A área do empreendedorismo e do desenvolvimento de competências está a merecer a investigação de Jacinto Jardim. Professor universitário, escreveu o livro «10 competências rumo à felicidade». Ele é o ponto de partida para a entrevista à Agência ECCLESIA.
Agência Ecclesia – O que é a felicidade?
Jacinto Jardim – O conceito de felicidade relaciona-se com a busca permanente de qualquer pessoa. É sobretudo uma busca não é um ponto de chegada. É um processo para um estado de satisfação com a vida.
AE – A procura da felicidade pode acontecer num ambiente de ruído, de todos os dias?
JJ – Sobretudo no frenesim, na corrida. Em causa está a ânsia de encontrar a felicidade.
AE – É por isso que nós corremos?
JJ – Já o Aristóteles dizia que corremos à procura da felicidade. Se o fizermos numa atitude de frenesim, num dinamismo sem serenidade não é possível haver felicidade, porque ela encontra-se na serenidade. Mesmo correndo podemos estar serenos. Essa é a essência da felicidade: colocar-se numa atitude de busca serena, sem ansiedade.
AE – Mas sempre nas nossas ações quotidianas, no que somos chamados a ser e a fazer?
JJ – No quotidiano, no lugar que ocupamos na sociedade. Somos chamados a ser felizes nas situações concretas, nas circunstâncias existenciais.
AE – Nessas circunstâncias parece impossível ser feliz, conseguir a felicidade…
JJ – É impossível o estado definitivo, mas fazer experiências de felicidade está ao alcance de todos. Isso relaciona-se com a emoção que temos e vivenciamos. Se nos concentramos em emoções negativas como a tristeza, a raiva, o desespero, a frustração, o desapontamento com a vida, fazemos experiências de infelicidade.
Se injetarmos emoções positivas no quotidiano como o amor, a alegria, a felicidade, a disponibilidade para os outros, a gratidão, a curiosidade, a confiança em nós e nos outros, a energia, a vitalidade no que fazemos, então é possível viver a felicidade.
AE – E como fazer diante do erro?
JJ – O desafio é ter consciência do que se vive e do que se quer da própria vida. Se a pessoa quer ser fiel a si mesma tem de perceber como construir a sua felicidade. Este caminho nunca está feito. É preciso ser determinado no propósito global da vida e flexível nos caminhos que levam à concretização desse projeto. Os caminhos fazem-se percorrendo com os olhos postos no principal, na essência.
Penso que nos falta o reencontro com a nossa essência, com o que é fundamental nas nossas raízes como pessoas. O conceito de felicidade é essencial para cada ser humano.
Há um conjunto de valores que são essenciais. A vida, amor, família, o trabalho, a aprendizagem, a formação. Há um conjunto de valores que estamos a recuperar e que, numa situação de crise, precisamos colocá-los no seu devido lugar porque só assim se consegue uma construção sustentável.
AE – No seu livro «10 competências rumo à felicidade», que fórmula “mágica” é apresentada para a conquista da felicidade?
JJ – O ponto de partida do livro são as características individuais, o sonho da pessoa, que é a parte emocional.
Este conceito que reconhece os talentos pessoais permite que cada um sonhe à sua medida e desenvolva os seus talentos conforme as suas características. Se assim for, todos seremos uma mais-valia, sem concorrência. Colocar-nos-emos em colaboração ultrapassando um modelo individualista. Esta é uma proposta evangélica pois pede a todos o seu contributo.
Dez competências para ser feliz
AE – O livro apresenta dez competências. A primeira é o Auto conhecimento.
JJ – O auto conhecimento é essencialmente a capacidade das pessoas identificarem as suas potencialidades. Qualquer pessoa tem enormes potencialidades mas são tesouros que estão escondidos e precisam ser desembrulhados.
A grande dificuldade é a pessoa conhecer-se e identificar qual o seu tesouro, qual o seu aspeto diferenciador. A partir daí pode colocar o que tem de melhor ao serviço dos outros.
AE – A segunda competência é a auto estima.
