Diálogo de Bento XVI com o mundo é uma «lição» para a Igreja

Jornada organizada pela Faculdade de Teologia destacou actualidade do pensamento do Papa

O presidente do Centro Nacional de Cultura, Guilherme d’Oliveira Martins, considera que o Papa “tem manifestado uma preocupação extraordinariamente persistente e positiva de não fugir ao diálogo fundamental que se tem de estabelecer no mundo moderno”.

“Julgo que esta é uma lição para os cristãos e para a Igreja. Não devemos deixar de dialogar com as diversas perspectivas culturais”, afirmou o presidente do Tribunal de Contas na Jornada de Estudos Teológicos intitulada “As razões de Bento XVI – Actualidade do pensamento de Joseph Ratzinger”, que se realizou nesta Terça-feira, em Lisboa.

“Iniciativas como estas são muito importantes”, sublinhou Guilherme d’Oliveira Martins. “Há uma grande ignorância teológica nos cristãos e uma grande fragilidade no diálogo e na argumentação. O desafio fundamental que o Papa lança é o da exigência e do estudo, reflectido no triângulo “ser, conhecer e amar”, explicou.

O Pe. Peter Stilwell, director da Faculdade de Teologia, entende que a voz de Bento XVI tem impacto sobretudo “em meios intelectuais, que gostam de reflectir acerca da razão que se debruça sobre a sociedade contemporânea. Isso não vende jornais porque exige tempo e esforço”.

“Acho que Bento XVI presta um serviço importante à comunidade cristã e à comunidade humana em geral ao utilizar os seus talentos. Não será um concorrente de João Paulo II, nem pretende sê-lo; não irá atrair multidões, como o anterior Papa, mas tocará as pessoas pela honestidade das suas palavras e pela exigência do seu pensamento”, afirmou à Agência ECCLESIA o vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa (UCP).

«Humilde persistência» de um pensador

Francisco Sarsfield Cabral sublinhou que a primeira encíclica de Bento XVI citou muitos autores não cristãos, o que constituiu uma novidade. “Isto significa que ele dá importância à cultura, venha ela de onde vier”, referiu o comentador da Rádio Renascença.

O especialista em assuntos económicos assinalou que o Papa se distingue por uma “consciência aguda da razão”. O seu “humanismo integral”, que liga todas as dimensões da vida, concilia “a metafísica com o desenvolvimento”, sintetizou.

“Bento XVI é um intelectual de grande craveira e é respeitado como tal. Consegue ter diálogos substanciais com toda a gente, cristãos e não cristãos, agnósticos e ateus. Ele sente-se bem no mundo da cultura”, garantiu Francisco Sarsfield Cabral.

O início do pontificado de Bento XVI ficou marcado por algumas reservas, devido ao cargo de prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé que ocupou entre 1981 e 2005. “Essas desconfianças também eu as tive. A imagem dele era um pouco a de censor teológico. Mas lendo o que escreveu antes de ser Papa e depois da sua eleição, fica-se com uma ideia diferente. Ele é uma pessoa aberta, capaz de falar com todos mas sem fingir que não há diferenças quando elas existem”, assinalou o jornalista.

Durante a mesa redonda dedicada à “interpelação cultural” suscitada pelo pensamento de Bento XVI, Guilherme d’Oliveira Martins destacou a “humilde persistência” do teólogo alemão. Os seus textos, caracterizados pela “clareza”, conferem à relação entre fé e razão uma “grande limpidez”.

Na análise do presidente do Centro Nacional de Cultura, a preocupação do Papa com o “risco do relativismo ético” é a consequência do “vazio de valores que está subjacente ao relativismo pós-moderno”. “Sem uma hierarquia de valores deixamos de ter fundamento para tudo o que é essencial à vida”, resumiu.

“Ser, conhecer e amar: esta tríade, que conhecemos desde Santo Agostinho, tem uma importância particular no pensamento de Bento XVI”, referiu o professor catedrático.

