Relatório da AIS alerta para crescimento do jihadismo em África e cenários de genocídio na Ásia
Lisboa, 20 abr 2021 (Ecclesia) – O Relatório da Liberdade Religiosa no Mundo 2021, apresentado hoje pela Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), denuncia um aumento das violações à liberdade de culto e de consciência desde a sua última pesquisa, em 2018.
“A liberdade religiosa é violada em quase um terço dos países do mundo (31,6%) onde vivem dois terços da população mundial”, refere o documento, enviado à Agência ECCLESIA.
O relatório, na sua 15ª edição, sublinha que 62 dos 196 países analisados enfrentam “violações muito graves da liberdade religiosa”.
O número de pessoas que vivem nestes países está acima dos 5 mil milhões, dado que “os piores infratores incluem alguns dos países mais populosos do mundo” (China, Índia, Paquistão, Bangladeche e Nigéria).
“Os ataques sistemáticos e flagrantes vêm de governos, seja da China ou da Coreia do Norte, e de grupos terroristas internacionais como o Boko Haram ou o Daesh e outros grupos fundamentalistas”, pode ler-se.
Segundo a fundação pontifícia, a discriminação e a perseguição com base em crenças religiosas é “um fenómeno global crescente”.
“Entre os conflitos violentos, na Síria, Iémen, Nigéria, República Centro-Africana, Moçambique, para mencionar apenas alguns, estão aqueles que, manipulando as mais profundas convicções da humanidade, instrumentalizaram a religião na busca do poder”, assinala a AIS.
O documento alerta, em particular, para um aumento do jihadismo em África e apresenta “Moçambique como exemplo, falando num “ciclo descontrolado de violência”.
O grupo jihadista Ansar al-Sunnah Wa Jama (ASW), alinhado com o Daesh, lançou uma insurreição na província maioritariamente muçulmana de Cabo Delgado, assumindo o controlo do porto de Mocímboa da Praia, uma infraestrutura prioritária para o processamento das enormes reservas de gás natural descobertas ao largo da costa norte de Moçambique”.
A AIS observa que, nos últimos dois anos, os grupos jihadistas consolidaram a sua presença na África Subsariana, região que se tornou “um paraíso para mais de duas dezenas de grupos ativos e cada vez mais cooperantes em 14 países, incluindo filiados do Daesh e da Al-Qaeda”.
O relatório indica que, enquanto a liberdade religiosa em África sofre de violência intercomunitária e jihadista, na Ásia a perseguição de grupos religiosos provém principalmente de ditaduras marxistas.
“Na China e na Coreia do Norte, que são os piores infratores na categoria vermelha, a liberdade religiosa é inexistente, tal como a maioria dos direitos humanos”, sustenta a fundação pontifícia.
A investigação da AIS observa também o impacto de movimentos de nacionalismo étnico-religioso na Ásia.
O mapa da liberdade religiosa no mundo apresenta 26 países a vermelho, o que indica “perseguição” contra os crentes, num população total de 3,9 mil milhões de pessoas; esta classificação inclui 12 países africanos e 2 países onde estão em curso investigações sobre um possível genocídio, a China e Myanmar (Birmânia).
“30,4 milhões de muçulmanos na China e em Mianmar (incluindo uigures e rohingyas) enfrentam uma perseguição severa e a comunidade internacional só agora começou a aplicar o direito internacional para a impedir”, indica a AIS.
Afeganistão, Bangladesh, Burquina Faso, Camarões, Chade, China, Comores, República Democrática do Congo, Eritreia, Índia, Irão, Coreia do Norte, Líbia, Malásia, Maldivas, Mali, Moçambique, Myanmar, Níger, Nigéria, Paquistão, Arábia Saudita, Somália, Sri Lanca, Turquemenistão, Iémen. |
Já o laranja, que indica “discriminação”, inclui 36 países, onde vivem 1,24 mil milhões de pessoas.
Argélia, Azerbaijão, Barém, Brunei, Cuba, Djibuti, Egipto, Etiópia, Indonésia, Iraque, Jordânia, Cazaquistão, Koweit, Quirguistão, Laos, Madagáscar, Mauritânia, Maurícias, Marrocos, Nepal, Nicarágua, Omã, Palestina, Catar, Singapura, Sudão, Síria, Tajiquistão, Tanzânia, Tailândia, Tunísia, Turquia, Emirados Árabes Unidos, Uzbequistão, Venezuela, Vietname. |
O relatório apresenta 10 pontos de conclusões, começando pelo risco de “califados” transcontinentais e a expansão global do “cibercalifado”, para recrutamento e radicalização online no Ocidente.
A AIS denuncia que várias minorias religiosas foram “culpadas pela pandemia” em países como a China, o Níger, a Turquia, o Egipto e o Paquistão, com aumento da sua discriminação.
A fundação indica que governos autoritários e grupos fundamentalistas têm intensificado a perseguição religiosa e informa que, num número crescente de países, “foram registados crimes contra raparigas e mulheres raptadas, violadas e obrigadas a mudar a sua fé através de conversões forçadas”.
Outra preocupação, registada a partir da situação na China, liga-se ao uso de tecnologias de “vigilância repressiva” contra os grupos religiosos.
A AIS questiona o mundo ocidental por ter “menosprezado as ferramentas que reduzem a radicalização” e por eliminar educação religiosa, que poderiam aumentar a “compreensão inter-religiosa entre os jovens”.
O documento fala ainda numa “perseguição educada”, citando o Papa Francisco para rejeitar que as religiões possam ser remetidas “para a obscuridade silenciosa da consciência do indivíduo”.
A fundação deixa uma nota positiva, relativa à assinatura, em 2019, da declaração sobre “Fraternidade Humana pela Paz Mundial e a Vida em Comum”, que uniu o Papa Francisco e o Grande imã Ahamad Al-Tayyeb de Al-Azhar, o líder do mundo muçulmano sunita.
O Relatório da Liberdade Religiosa no Mundo 2021 dedica várias observações ao impacto da pandemia da Covid-19, que teve “profundas implicações para os direitos humanos, incluindo a liberdade religiosa”.
“Os Estados têm utilizado a insegurança para aumentar o controlo sobre os seus cidadãos, e os participantes não estatais têm aproveitado a confusão para recrutar, expandir e provocar crises humanitárias mais vastas”, alerta a AIS.
A Fundação AIS (Ajuda à Igreja que Sofre) é uma instituição internacional que apoia mais de 5000 projetos pastorais em mais de 145 países por ano.
OC
A classificação “sob observação” inclui países onde foram observados novos fatores de preocupação emergentes com o potencial de causar uma deterioração fundamental na liberdade religiosa: República Centro-Africana, Gâmbia, Guiné Conacri, Costa do Marfim, Quénia, Libéria, Ruanda, África do Sul, Sudão do Sul, Togo, Uganda, Chile, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Butão, Camboja, Filipinas, Israel, Líbano, Bielorrússia, Rússia, Ucrânia. |