De avecs endinheirados a representantes de comércio!

José Coutinho da Silva, Orléans – França

 

A enfâse posta pelo presidente Cavaco Silva no passado Dia de Portugal referindo-se às capacidades da diáspora portuguesa sugerem diversos sentimentos e algumas reflexões. Embora a história não se repita, as semelhanças parecem provar que os emigrantes portugueses continuam a ser olhados apenas pela utilidade que podem ter para o país.
Apelando “aos Portugueses da Diáspora e aos Luso-Descendentes para que, onde quer que se encontrem, se afirmem como embaixadores de Portugal”, o presidente definiu essa missão patriótica afirmando que a “Diáspora deve ser mobilizada para apoiar a nossa Pátria, a Pátria que também é a sua, atraindo investimentos, conquistando novos mercados, reforçando a imagem positiva de Portugal no exterior, promovendo o País novo que somos e que queremos ser”. Deixando de lado a retórica do país novo e da sua imagem positiva… ensombrados, nos últimos anos, pelas migrações forçadas de tantos portugueses e para os quais não se ouviu, nesse dia, uma só palavra de “desculpa”por terem sido empurrados para o estrangeiro, voltemo-nos para as memórias passadas.
Nos anos sessenta e setenta, anos negros da sangria de um povo, o emigrante era visto pela vizinhança como o pai decidido que partia para que a família não morresse de fome ou como o filho querido que partia para não morrer na guerra. Para o poder dessa época, esses emigrantes do salto não passavam de “traidores”, uns porque fugiam levando os braços de que a terra precisava, outros porque recusavam as armas e iam engrossar as fileiras dos “inimigos”do estado novo!
Depois, como formigas, uns chamando outros, as famílias juntam-se. Em terras de imigração, com muito trabalho e suor, organizam sa suas vidas; as economias à custa de muitas privações vão sobrando para comprar uma courela na aldeia, para construir uma casa, porque o projeto era regressar o mais depressa possível. Bancos e outros angariadores precipitam-se e é ver engrossar, ao sábado, as filas à porta das agências bancárias. Com o amanhecer da democracia, o poder envia a mensagem de que é o mesmo “povo unido dentro e fora do país”; vão-se abrindo alguns cursos de português e multiplicam-se os postos consulares, oferecem-se juros altíssimos aos depósitos dos emigrantes e alguns partidos políticos consideram até os emigrantes como possíveis eleitores e até militantes. E, nos meses de verão lá vão de “vacanças”, “avec”a saudade a roer-lhes a alma. Na aldeia é o alvoroço e o espanto que pouco a pouco se tornam desdém: eles são rodadas no café, automóveis vistosos e casas de encher o olho! Tinham saído pobres, filhos humilhados de um país e num tempo em que só era considerado quem tinha poder e bens ao sol. Surgem os primeiros atritos, chovem as críticas: os preços e os desastres aumentam por causa dos “avecs”. 
Nos anos áureos da União Europeia, com pleno emprego e melhores salários em Portugal, os emigrantes passam a segundo plano, até se ouve aqui e ali que já nem precisam deles para viver. Os sucessivos poderes parecem ir no mesmo sentido, passando a mensagem de que a emigração acabou, que já não há emigrantes porque somos todos europeus. Encerram-se consulados, suprimem-se cursos de português. E até já parecem ter desistido de contar com eles para a vida democrática, contentando-se com abstenções eleitorais de mais de 98%! Os bancos, esses continuam atentos prevendo que mais dia menos dia alguém pediria aos membros da Diáspora que investissem e fizessem investir em Portugal! 
É claro que os emigrantes ouvem e deixam passar a caravana como se isso do prestígio da Pátria só dissesse respeito a um punhado de condecoráveis. A imensa maioria, os tais “avecs”e os seus filhos, estes profissionalmente formados e diplomados, sem vocação para representantes de comércio, continuam a tentar ganhar o seu pão de cabeça levantada sem grandes ilusões quanto a um regresso a Portugal. Sentem pena, revolta até, pela situação do país. Acolhem como podem os que chegam – até com perplexidade perante a arrogância e as exigências de alguns – e interrogam-se: nos próximos meses de verão como vão “comportar-se”estes novos emigrantes? Assistiremos à reposição de filmes já vistos? Serão capazes de contar em Portugal como vivem na imigração, as horas e as condições de trabalho, as dificuldades de adaptação dos seus filhos?
É claro que isto de serem agora membros da Diáspora tem o seu quê de surpreendente: deixar de ser emigrantes, passando por europeus e acabar, para já, membros da diáspora são evoluções inesperadas. Fica a dúvida quanto à caraterização bíblica desta diáspora: dispersos porque infiéis (por isso exilados) ou dispersos porque enviados para construirem uma nova humanidade em que cada um vale pelo que é e não pelo que tem (por isso vivos e de pé)?
José Coutinho da Silva,
Orléans – França 

 

A enfâse posta pelo presidente Cavaco Silva no passado Dia de Portugal referindo-se às capacidades da diáspora portuguesa sugerem diversos sentimentos e algumas reflexões. Embora a história não se repita, as semelhanças parecem provar que os emigrantes portugueses continuam a ser olhados apenas pela utilidade que podem ter para o país.

