Digital: um sinal implacável do nosso tempo

Cónego António Rego, diretor do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais

Pode parecer obsessão ou febre tecnológica  a proposta de reflexão dentro da Igreja, nomeadamente  nos responsáveis de comunicação, sobre o digital. Como se se tratasse apenas duma mudança de velocidade no carro dos media onde podemos ficar  para trás. Podemos também não saber exatamente onde ficar, onde nos situarmos e aonde queremos chegar. E para quê.

É nos anos 90 do século XX que a Internet  se torna uma ferramenta  vulgarizada, acessível, progressivamente indispensável em qualquer quadrante de trabalho.Com a informática em crescendo incontrolável, a entrada na rede torna-se subitamente um novo fenómeno da sociedade contemporânea. Muitos, como sempre acontece com a novidade, pensavam tratar-se de uma crise passageira, mas muitos outros perceberam que mais que uma novidade tecnológica estávamos perante uma nova mudança social que desenfreadamente se introduziria em todos os recantos por onde passam os dinamismos do nosso tempo. E, facto curioso, quem entrou no comboio, a tempo, seguiu viagem, aprendeu e compreendeu serena e ativamente a evolução. Quem o perdeu, perdeu uma época, um sinal, uma cultura, uma oportunidade irrepetível de aceder ativamente a um instrumento fundamental da vida contemporânea. Foi de facto uma oportunidade irrecuperável pois a aprendizagem a partir de certa altura tornou-se impossível.

É exatamente em 1990 que João Paulo II avança com uma reflexão sobre a informática.”Na nova cultura do computador a Igreja pode informar mais rapidamente o mundo sobre o seu “credo” e explicar as razões de sua posição sobre cada problema ou acontecimento. Pode escutar mais claramente a voz da opinião pública, e entrar num debate contínuo com o mundo que a cerca, empenhando-se assim, mais ativamente na busca comum de soluções dos muitos e urgentes problemas da humanidade.”(Mensagem de 27 de maio de 1990).

Em 1991 a Redemptoris Missio totna-se -se num dos documentos mais radicais e exigentes na proposta dos media como instrumento de evangelização: “O primeiro areópago dos tempos modernos é o mundo das comunicações, que está a unificar a humanidade, transformando-a — como se costuma dizer — na « aldeia global »…É um problema complexo, pois esta cultura nasce, menos dos conteúdos do que do próprio facto de existirem novos modos de comunicar com novas linguagens, novas técnicas, novas atitudes psicológicas(nº27)

O campo da comunicação moderna confirma plenamente este juízo. E não esqueceremos a sequência de reflexões pastorais dos organismos da Santa Sé, (Aetatis Novae,1992), encontros a nível mundial, congressos, propostas de trabalho, unificação de dinamismos dos setores do Vaticano para uma maior eficácia mediática (Secretaria de Estado, Sala de Imprensa, Conselho Pontifício, etc.),criação da “intermirifica.net” etc. João Paulo II não mais abandona o tema nas suas mensagens para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, nas muitas intervenções ligadas à rede e no apelo veemente a uma participação nestes novos meios como instrumentos  pastorais. (Igreja e Internet e Ética na Internet etc).

Os tempos não param, a evolução tecnológica torna-se galopante e invade todos os segmentos da vida. O digital atinge amigos e inimigos, os que aceitam e os que os rejeitam, deixa impiedosamente para trás quem se lamuria ou se prende em considerandos nostálgicos. Crianças, jovens, adultos e velhos, eufóricos, viciados ou descontentes, ninguém escapa a esta avalanche na condição que escolhe – e tem de escolher uma – criador, utilizador ou apenas espectador desconfiado desta onda que já não permite que se explique o nosso tempo fora do seu contexto, ou escape à rede que constitui a trama da cultura do século XXI. Surpreendentemente para alguns, o Papa Ratzinger, o grande homem do livro, presta uma particular atenção a este sinal implacável. E não perde uma única oportunidade de trazer à reflexão de pensadores, pastores e de todo o povo cristão as potencialidades imensas do universo digital, media convencionais, redes sociais, transformações múltiplas e imparáveis no pensamento, na educação, na expressão do homem de hoje. Fala abertamente duma revolução à maneira da revolução industrial que caracterizou o século XIX. Lembremos as mensagens dos últimos três anos, as referências continuadas nos seus discursos, homilias, exortações e gestos concretos de uso das novas tecnologias para difundir a Boa Nova. As grandes apostas do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais têm levado reflexões e pistas de trabalho a partir de Roma e um pouco pelos cinco continentes para que ninguém fique de fora deste novo areópago de evangelização: uma conceção alargada dos media que não abdica da imprensa, cinema, rádio e televisão mas os vê cada vez mais interligados por essa magia chamada digital que com um toque ligeiro atravessa o planeta em informação, divertimento, cultura e fé. E aí envolve a comunidade humana e cristã.

Entre nós, a Igreja procurado seguir esta pista, quer nas transformações antropológicas provocadas pelo digital, quer no seu aproveitamento como instrumento de evangelização. Sabemos que não são os documentos – há tantos, porventura em excesso – que envolvem os cristãos ou as pessoas de boa vontade nas causas da Igreja. Mas sabemos que sem reflexão  aprofundada  e oportuna perdemo-nos na velocidade ciclónica com que as transformações acontecem. Os sinais dos tempos não são estáticos. Possuem um dinamismo que não podemos deixar passar ao lado. Com o risco de podermos ficar na contemplação magoada de mais um museu de peças mortas. Desta vez digital.

António Rego, diretor do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top