JJ – Esta competência refere-se aos sentimentos positivos que a pessoa tem sobre si. Sem este sentimento positivo não é possível a pessoa fazer nada. Com isto não quer dizer que se deva considerar a melhor do mundo, mas perceber que estamos todos no mesmo barco onde cada um deve se valorizar.
Havendo um sentimento positivo de si há também um sentimento positivo dos outros. Um ambiente positivo permite a construção de algo bom.
AE – A Auto realização é a terceira competência apresentada.
JJ – Esta competência aponta para os objetivos que uma pessoa tem e o que faz para se superar. Há um conjunto de competências individuais que a pessoa gosta (recuperamos as competências do auto conhecimento e da auto estima) e posteriormente transforma-as em projeto, em missão.
Trata-se de transformar os talentos em projetos para os outros. Por vezes iludimo-nos com este conceito.
O autor Victor Franklin fala em auto transcendência, ou seja, uma vida com sentido que se adquire quando a pessoa se auto transcende. A própria essência da auto realização passa por a pessoa ultrapassar-se a si mesma, transcender-se em projetos, em valores, em objetivos e ideais.
AE – A Empatia é a próxima competência.
JJ – Esta competência é muito necessária para ter noção de quem é o outro, para uma escuta ativa de experiências e ideias dos outros. O mundo de hoje leva-nos ao autismo. Também as novas tecnologias, com todo o seu potencial, são um perigo porque podem conduzir a um fechamento.
Temos por isso de praticar a escuta ativa do outro.
AE – A Assertividade é a quinta competência apresentada.
JJ – Esta é a capacidade de uma pessoa se auto afirmar na interação. Corresponde à capacidade de dizer o que se pensa, dar a opinião, expressar sentimentos, solicitar mudança de comportamentos quando se considera ser preciso mudar.
A tendência natural do homem é ser agressivo ou passivo. O problema da assertividade manifesta-se quando na relação com os outros nos tornamos agressivos ou passivos. Ninguém gosta de comunicar com alguém agressivo. Por outro lado, a passividade leva a pessoa a distanciar-se do outro e do que pensa. A assertividade está no meio. É a comunicação equilibrada onde acontece a expressão do que se pensa e quer.
Não é fácil desenvolver a assertividade quando vivemos durante muitos anos num regime ditatorial. Desenvolver esta competência é um processo moroso.
AE – Surge depois o Suporte Social.
JJ – Quando se fala de suporte social referimo-nos à ajuda que podemos dar e que nós próprios precisamos: apoiar e ajudar quem precisa, mas também procurar quem nos pode ajudar.
A primeira área onde nos podemos ajudar mutuamente é a existencial. Os progenitores dão suporte existencial aos seus filhos. O que uma criança quer sentir é que é importante para os seus pais – isto é suporte existencial.
Há também o suporte emocional que permite ultrapassar as dores e tristezas mas também viver as alegrias e felicidade com os outros.
Há ainda o suporte precetivo, onde a pessoa comunica o que pensa e o que perceciona do mundo, e também o suporte instrumental e o das instituições sociais.
AE – A Criatividade é a sétima competência apresentada.
JJ – Corresponde à capacidade de a pessoa desenvolver a arte de ser empreendedora, ser original no que faz, no que é, no que diz, no que sente, ao ponto de criar algo que tenha valor.
Precisamos muito desta atitude empreendedora. Diria até que precisamos sobretudo de recriar – a vida, a sociedade, o modo de estar na universidade, a forma de estar em sociedade.
O contexto que atravessamos conduz muitas pessoas a iniciativas inesperadas. Sente-se uma busca e isso implica criatividade.
AE – Surge depois a Cooperação.
JJ – Esta competência relaciona-se com a capacidade de trabalhar em equipa que implica o sentido comunitário e social da pessoa.
Atualmente as empresas melhor sucedidas no mercado são as que promovem a cooperação entre todos os seus trabalhadores. Esta competência é essencial para sobreviver no contexto que vivemos. A cooperação pressupõe eu contribuir com o que sou e o que tenho, e todos enriquecerem com o que sou.
