Dorsal Atlântica – Os cem dias de Dom Armando Esteves Domingues

Padre Júlio Rocha, Diocese de Angra

“Como não conheço a Diocese, o primeiro desafio será conhecer-vos e dar-me a conhecer. Não se caminha com quem não se conhece”. Estas palavras fazem parte da primeira mensagem de Dom Armando Esteves Domingues quando, a quatro de novembro de 2022, o mundo soube que ele seria o quadragésimo Bispo de Angra. Hoje, pouco mais de cem dias depois da sua entrada na Diocese, ainda recordo as suas palavras, aquando da entrada na Diocese: “a minha porta, a comunicação e o coração estarão sempre abertos para todos.” Muitos o conhecem como “o Bispo da porta aberta”. Esta atitude de fundo tem marcado os seus primeiros meses de episcopado, nesta que é, de longe, a maior Diocese de Portugal: são seiscentos e cinquenta quilómetros de Santa Maria ao Corvo, nove ilhas com as dimensões mais díspares, umas populosas, outras quase desertas, esta cordilheira de vulcões que atravessa, na diagonal, o dorso do Atlântico.

Em 2013, o Papa Francisco pedia que se evitassem “o escândalo de serem bispos de aeroporto”, numa clara referência aos prelados que viajam muito e abandonam seu rebanho. Lembro-me de, nessa altura, Dom António Braga, em tom de brincadeira, nos dizer que ia convidar o Papa a vir aos Açores e ver como é que se conseguia estar com o rebanho sem ser “bispo de aeroporto”. Dom Armando já conhece sete ilhas, num périplo marcado pelo estar, escutar, conhecer.

Numa conversa informal, logo no início do seu ministério em Angra, tive a oportunidade de desejar a Dom Armando que o início do seu episcopado não fosse tão dramático como o de Dom António Braga, que entrou em 1996. Logo nesse ano foram as inundações na Povoação; em 1997, a tragédia do desabamento de terras na Ribeira Quente, que matou 29 pessoas; em 1998, o sismo no Faial; em 1999, a queda do avião da Sata em São Jorge; em 2000 a quase falência económica da Diocese. Dom Armando arregalou os olhos num sorriso meio sério e disse esperar não ter uma sequência dessas. Meio dito, meio feito: um mês depois da sua entrada em Angra, a Comissão Independente divulgava o resultado das investigações e deixava Portugal espantado com a real dimensão da hecatombe dos abusos de menores e pessoas vulneráveis no seio da Igreja. Logo no início, um drama que se revelaria tão pesado como todos os dramas consecutivos de Dom António.

Havia que agir. A quatro de Março, a Conferência Episcopal pronunciou-se e não foi feliz. Ficaram muitos esqueletos no armário, revelaram-se algumas divisões internas, medos, reticências, tudo isso que já sabemos. Três dias depois de ter recebido as conclusões da Comissão Independente referentes a Angra, Dom Armando já tinha um comunicado na rua: dos oito nomes referidos pela Comissão, quatro já tinham falecido, dois foram considerados irrelevantes pela própria Comissão. Dom Armando falou com os outros dois sacerdotes e, em conjunto, acordaram que os sacerdotes em causa ficariam impedidos do exercício público do ministério até ao final do processo de investigação prévia. O Bispo de Angra concluía: «Esta decisão não é uma assunção de culpa dos próprios nem uma condenação por parte do Bispo diocesano. Trata-se de seguir aquilo que o Papa Francisco tem recomendado como norma e prática da Igreja em matéria de abusos.» No comunicado ainda se pode ler: «A prioridade da Igreja deve continuar a ser as vítimas, que durante anos sofreram em silêncio aquilo que nenhum de nós poderia ter feito ou sequer ocultado, garantindo-lhes o direito à justiça e ao cuidado, sem enjeitar meios técnicos, humanos e financeiros para a reparação do mal infligido.» Exemplar.

Dom Armando falou-nos de três prioridades no início do seu múnus pastoral. Duas têm a lógica do tempo e da oportunidade: o Sínodo Universal da Igreja e os jovens que se preparam para a Jornada Mundial da Juventude. A outra prioridade até pode parecer um vago propósito mas é bem mais do que isso: acolher e valorizar as pessoas. E, sendo adverso ao clericalismo, como já o referiu várias vezes, a sua primeira preocupação foram os seus padres. A comunhão presbiteral é, nos Açores, um desafio permanente. Com uma ilha que tem mais de cinquenta padres, outra mais de trinta, várias com três, dois, e uma com um, a dispersão e a distância são um peso pesado que cai sobre a vida dos padres das ilhas. Um fardo que, não raras vezes, comporta solidão, desilusão, abandono. Dom Armando já afirmou várias vezes que quer os “seus” padres felizes e tudo fará por isso.

Dom Armando enfrenta desafios exigentes no seu novo ministério: a dolorosa disparidade das ilhas, que já referimos; uma Diocese que, em termos de prática religiosa, apresenta, há anos a esta parte, um franco decréscimo; o drama da solidão de alguns padres, entre outros problemas; a estruturação de uma Igreja que precisa renovação. Mas Dom Amando tem um espírito que se espelha no seu rosto: alegre, positivo, empenhado, como confirmou na homilia do domingo de Páscoa: “Como as santas mulheres, pés ao caminho! Como os apóstolos, toca a correr! O mundo precisa da alegria em cada lugar de escuridão, de uma palavra nova, positiva, animadora e cheia do espírito que conforta.”

Havia ainda muitas coisas para dizer. Baste-nos a esperança.

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Agência ECCLESIA

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