Guilherme d’Oliveira Martins notou que a encíclica “Caritas in veritate” “tem muito mais que se lhe diga do que aquilo que à primeira vez foi referenciado”, na medida em que aponta “as razões profundas da crise que hoje vivemos”.

Miguel Morgado, por seu lado, falou sobre os avisos deixados pelo Papa em relação ao perigo do “desequilíbrio entre possibilidades técnicas e energia moral”. “O que é que a política sem espiritualidade nos deu? Esta é uma questão que Bento XVI não esquece”, declarou o investigador do Instituto de Estudos Políticos da UCP.

O docente universitário recordou que o Papa tem vindo a inspirar a participação dos católicos no espaço político, procurando contrariar a tendência para a “apatia” que eles têm manifestado nessa área.

Seguindo o pensamento de Santo Agostinho, Bento XVI defende que as cidades celeste e terrestre estão intrinsecamente ordenadas uma para a outra, embora seja necessário definir limites no que diz respeito às relações entre a fé e as actividades partidárias e governativas. Neste sentido, o Papa condena a “politização da religião” e não quer que a Igreja se “imiscua nas questões do Estado”.

Razão é insuficiente para explicar o ser humano

Na perspectiva do Pe. Peter Stilwell, o Papa defende que “a fé dá acesso a um conhecimento que resulta da Revelação”. O saber proporcionado por esta origem conduz a um entendimento que se diferencia dos resultados alcançados através do método científico.

O director da Faculdade de Teologia apontou outra fonte de compreensão da realidade mencionada pelo Papa. “Na altura da sua eleição pontifícia, Bento XVI sublinhou a importância da consciência como referência última da acção do crente, ainda que ela seja contra a autoridade, mesmo eclesiástica.”

Esta posição, explicou o director da Faculdade de Teologia, “não pretende contrapor a subjectividade das opções e desejos pessoais à objectividade da norma geral”. “A consciência é aquele lugar que espelha o mandato que recebemos do Criador de amar a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a nós mesmos”, pelo que “tem o mesmo alcance da norma que é proposta pela Igreja”.

As insuficiências da razão são igualmente evidentes no evolucionismo, classificado de reducionista por pretender “explicar as coisas mais complexas através das mais simples”.

Há diferenças qualitativas quando a realidade inanimada se torna animada e quando esta, por sua vez, assume aspectos mais intrincados. O Pe. Peter Stilwell dá como exemplo a comparação entre o rato e a pessoa, ambos seres animados e mamíferos mas com grandes disparidade no que diz respeito, por exemplo, à capacidade de reflexão. As desigualdades não resultam apenas de uma simples progressão no reino animal: com o Homem entra-se “noutro nível de ser, que não se explica pelos seres anteriores”, observou o sacerdote.

O estudo desta realidade precisa de instrumentos novos, já que os processos utilizados para explicar grande parte dos elementos do universo são insuficientes para analisar o ser humano. Por isso o director da Faculdade de Teologia advoga que a tentativa de compreensão de todas as coisas a partir das suas origens dá lugar à chamada “falácia genética”.

Neste sentido, Bento XVI considera que “no meio universitário tem de haver espaço para uma razão mais ampla, que aborde a realidade em todas as suas dimensões, e não exclusivamente a partir de uma ciência instrumental”.

Para o Pe. Peter Stilwell, o tema desta Jornada de Estudos Teológicos é um exercício que a Faculdade faz para reflectir sobre os textos de um “grande pensador”. Ao mesmo tempo, acrescenta, “é um serviço que prestamos à comunidade, na medida em que há muita gente que gostaria de saber mais sobre as reflexões inovadoras e criativas de Bento XVI”.

A iniciativa juntou cerca de uma centena de interessados. As aulas foram suspensas durante a Jornada para permitir a participação dos estudantes.

Além da publicação das intervenções do encontro, não estão previstas mais actividades relacionadas com a vinda do Papa a Portugal. O que não impede que durante este ano não se proponham iniciativas similares. “Estamos à disposição da Igreja para o que nos pedirem”, assegurou o vice-reitor da UCP.

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