Do ponto de vista eclesial esta lógica é de suma importância, pois a Igreja é essencialmente comunhão.
AE – Surge depois a Liderança.
JJ – Esta competência refere-se à influência positiva de alguém que pode levar uma equipa à concretização de um objetivo. Requer uma comunicação interpelativa e motivante para que os objetivos delineados se realizem.
AE – A última competência apresentada é a Resiliência.
JJ – Esta competência define todas as anteriores. Assemelha-se ao que acontece com um elástico: estica-se e depois volta à sua posição inicial. Na vida, a pessoa é resiliente se as frustrações, as crises e os obstáculos esticarem a pessoa, mas ela não rebentar e conseguir voltar à normalidade.
Este conceito é muito atual devido à crise que atravessamos. Existem indicadores de quem não consegue lidar positivamente com esta situação, mas a resiliência, enquanto competência, diz-nos que devemos recriar positivamente a sociedade e a vida.
Fazer cair o “s”
AE – De que forma é que a crise pode ser reinventada e estas dez competências podem ajudar a ultrapassá-la?
JJ – Estas competências são essenciais para criar algo de novo. Numa situação de crise o desafio é fazer cair o “s”. Crie, tenha iniciativa, seja original.
Para que isso aconteça é necessário perceber quais os nossos talentos, gostar de nós próprios, definir objetivos, escutar ativamente, ser assertivos, é preciso suportarmo-nos socialmente para superarmos este tempo. Estas competências são úteis porque nos ajudam a identificar líderes e unem as pessoas em cooperação.
Este é um desafio brilhante num tempo que é um dos melhores da história da humanidade porque corresponde ao nosso tempo.
AE – Que mais valia pode ter a atitude crente?
JJ – Acho que quem crê tem mais capacidade de criar. No livro «10 competências rumo à felicidade» privilegio uma abordagem do ponto de vista humano, psicológico, social e profissional. Numa abordagem de fé, a pessoa percebe que tem mais força dentro de si porque tem a certeza de que isto não vai terminar mal.
Toda a força da fé nasce da confiança total na mão de Deus que guia a pessoa. A fé é uma grande ajuda para superar todas as situações desafiantes da vida.
AE – O cristianismo devia ser essa esperança, uma religião da alegria…
JJ – Um dos valores essenciais dentro do cristianismo é a alegria. Um dos melhores serviços a prestar ao mundo de hoje é dar esperança e partilhar experiências de alegria que vão capacitar para os desafios da atualidade. Isso implica uma atitude alegre, divertida e descontraída da própria vida.
Todos os desafios que enfrentamos pedem que prestemos este serviço de alegria, no desenvolvimento de atitudes positivas e construtivas.
Recriar o mundo de hoje é injetar vitalidade e energia. Isso é o que as pessoas procuram, experiências descontraídas mas profundas, propostas desafiantes mas descomplexadas, significativas e exigentes. Procura-se o lado divertido da própria vida.
No contexto da aprendizagem isto confirma-se. Se pretendo ensinar algo aos meus alunos tenho de os descontrair para que o cérebro deixe de estar concentrado na própria sobrevivência.
Precisamos dos contextos disciplinados e rigorosos mas também de à-vontade para que o aprender seja prazeroso.
AE – Tem de haver, nesse sentido, uma reconversão de atitude no cristianismo? No assumir, de facto, a alegria?
JJ – Também aí é preciso recriar e refundar com uma dose de alegria. Esta atitude é ir contra a corrente e a Igreja tem uma proposta do Evangelho que é contra a corrente.
Propor a alegria num mundo deprimido e em crise é ir contra a corrente mas é isso que é necessário. Ser profeta é dizer hoje que isso vai mudar, se fizermos alguma coisa e formos empreendedores.
A Igreja tem uma proposta única salvífica, de vida, e pode dar ao mundo de hoje esta alegria. Existem muitos sinais dentro da Igreja, nomeadamente dentro da pastoral juvenil, desse recriar a alegria da fé.