Da crise nasce o exemplo

Vanessa Furtado, Fundação Fé e Cooperação

No ano em que o Governo anunciou um imposto extraordinário sobre os subsídios de Natal, a sociedade portuguesa mostra-se naturalmente preocupada face às habituais despesas que a época natalícia acarreta. O impacto desta medida poderá verificar-se no consumo mas será que também se verificará na solidariedade? Haverá, naturalmente tendência para que as pessoas se retraiam e sejam mais comedidas a gastar, estando mais inclinadas para poupar num esforço de antecipação de um pior contexto económico em 2012. No entanto, o agir segue o ser. E os portugueses não se inibirão com certeza de ajudar o próximo de acordo com as suas possibilidades.

Na Fundação Fé e Cooperação (FEC) e em especial com a campanha Presentes Solidários que lançámos entusiasticamente no passado dia 8 de novembro, encaramos o atual contexto económico-financeiro com otimismo e esperança. Queremos contagiar os outros a vencer o medo da crise. Esta representa sempre uma oportunidade – a dificuldade não é desarmante mas sim desafiadora. A dificuldade pode ser agónica mas o interesse e o ganho está precisamente na forma como lhe fazemos frente, com coragem e determinação. Juntos e organizados na construção de respostas efetivas para as necessidades resultantes das várias faces da crise que o mundo de hoje atravessa. Para as pessoas e pela justiça social global.

Conscientes da necessidade de estimular o crescimento de uma cultura de solidariedade mais consolidada no seio da sociedade portuguesa encetamos mais um Natal de Presentes Solidários desafiando os portugueses, também cidadãos do mundo, a transformar os estilos de vida, os hábitos de consumo e principalmente o seu posicionamento face a um outro mundo mais vulnerável, reinventando, quem sabe, o próprio conceito da solidariedade. Partilhando, tendo mais disponibilidade para estar ao lado do outro com respeito e humildade. É emergente que exerçamos a nossa influência individual a favor do bem comum a todos. Ainda que os problemas com que nos debatemos peçam soluções a nível global não podemos esquecer que um todo não é apenas a soma de todas as partes mas sim a força de cada uma das partes combinada, que gera algo melhor e maior.

A nossa previsão é portanto positiva. Partimos do pressuposto que a solidariedade é construtiva e é precisamente nas alturas de crise que se gera a oportunidade de transformar angústias em otimismo. Ajudar quando sobra é digno de louvor, mas a essência da solidariedade assenta nos momentos em que somos capazes de partilhar algo que também nos faça falta.

Neste setor social onde operamos e é importante referi-lo, os resultados de vendas são os menos relevantes. É óbvio que no caso dos Presentes Solidários temos como objetivo a angariação de verbas para responder a necessidades concretas e urgentes das comunidades mais vulneráveis que servimos, mas o dinheiro não é o enfoque da campanha. Não estamos à procura de contribuições solidárias pontuais por altura da época natalícia. Encetamos anualmente esta campanha para estimular a transformação individual, uma maior consciência da responsabilidade de cada um de nós na construção de um mundo fraterno e cuja meta principal é o crescimento integral da pessoa humana e de todas as comunidades, para que o mundo se transforme num palco de maior justiça e equidade.

Nesta altura natalícia em que naturalmente ficamos mais sensibilizados para as carências e dificuldades do outro somos bombardeados com aquilo a que costumo chamar de “o complexo das inúmeras causas” – são tantas as solicitações, as instituições a pedir que ficamos baralhados e impedidos de contribuir em tudo. A solução está em escolher, conhecer os projetos, encontrar novas formas de participação – voluntariado, ofertas em géneros, partilha de afetos, tempo, enfim. São inúmeras as formas de ajudar o próximo, valha-nos a criatividade para conseguir responder mediante as nossas possibilidades. Saiamos do nosso casulo e da nossa visão periférica: é altura de olhar mais além e exercer uma cidadania global ativa e envolver as comunidades na procura de melhor futuro para os seus membros. Nós somos o mundo, todos nós.

Não basta que nos preocupemos com o económico, que é uma parte do social. Temos de ir muito mais além, e acima de tudo sermos os primeiros a dar o exemplo.

Um abraço solidário para todos

Vanessa Furtado, FEC

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