D. João Miranda, 25 anos de Bispo

Bispo Auxiliar do Porto dá-se a conhecer como pessoa e como homem de fé, que preza a liberdade e a proximidade Esta Quinta-feira, 31 de Julho de 2008, completam-se 25 anos sobre a ordenação episcopal de D. João Miranda Teixeira, Bispo Auxiliar do Porto. A Diocese promove uma solene concelebração na Sé, às 19h30. Em entrevista à Agência ECCLESIA, o prelado dá-se a conhecer como pessoa e como homem de fé, que preza a liberdade e a proximidade. Agência ECCLESIA (AE) – Irá celebrar as suas bodas de prata episcopais no próximo dia 31 de Julho. Que marcas destaca no seu episcopado? D. João Miranda (JM) – Fui bispo auxiliar de D. Júlio Tavares Rebimbas, depois de D. Armindo Lopes Coelho e agora de D. Manuel Clemente. Estive sempre ao serviço da diocese, aliás já estava antes de ser ordenado bispo. Quando aceitei a nomeação coloquei-me nessa disposição e escolhi para o meu lema episcopal das palavras de Nossa Senhora: «Faça-me em mim segundo a tua palavra». AE – E foi nomeado num dia 13 de Maio. JM – A 13 de Maio foi a data da assinatura do documento em Roma. O anúncio público foi a 21 de Maio de 1983. AE – Ainda se recorda do dia em que recebeu a notícia? JM – Quando soube fiquei, não direi perturbado, mas ansioso. Pedi um tempo para pensar. Não quis responder de imediato. Mas a pressão de dar uma resposta, obrigou-me a abreviar o tempo. AE – Quantos dias esteve a pensar? JM – Dois dias. AE – Dois dias sem dormir? JM – Não direi isso, mas dormi muito mal. É sempre uma perturbação (risos) AE – Recolheu-se nalgum sítio especial? JM – Pedi conselho e demos uma volta para conversar sobre o assunto. Quando D. Júlio me contactou, disse-me: «Não se pode dizer que não». Respondi-lhe: «A Igreja não ordena bispos à força». AE – Aceitou e já foi bispo auxiliar de três bispos diferentes. JM – Três pessoas diferentes. Três estilos diferentes, mas o mesmo serviço. AE – Foi o braço direito destes três pastores titulares. Quando eles chegam é o D. João Miranda que os acolhe? JM – Ao D. Júlio não, mas ao D. Armindo e ao D. Manuel sim. Já estava cá quando eles vieram. No entanto, nunca tentei perturbar o caminho do bispo residencial porque compete-lhe a ele tomar a iniciativa. AE – Foi ordenado por D. Júlio Tavares Rebimbas. JM – Ele disse-me: «estás chamado pela Santa Sé para o bispo do Porto, mas serei eu que te ordeno». Os outros consagrantes foram escolhidos por mim: D. António Ferreira Gomes e D. Domingos Pinho Brandão, na altura bispo auxiliar da diocese do Porto. Pessoas que eu considerava muito AE – Um dos consagrantes – D. António Ferreira Gomes – até lhe ofereceu o anel episcopal. JM – (Risos). É verdade. Tenho um anel oferecido, antes da ordenação, por D. António Ferreira Gomes. É um anel que nunca usei, mas tenho guardado. Espero deixá-lo como relíquia para a diocese. Iremos ver como será… Vida no Norte AE – Antes de ser ordenado bispo viveu quase toda a sua vida no seminário. JM – Sim. Primeiro, no Seminário de Trancoso, em Gaia. Depois, no Seminário do Paraíso, na Foz (onde está agora a Universidade Católica). Estive também um ano no Seminário Maior. Depois estive um ano em Roma e, de lá, vim para o Seminário do Bom Pastor, em Ermesinde. Aí, estive 15 anos. AE – Nunca sentiu a falta da experiência paroquial? JM – O contacto com a paróquia dá outro tipo de experiência pastoral. No entanto, nos lugares onde desempenhei as minhas tarefas pastorais, estava sempre em contacto com as paróquias onde se situavam os seminários. Colaborei sempre com a pastoral paroquial. Nas férias colaborava também na minha paróquia de origem. AE – Sempre