Alexandra Chumbo, Diocese de Setúbal
A meio de Março de 2020 a vida dos portugueses mudou. De repente, sem tempo para grandes adaptações nem programações, a maior parte das famílias viu-se confinada à sua casa, ao seu agregado familiar, não podendo manter as suas rotinas habituais.
Talvez nunca nenhum de nós tivesse pensado este cenário, ficar confinado à sua casa, somente com a família mais chegada, sem poder ir beber um café, sem poder ir comprar uma peça de roupa, arranjar um relógio, sem poder visitar os seus pais, jantar fora com os amigos, levar o filho à festa de anos, cortar o cabelo, ir ao ginásio ou à missa… Em Portugal, somos uns privilegiados e, de facto, a missa na televisão era apenas para quem não podia ou não queria ir à Igreja.
A situação é o que é. Podemos dizer mal do vírus, reclamar da vida, ficar zangados com tudo isto que nenhum desses nossos comportamentos vai alterar o panorama “pandémico”. Ou seja, lamentavelmente ou não, nós não podemos mudar a realidade, mas, porque há sempre um mas(!) podemos escolher o que vamos fazer, qual vai ser a nossa atitude perante esta situação. Vamos pôr boa cara ou má cara? Vamos reclamar de tudo ou procurar fazer o melhor possível dentro das nossas metas e capacidades?
Na Psicologia dizemos muitas vezes que as crises são períodos de potencial mudança e crescimento pessoal, mas nem sempre é fácil perante uma crise não desesperar… Curiosamente, a maior parte das pessoas tem dias… dias em que activa o motor, e consegue arregaçar as mangas fazendo tudo ou quase tudo o que põe na cabeça, e dias em que a exaustão e o esgotamento se apoderam de todo o corpo e mente.
Que metas/objectivos tem cada um de nós? Certamente antes desta quarentena o nosso dia-a-dia era pautado por determinadas metas e objectivos que podemos ou não manter. Mas mesmo mantendo essas metas e objectivos, as estratégias para os atingir terão necessariamente que ser restruturadas ou alteradas.
Trabalhar em casa! Numa família com crianças não há reunião que resista a um valente “Mãeeeeeeeeeeeeee” ou “Paiiiiiiiiiiiiiiii”, o almoço na cantina não está à nossa espera, e a marmita, se não a preparámos na véspera (porque íamos mesmo ficar em casa), também não nos vai safar. Sim, resumindo, pequenos almoços, sujar a cozinha, uma reunião de trabalho interrompida, uma ajuda na aula do filho e uma entrega na plataforma Teams. Já é hora de almoço e a cozinha ainda tem loiça da primeira refeição do dia…. Faz-se o almoço, chama-se para o almoço, juntam-se ambas as loiças na máquina e quando está tudo impecável para voltar à secretária do trabalho, cheios de energia porque agora é que vai ser… vem alguém pedir o lanche! Ou talvez ajuda porque não consegue entrar na reunião do Zoom porque o ID dá inválido, ou um grito de alguém que ainda não se limpa sozinho. E agora, rimos ou choramos? A resposta é simples… Santificamo-nos naquilo que Deus nos pede a cada um.
Não no que pede ao vizinho que mora sozinho, e que por isso aos nossos olhos tem uma vida boa, não nos santificamos a desejar a vida daquele que está em Layoff, que, aos nossos olhos está sem fazer nada em casa e pode ver TV. A vida do outro, aos nossos olhos, é sempre melhor que a nossa. Sim é a velha história da “galinha da vizinha”, até porque a maior parte das vezes a vida do outro não é tão entusiasmante e fácil como a imaginamos.
O que importa é aquilo que Deus me pede a mim. A mim pede-me isto neste momento. É muito? Talvez. Mas diz o povo, que Deus só dá a Cruz que somos capazes de carregar.
Fico sempre impressionada como a religião cristã se cruza com a saúde mental. É isto: estarmos bem com a nossa consciência, sentirmos que fazemos o que é correcto, o que temos que fazer naquele dia, naquele período de tempo, leva-nos a uma paz interior que por norma gera equilíbrio psíquico.
Nas minhas sessões de psicoterapia, muitas vezes dou por mim a dizer “esteja onde tem que estar, a desempenhar o melhor possível a tarefa que lhe é pedida naquele momento”. Isto é saúde mental, isto é consciência tranquila e a sensação de que estamos a fazer o que devemos e estamos a dar o nosso melhor. E isto serve tanto para o trabalho profissional como para um jantar que temos de preparar ou um telefonema com um amigo. Estar verdadeiramente nas coisas, fazendo aquele jantar o melhor possível, aquela conversa com o máximo de atenção e paciência, aquele trabalho profissional com o máximo de profissionalismo. Este é um grande desafio diário que todos temos, que nos leva a um grande equilíbrio psíquico e que nos guia também (parece-me!) até ao Céu. Cada um saberá melhor que ninguém onde Deus o quer, ainda assim se nos baralhamos há sempre ajuda humana e espiritual onde podemos recorrer!
A título mais pessoal estes tempos têm servido para valorizar mais a família, a saúde e a natureza. Deixei de gritar “estamos atrasados”, “toca a despachar”, “vai tomar banho, levanta-te, vai lavar os dentes, veste-te”. Sim, relaxamos mais os horários, também stressamos menos quando algo não corre bem… ou tentamos. Respiro fundo muitas vezes e peço ajuda ao meu anjo da guarda. Às vezes corre bem, outras tenho mesmo a sensação de que sou humana… Que falho, mas volto a tentar.
Tentamos manter um horário. Há um tempo para acordar, para as refeições, para trabalhar, há um tempo de desporto, um tempo livre e um tempo de oração. Para a nossa família é muito importante este equilíbrio. No nosso caso já rezávamos o terço em família, mas desde que começou o confinamento temo-lo feito em directo no Facebook. Esta experiência tem sido um grande desafio! O facto de nos “expormos” de abrirmos a nossa casa a quem quiser participar, tem sido muito bom. A ideia foi do meu anjo da guarda, no final da missa que assistimos no domingo dia 22 de março em directo no Youtube da Paróquia do Parque das Nações… No final da missa o sacerdote disse: “- que podemos nós fazer para que este domingo seja diferente?”
Foi aí que o meu anjo da guarda me disse… Hoje, o terço podem partilhá-lo com todos os vossos familiares e amigos… e assim foi, e assim tem sido desde esse dia.
Estes tempos vieram confirmar aquilo que eu já sabia, não mandamos nada, não decidimos nada, vamos gerindo como podemos e. ajude-nos Deus. a fazer uma gestão do Tempo que Ele nos dá nesta terra, para que um dia, cheguemos ao Céu!
Alexandra Chumbo – Psicóloga Clínica – Terapeuta familiar e de casal
Casada, mãe de 6 filhos com idades compreendidas entre os 3 e os 14 anos.