Direitos Humanos: Princípios da convivência pacífica e dignidade da pessoa têm génese portuguesa em autores do século XVI – Pedro Calafate (c/vídeo)

Equipa de investigadores indica «autores católicos, jesuítas e dominicanos, profundamente humanistas» cujos princípios são «muito atuais»

Lisboa, 10 dez 2020 (Ecclesia) – Uma equipa de investigadores da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e da Universidade Católica Portuguesa, em Braga, “resgataram”, em professores do século XVI, um conjunto de princípios que estão na génese dos atuais “direitos humanos”.

“Estamos a falar de autores católicos, jesuítas, no caso português, e dominicanos no caso de espanhóis, que reconheciam a dignidade e afirmavam que o império não se pode construir matando e roubando; tem de se construir na base do respeito pelas disposições naturais, que regem as relações entre os homens e determinam a dignidade da pessoa humana, viva ela onde estiver”, explica à Agência ECCLESIA o professor Pedro Calalafate, professor catedrático de Filosofia que integra a equipa de investigadores.

Celebra-se hoje o Dia Internacional dos Direitos Humanos, data escolhida para lembrar o dia em que a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou, a 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, assinada por 58 Estados, com propósito de promover a paz e a humanidade depois da II Guerra Mundial.

Os autores, agora resgatados pela equipa de investigação, seguiam a chamada “Escola de Salamanca” que preconizavam o principio da “razão da humanidade”, em detrimento da razão do Estado; o princípio da “solidariedade”, em detrimento do principio da soberania; e afirmavam o princípio da consciência acima do princípio da vontade.

O investigador encontra nesta suma a “ideia de ordem internacional e personalidade jurídica internacional”, tal como hoje a conhecemos.

“O primado da razão da humanidade sob a razão do Estado indica que há uma autoridade universal que se deve sobrepor ao interesse particular dos Estados, ou seja, se uma guerra for útil ao interesse particular de um Estado, mas prejudicial ao conjunto da humanidade, essa guerra é injusta. Há aqui a ideia do interesse da humanidade, o interesse do bem comum universal”, sublinha.

A primazia da solidariedade, na altura, vem abrir caminho, atualiza o investigador, à ideia de “crimes contra a humanidade”.

“A ofensa ao género humano tem consequências. Os direitos das pessoas não estão circunscritos na sua relação com o príncipe ou na disposição de outros. Esses direitos estão sob a alçada de um direito superior, o direitos das gentes, uma decorrência do direito natural”, sustenta.

Sobre a primazia da consciência, Pedro Calafate indica a origem do que hoje se reconhece como “o direito de resistência, consagrado na Constituição, de desobediência civil, a objeção de consciência”.

Os homens que preconizavam que “o género humano é uno, os homens foram criados, naturalmente livres e iguais”, indicavam que os direitos não “paravam nas fronteiras da Europa”, mas eram parte “natural do homem”, independentemente de onde ele vivesse.

A ação destes homens seguia também o princípio da liberdade e enunciavam a evangelização não como uma atitude prosélita e preconizavam a convivência pacifica entre os povos.

Pedro Calafate indica, na investigação destes autores, a génese de que a política “é serviço e serve para servir”, tal como o Papa Francisco o sugere na atualidade.

“A política não tem apenas a ver com a razão de Estado, que se rege por normas que visam a conquista e a manutenção do poder, e o interesse particular do Estado, mas tem de haver um obrigação de cada Estado para o conjunto da humanidade”, sublinha o docente.

Os autores do século XVI “são pioneiros na formulação da ideia de uma autoridade que zela pelo bem comum da humanidade, uma autoridade formulada em princípios, que formam um corpo do direito, dos povos e das gentes, das nações, que não é independente do direito das pessoas”.

“Se quisermos falar da atualidade destes autores, este é profundamente atual. Sobretudo no final da década 60 do século XX, a convenção do Tratado de Viena sobre os direitos que introduz normas imperativas que impõe obrigações de cada homem para todos, que superam a regra da reciprocidade. Há obrigações de cada um para com todos, para com o conjunto da humanidade. Este principio é regulador da ordem internacional”, afirma.

Pedro Calafate fala num “escola justa de paz” que os autores investigados preconizavam, “em princípios de convivência que respeitassem direitos, dignidades e que permitam viver em paz”.

A equipa de investigadores organiza atualmente um quarto volume dedicado ao diálogo inter-religioso.

LS

 

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Agência ECCLESIA

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