos reformados ou desempregados?), pelas opções de consumo, pela promoção do comércio justo e do microcrédito (iniciativas analisadas). Neste contexto, e porque em 2007 completam-se 40 anos da Populorum Progressio (a encíclica de Paulo VI dedicada à questão desenvolvimento dos povos) e 20 sobre a Sollicitudo Rei Socialis, levantou-se a hipótese de Bento XVI preparar uma encíclica de DSI para esse ano e sobre o tema Desenvolvimento/Globalização. Autor: António Jorge P. Ferreira

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