esteve ligado à sua terra natal. JM – Mesmo agora costumo ir lá durante alguns dias. AE – Aproveita para recordar os tempos da infância. Como foi a sua juventude em Vila Verde, Felgueiras? JM – Fui para o seminário bastante cedo (quase 11 anos), mas tive a experiência da vida da aldeia. AE – Ajudava os seus pais? JM – Sim. Como o meu pai era agricultor ajudava-o nesses afazeres. AE – Na altura ainda não se falava no trabalho infantil? JM – Nesse tempo não havia esse problema do trabalho infantil. Desde que não seja um trabalho desajustado e remunerado. Nascimento de uma vocação AE – Depois de terminar os estudos primários foi para o seminário? JM – Sim e não. Antes de entrar e para provar a minha vocação tive que esperar um ano. As pessoas duvidavam se a vocação era a sério ou uma imaginação de criança. Estive um ano com os meus pais e depois entrei. AE – Teve mestres que influenciaram a sua vocação sacerdotal. JM – Foi a influência do pároco da aldeia. Era a figura que se destacava e as crianças que frequentavam a Igreja – na altura eram quase todas – reviam-se nele. Era uma figura prestigiada, mesmo sociologicamente e socialmente. A minha catequista também teve influência. Lentamente, isso foi levedando e entrei no seminário. AE – Depois da entrada nunca sentiu hesitações? Nunca pensou em desistir? JM – Nunca tive dúvidas profundas de continuar a vida do seminário para chegar ao sacerdócio. Mas passei por interrogações e dificuldades no meu tempo de seminário. Todavia, aconselhava-me na orientação espiritual. AE – Depois deste caminho foi ordenado presbítero a 7 de Agosto de 1960, um ano antes de D. António Ferreira Gomes ter sido exilado. Como é que o seminarista João Miranda acompanhou este processo? JM – Fui ordenado por D. António Ferreira Gomes nas primeiras ordens, mas ordenado presbítero por D. Florentino, administrador apostólico da diocese. No seminário não dávamos bem conta de toda a profundidade do assunto. Acompanhávamos, mas, na altura, o seminário era um pouco mais fechado do que é hoje. AE – Posteriormente, e depois da vinda do bispo do Porto para a diocese, tornou-se próximo de D. António Ferreira Gomes. Desde a resignação deste até à sua ordenação episcopal tinham contactos quase diários? JM – Na altura era vice-reitor do seminário e ele pediu-me para dar um arranjo à casa – estava um pouco deteriorada – para onde foi viver depois de resignar. E ajudei – acompanhado por outras pessoas – naquele pedido feito. Suponho que esta foi uma das razões pelas quais ele me ofereceu o anel. AE – Após a sua ordenação presbiteral esteve um ano a estudar em Roma. Que áreas foi aprofundar? JM – D. Florentino mandou-me para Roma, nos Salesianos, com o intuito de me preparar para uma tarefa no Seminário Menor. Foi um curso intensivo. AE – Era bom aluno? JM – Quem sou eu para me avaliar, mas tinha capacidade para estudar. Tinha notas razoáveis. AE – Se fizesse uma tese de doutoramento que área escolhia? JM – Gosto muito da Teologia. Traços de personalidade AE – Consta que o D. João Miranda é uma pessoa muito ponderada. JM – Sou de um temperamento secundário. Não reajo à primeira vista. Penso as coisas duas vezes. Tem vantagens e desvantagens porque quem tem um temperamento secundário mastiga mais as coisas e, às vezes, sofre um pouco mais. AE – Nos seus tempos de escola já agia dessa forma? JM – Era um pouco recolhido. Não era expansivo como muitos dos meus colegas. Como não era muito dado ao desporto – não tinha habilidade para o futebol – os meus colegas não me escolhiam muito para o desporto. Refugiei-me nos desportos menos agressivos (Bilhar