Relatório da Fundação AIS identifica agravamento da situação, entre janeiro de 2021 e dezembro de 2022
Lisboa, 22 jun 2023 (Ecclesia) – A fundação pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) divulgou hoje o seu Relatório 2023, sobre a liberdade religiosa no mundo, alertando para o agravamento das violações a este direito, particularmente no continente africano, onde regista “números alarmantes”.
“A perseguição intensa tornou-se mais aguda e concentrada, e a impunidade aumentou. Esta perseguição incluiu violações extremas do artigo 18.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem das Nações Unidas, o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião”, alerta o organismo católico.
O Relatório 2023 enviado à Agência ECCLESIA mostra que a liberdade religiosa foi violada em países onde vivem mais de 4,9 mil milhões de pessoas; em 61 dos 196 países sob análise, os cidadãos enfrentaram graves violações.
A pior classificação, a categoria “vermelha”, inclui 28 países, dos quais 13 em África, onde a situação “se deteriorou fortemente”.
“Uma das regiões do globo onde a perseguição por motivos religiosos se acentuou mais foi em África. Este continua a ser o continente mais violento, com um aumento dos ataques jihadistas, o que torna a situação da liberdade religiosa ainda mais alarmante”, adverte o documento.
A AIS alerta para a tentativa de estabelecer “um regime islâmico separatista” em Cabo Delgado, Moçambique, num quadro global de ascensão de “califados oportunistas”.
Durante o período em análise, entre janeiro de 2021 e dezembro de 2022, “as redes jihadistas transnacionais em África mudaram cada vez mais de tática”, indica a fundação pontifícia.
“As estratégias tradicionais de matar e pilhar deram lugar a uma tendência para impor impostos e comércio ilegais, dando origem a um Estado dentro do Estado”, acrescenta o relatório.
No que diz respeito à sub-região da África Austral, os ataques de insurreição aumentaram em Moçambique por parte de um grupo jihadista filiado no Daesh chamado Ahlu Sunnah wa Jama’a (ASWJ) – conhecido localmente como Al-Shabaab (sem relação com o Al-Shabaab, filiado da Al-Qaeda na Somália) e internacionalmente como IS-Moz. De acordo com um relatório do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, o IS-Moz conta com “pelo menos 1000 militantes” que tentam capturar Cabo Delgado para estabelecer “um regime islâmico separatista”.
Os incidentes violentos registados em 2022 – assassinatos, raptos, pilhagens e destruição de propriedade – aumentaram 29%. Estes ataques foram significativos, uma vez que a violência foi principalmente dirigida contra civis (cristãos e muçulmanos), representando 66% de todos os eventos violentos, mais do que em qualquer outra região do continente. Até à data, mais de um milhão de pessoas estão deslocadas internamente. |
A AIS alerta para um aumento das violações de todos os direitos humanos, incluindo a liberdade religiosa, a nível mundial, que tem entre as suas causas a “manutenção e a consolidação do poder nas mãos de autocratas e de líderes de grupos fundamentalistas”.
“Uma combinação de ataques terroristas, destruição de património e símbolos religiosos (Turquia, Síria), manipulação do sistema eleitoral (Nigéria, Iraque), vigilância em massa (China), proliferação de leis anticonversão e restrições financeiras (Sudeste Asiático e Médio Oriente) aumentou a opressão de todas as comunidades religiosas”, pode ler-se.
O relatório, publicado a cada dois anos, indica que há cada vez mais comunidades religiosas maioritárias que são objeto de perseguição, uma alteração na tendência do passado.
A fundação pontifícia critica, ainda, a “reação cada vez mais silenciosa da comunidade internacional às atrocidades cometidas por regimes autocráticos”.
“Os raptos, a violência sexual, incluindo a escravatura sexual e a conversão religiosa forçada, continuaram a verificar-se e permaneceram em grande parte impunes”, refere ainda o documento.
Quanto ao mundo ocidental, a AIS observa que “o aumento do controlo, incluindo a vigilância em massa, teve impacto nos grupos religiosos” e aponta o dedo ao que chama de “cultura do cancelamento”, incluindo a “linguagem forçada”.
O documento aborda também relatos de agressões contra a comunidade judaica e o aumento da perseguição dos muçulmanos, “nomeadamente por outros muçulmanos”.
A Fundação AIS é uma instituição internacional que apoia mais de 5 mil projetos pastorais em mais de 145 países, por ano, e tem secretariados em 24 países, incluindo Portugal.
O Relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre vai ser apresentado às 19h00, no Parlamento português, em Lisboa, numa sessão que vai ser encerrada por Augusto Santos Silva, presidente da Assembleia da República.
OC
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