Da Contemplação ao serviço

Mensagem Quaresmal do Bispo de Portalegre-Castelo Branco A Quaresma é o período de quarenta dias que precede e prepara a principal solenidade do povo cristão, a Páscoa. Durante a Quaresma, os catecúmenos fazem a preparação próxima para o Baptismo que será celebrado na Vigília Pascal e os cristãos são convidados a renovar a graça baptismal, através da oração e de outros exercícios de ascese, propícios para alcançar a purificação interior, fundamento da vivência evangélica. A Igreja todos os anos convida os fiéis a viverem com particular intensidade este tempo litúrgico, servindo-se dos recursos espirituais colocados à sua disposição. Entre eles, salientam-se a participação nas celebrações litúrgicas próprias desse tempo, as devoções populares que, ao longo dos séculos, se arreigaram na alma do povo, a oração individual e colectiva, a leitura da Sagrada Escritura, a mortificação voluntária e a renúncia a certos bens materiais. Para incentivar a uma vivência espiritual mais proveitosa da Quaresma, todos os anos o papa dirige aos fiéis uma mensagem, pondo em evidência algum dos aspectos fundamentais da vida cristã. Este ano o papa Bento XVI escolheu como tema de reflexão quaresmal a frase hão-de olhar para Aquele que trespassaram (Jo 19,37), que bem merece ser reflectida e aprofundada. É uma frase do profeta Zacarias, citada por S. João no seu Evangelho, como testemunho da messianidade de Jesus Cristo, porque a profecia se cumpriu imediatamente após a morte de Cristo na cruz. Com efeito, o centurião romano e os que estavam com ele, ao contemplar Jesus trespassado pela lança do soldado e já morto, ficaram tão impressionados com o modo como tudo se tinha passado que disseram: este era na verdade o Filho de Deus (Mt 27,54). Também Jesus tinha pré-anunciado os efeitos extraordinários da sua morte, quando disse: e Eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim (Jo 12,32). Na verdade, quem contempla Cristo pregado na cruz, com o lado trespassado, não pode deixar de se sentir interpelado e atraído, ao pensar que Ele se entregou livre e voluntariamente a morte tão infamante, para mostrar à humanidade o amor infinito de Deus por cada ser humano, apesar de todos sermos pecadores. Um amor oblativo que só pensa em dar sem nada pedir em troca. Um amor que atrai os que são objecto desse amor, para os tornar capazes de também eles amarem os seus semelhantes. Pois a contemplação sincera d’Aquele que trespassaram nunca gera passividade. Antes, pelo contrário, desencadeia um processo dinâmico de amor e de serviço ao próprio Cristo e aos irmãos em que Ele está presente, de acordo com as palavras por Ele pronunciadas: se alguém me quiser seguir que me siga; e onde Eu estiver aí estará também o meu servidor (Jo 12,36). Como vemos, o servidor de Jesus é convidado a abrir o coração aos outros e às suas necessidades, para lhes provar que o amor de Deus habita no seu coração e se expande à sua volta, em favor de quem precisa, através de gestos generosos de renúncia voluntária a algo que legitimamente lhe pertence. É dentro deste quadro de amor e de serviço, desencadeado a partir da contemplação de Cristo, trespassado pela lança do soldado romano, que se situa a nossa renúncia quaresmal deste ano. Cada um decidirá, no íntimo do seu coração, com generosidade e em plena liberdade, até onde poderá ir a sua renúncia, a favor de duas obras concretas de primeira necessidade, que nos propomos ajudar este ano: uma na Guiné-Bissau e outra na nossa Diocese. Na Guiné-Bissau, onde trabalha um missionário do Preciosíssimo Sangue, originário da nossa Diocese, ajudaremos a construir o Seminário, destinado à formação dos futuros sacerdotes daquele país, onde os portugueses implantaram a fé e onde a instabilidade política continua a deixar atrás de si um rasto de pobreza. No Bairro dos Assentos da cidade de Portalegre, ajudaremos a levantar a igreja, o centro paroquial e o centro social, cujas obras já foram iniciadas nos fins de 2006. Trata-se de um equipamento religioso, pastoral e social esperado há mais de vinte anos pela população do maior bairro da cidade, situado numa zona em contínua expansão habitacional. Tendo em conta as características da população aí residente e a baixa percentagem da comparticipação com que foi contemplada a igreja e o centro paroquial, só a generosidade de instituições privadas e de pessoas singulares permitirá alcançar os fundos necessários à sua conclusão. Maria, que, iluminada pela fé, no momento da Anunciação, se tornou a Mãe de Jesus e, junto à cruz, aceitou ser nossa Mãe, nos ensine a contemplar o seu divino Filho trespassado pela lança e a descobrir nele a profundidade do amor de Deus, no qual encontram sentido todos os nossos gestos e atitudes de serviço ao próximo. Portalegre, 17 de Fevereiro de 2007 +José, Bispo de Portalegre-Castelo Branco

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