e Ping-pong) e nos livros. AE – Essa forma de agir não lhe retira o medo de ser vencido. A sua liberdade de expressão é fundamental. JM – Medo não. Aliás, prezo muito a liberdade. No entanto, reconheço que não é uma coisa fácil. Ser livre nas várias situações não é fácil. AE – É uma tradição dos bispos do Porto? JM – Não sei… (Risos). Não sei se é da terra ou do Norte. O Bispo, a cidade e as letras AE – Costuma fazer caminhadas pela cidade do Porto… Uma forma de contemplar o granito da cidade. JM – Saio sempre que posso. Por um lado, os médicos recomendam, e por outro faz-me sair e contactar a vida. E aproveito para contemplar a cidade. No entanto, também gosto da aldeia e do campo. Gosto imenso de contemplar o céu. AE – Uma das suas características é a proximidade… JM – Faço o possível por estar próximo. Nasce da forma de ser da pessoa… AE – Nota-se que gosta da escuta? JM – Gosto muito de ouvir. Mais de ouvir do que falar. Digo isto com frequência: «é necessário saber ouvir, ouvir muito, para depois acertarmos na palavras que devemos dar». A minha experiência diz-me que as pessoas necessitam de ser ouvidas. Quando me ordenei, há quarenta e tal anos, não era tanto assim. AE – Consequências da pressa da vida? JM – Também não sei se há muitas pessoas disponíveis para ouvir. Não há tempo porque as pessoas gastam-no de outra maneira. Não há tempo para as pessoas se sentarem… Recordo-me que o director espiritual do Seminário Maior do Porto dizia: «O padre deverá ter a vocação do assento». A vida de hoje é muito nervosa. AE – Quando foi formador no Seminário chegou a leccionar português? JM – Gosto muito de português. Acho que a língua deve ser preservada e tenho muita pena que, hoje, não se estude o Latim. É a base e a raiz da compreensão do português. AE – No seu vocabulário nunca entra o termo «bué»? JM – Isso nunca digo. AE – Um léxico muito rigoroso. As suas homilias são sempre objectivas e com um português correcto? JM – Procuro fazer isso. Quase sempre escrevo porque não tenho uma grande capacidade de improviso. Já quando era padre tomava umas notas para me orientar. Sou um bocado cartesiano… AE – Então gosta de ler? JM – Nunca me deito sem ler um bocadinho. Gosto da literatura portuguesa e também livros de formação, relativamente ao meu múnus pastoral. AE – Qual o seu escritor preferido? JM – Gosto de Eça de Queiroz. A frase dele é muito elaborada… Mas também gosto de escritores modernos. Li o romance do Sousa Tavares e gostei. AE – E Poesia? JM – Gosto muito dos sonetos de Antero de Quental e de Florbela Espanca AE – Sem esquecer a portuense Sophia de Mello Breyner? JM – Também tenho livros dela. O futuro AE – Isto são actividades extras. Como é o dia á dia de um bispo auxiliar? JM – Cada bispo tem uma zona para onde dirige mais a atenção. Além da zona pastoral temos actividades específicas. Já tive a pastoral da família, dos consagrados, religiosos e vocações. AE – No seu múnus episcopal esteve alguns meses como administrador apostólico da diocese. Uma experiência nova… JM – Foi uma surpresa. Não deu para tomar o pulso à diocese. Mesmo sem bispo a diocese do Porto não pára. Ela esteve décadas sem bispo e não parou… AE – Então o Porto não necessita de um pastor? JM – Precisa. Mas não pára porque o pastor está doente ou quando não há pastor. AE – Tem 72 anos. O que espera fazer até pedir a resignação? JM – Ajudar D. Manuel Clemente, mas agora com menos ritmo. A idade começa a pesar. AE – Não pensa escrever as suas memórias? JM – Não sei o que será depois, mas por agora não tenho essa intenção

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