Apelando “aos Portugueses da Diáspora e aos Luso-Descendentes para que, onde quer que se encontrem, se afirmem como embaixadores de Portugal”, o presidente definiu essa missão patriótica afirmando que a “Diáspora deve ser mobilizada para apoiar a nossa Pátria, a Pátria que também é a sua, atraindo investimentos, conquistando novos mercados, reforçando a imagem positiva de Portugal no exterior, promovendo o País novo que somos e que queremos ser”. Deixando de lado a retórica do país novo e da sua imagem positiva… ensombrados, nos últimos anos, pelas migrações forçadas de tantos portugueses e para os quais não se ouviu, nesse dia, uma só palavra de “desculpa”por terem sido empurrados para o estrangeiro, voltemo-nos para as memórias passadas.

Nos anos sessenta e setenta, anos negros da sangria de um povo, o emigrante era visto pela vizinhança como o pai decidido que partia para que a família não morresse de fome ou como o filho querido que partia para não morrer na guerra. Para o poder dessa época, esses emigrantes do salto não passavam de “traidores”, uns porque fugiam levando os braços de que a terra precisava, outros porque recusavam as armas e iam engrossar as fileiras dos “inimigos”do estado novo!

Depois, como formigas, uns chamando outros, as famílias juntam-se. Em terras de imigração, com muito trabalho e suor, organizam sa suas vidas; as economias à custa de muitas privações vão sobrando para comprar uma courela na aldeia, para construir uma casa, porque o projeto era regressar o mais depressa possível. Bancos e outros angariadores precipitam-se e é ver engrossar, ao sábado, as filas à porta das agências bancárias. Com o amanhecer da democracia, o poder envia a mensagem de que é o mesmo “povo unido dentro e fora do país”; vão-se abrindo alguns cursos de português e multiplicam-se os postos consulares, oferecem-se juros altíssimos aos depósitos dos emigrantes e alguns partidos políticos consideram até os emigrantes como possíveis eleitores e até militantes. E, nos meses de verão lá vão de “vacanças”, “avec”a saudade a roer-lhes a alma. Na aldeia é o alvoroço e o espanto que pouco a pouco se tornam desdém: eles são rodadas no café, automóveis vistosos e casas de encher o olho! Tinham saído pobres, filhos humilhados de um país e num tempo em que só era considerado quem tinha poder e bens ao sol. Surgem os primeiros atritos, chovem as críticas: os preços e os desastres aumentam por causa dos “avecs”. 

Nos anos áureos da União Europeia, com pleno emprego e melhores salários em Portugal, os emigrantes passam a segundo plano, até se ouve aqui e ali que já nem precisam deles para viver. Os sucessivos poderes parecem ir no mesmo sentido, passando a mensagem de que a emigração acabou, que já não há emigrantes porque somos todos europeus. Encerram-se consulados, suprimem-se cursos de português. E até já parecem ter desistido de contar com eles para a vida democrática, contentando-se com abstenções eleitorais de mais de 98%! Os bancos, esses continuam atentos prevendo que mais dia menos dia alguém pediria aos membros da Diáspora que investissem e fizessem investir em Portugal! 

É claro que os emigrantes ouvem e deixam passar a caravana como se isso do prestígio da Pátria só dissesse respeito a um punhado de condecoráveis. A imensa maioria, os tais “avecs”e os seus filhos, estes profissionalmente formados e diplomados, sem vocação para representantes de comércio, continuam a tentar ganhar o seu pão de cabeça levantada sem grandes ilusões quanto a um regresso a Portugal. Sentem pena, revolta até, pela situação do país. Acolhem como podem os que chegam – até com perplexidade perante a arrogância e as exigências de alguns – e interrogam-se: nos próximos meses de verão como vão “comportar-se”estes novos emigrantes? Assistiremos à reposição de filmes já vistos? Serão capazes de contar em Portugal como vivem na imigração, as horas e as condições de trabalho, as dificuldades de adaptação dos seus filhos?

É claro que isto de serem agora membros da Diáspora tem o seu quê de surpreendente: deixar de ser emigrantes, passando por europeus e acabar, para já, membros da diáspora são evoluções inesperadas. Fica a dúvida quanto à caraterização bíblica desta diáspora: dispersos porque infiéis (por isso exilados) ou dispersos porque enviados para construirem uma nova humanidade em que cada um vale pelo que é e não pelo que tem (por isso vivos e de pé)?

 

José Coutinho da Silva,

Orléans – França 

 

 

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