Que Outubro seja o mês em que tradicionalmente se aprofunda o sentido da Missão da Igreja, resulta apenas de uma prática convencional lançada por Pio XI, o “Papa das Missões” (título que caberia também a Bento XV). Nesse tempo falava-se de “Missões” no plural, para designar a diversidade de tarefas ou “Obras” que integravam o serviço de evangelização e promoção do Reino de Deus, mediante “obreiros” missionários que partiam da sua cultura para espaços humanos de pouca presença cristã. Hoje afirmamos que poderá dar-se o caso de irem sobretudo como sinais da inter-comunhão eclesial, tornando-se dom da sua Igreja de origem a outras comunidades em que vão servir. Falamos por isso de “Missão ad extra” e de interculturalidade mis-sionária. Porém, ad extra ou ad intra, a Missão da Igreja é sempre a mesma. Pode variar a terminologia e a acentuação circunstancial de um ou mais dos elementos que a compõem. É hoje ponto assente que não basta fundamentar a Missão no mandato missionário de Mat.28; por aí, ficaríamos numa fundamentação jurídica da Missão. O Concílio colocou a fonte da Missão no amor auto-comunicante de Deus tri-uno. O seu conteúdo central identifica-se com Jesus Cristo, enviado, humanizado, profeta e Filho de Deus, morto e ressuscitado para levar a humanidade à comunhão de uns e outros e de todos com Deus. Além disso, a noção de Igreja como sacramento de Cristo leva-nos a entendê-la como continuadora da incarnação divina e da ressurreição que o Filho de Deus lançou na história dos homens. Quer isso dizer que a Missão não tem relação à Igreja em termos de característica circunstancial, mas de propriedade da sua própria essência. O Concílio lembrou-nos que a Igreja se define, se quisermos uma descrição sintética, pelas dinâmicas de Comunhão e de Missão. O Papa Paulo VI, na Exortação Evangelii Nuntiandi de 1975, afirma que a evangelização define a mais funda natureza da Igreja. Evan-gelização que é anúncio e proclamação de Cristo, que é conversão e resposta às interrogações existenciais do homem, que é diálogo inter-religioso e fecundação das culturas, que é constituição de comunidades humanas que sejam sacramento de Cristo. Enfim, Evangelização e Missão são tarefas nunca terminadas, pois que os tempos mudam, as gerações sucedem-se, a cultura vai-se diversificando. Porém, se varia o objecto da Missão que são os homens, a sociedade e as culturas, a acentuação dos diferentes aspectos da Missão tem de ter em conta as características de cada época ou fase da história. Com uma condição: que no centro esteja sempre a pessoa e o mistério pascal de Jesus Cristo. Por aqui chegamos à constatação de que o nosso tempo requer uma reada-ptação no modo de evangelizar, na linguagem e nos conteúdos a pôr em evidência. O afrouxamento actual das barreiras culturais, facto que como que globaliza as expressões religiosas e crenças da humanidade; o resvalar de algumas práticas religiosas para uma noção vaga de Deus, permitindo a cada um fabricar a sua religião à medida de si próprio; a ideia de que as antigas religiões da natureza são mais humanizantes que as religiões de revelação divina; a perda da sensibilidade religiosa, não obstante ela ter raiz, na opinião de muitos, na própria profundidade do ser humano; a teoria de que a prática religiosa não deve sair do domínio do privado; o distanciamento de tantos em relação à fé cristã –tudo isso são desafios que postulam o que João Paulo II tem chamado uma “nova evan-gelização”. Pragmaticamente e sem receio de reducionismos, poderíamos identificar, nas presentes circunstâncias e no que toca ao hemisfério norte, Missão da Igreja e Nova Evangelização (nova nos métodos, no ardor missionário e nos conteúdos a destacar, explica João Paulo II). E a encíclica Redemptoris Missio acrescentava: é importante marcar presença nos “novos areópagos” culturais do nosso tempo, lá onde se definem os traços da cultura-ambiente, se forja a opinião pública, ou estão em jogo a dignidade da pessoa e a salvaguarda dos seus direitos. Vários riscos pode fazer correr, este desafio urgente da Nova Evangelização: no diálogo inter-religioso, o risco de calar o Evangelho por um mal entendido respeito pelo pluralismo religioso (risco que penso ser um facto na “teologia do pluralismo religiosos” de alguns meios teológicos anglo-americanos); no plano da visibilidade social, a tentação de ceder à ideia secularista de privatizar a religião; no plano do diálogo com a cultura, persistência no velho triunfalismo de quem pensa saber tudo e não cuida de abrir os olhos aos caminhos novos do pensamento e do avanço científico. Os novos desafios requerem respostas da Igreja como um todo – é tarefa global: os Pastores, assegurando a comunhão e a unidade eclesial, mas também promovendo o empenho missionário de todos; os teólogos, pensando a fé e a sua formulação em linguagem compreensível ao homem de hoje; todo o povo cristão, testemunhando a vida nova em Cristo lá onde cada um vive, trabalha e serve a comunidade. Mons. Jean Vernette, por longos anos Director da Comissão Episcopal francesa para a nova religiosidade, insistia no último artigo que escreveu antes do falecimento, uns dois anos atrás: hoje é tempo de falar de Deus, de anunciar Cristo (sem exclusi-vismo mas também sem receio); de cuidar que a fé dos cristãos não fique bloqueada pelas objecções provenientes do crescente relativismo religioso e moral; tempo de não se deixar cantonar no espaço privado de uma Igreja fechada sobre si própria. E que a transmissão da fé àqueles que vêm depois, podíamos acrescentar, os torne aptos a garantir a perenidade da Missão da Igreja, no tempo e circunstâncias que serão os seus. Pe. Manuel Gonçalves, C.S.Sp.
