D. António Marcelino – Um bispo que não deixou apodrecer o II Concílio do Vaticano

A notícia do falecimento de D. António Marcelino, bispo emérito de Aveiro, obrigou-me a revisitar o pensamento e alguns textos do prelado sobre o grande acontecimento eclesial do século XX. Não esteve presente na Basílica de São Pedro durante os trabalhos conciliares (1962-1965), mas intuiu que algo estava a mudar na dinâmica eclesial. Estudou em Roma (voltou em 1958) e sentia a efervescência embrionária da convocação conciliar. Um dia confessou à Agência ECCLESIA que “estava tudo a abanar”.

A notícia do falecimento de D. António Marcelino, bispo emérito de Aveiro, obrigou-me a revisitar o pensamento e alguns textos do prelado sobre o grande acontecimento eclesial do século XX.

Não esteve presente na Basílica de São Pedro durante os trabalhos conciliares (1962-1965), mas intuiu que algo estava a mudar na dinâmica eclesial. Estudou em Roma (voltou em 1958) e sentia a efervescência embrionária da convocação conciliar. Um dia confessou à Agência ECCLESIA que “estava tudo a abanar”. Pio XII morre em setembro, é eleito, em outubro, João XXIII.

“Vivi esta transição toda. Em Roma, tínhamos um grupo de padres que se reunia a sonhar com Portugal”. Depois daquela experiência foi para o Seminário com uma “mentalidade aberta. Escrevi sobre preparar pessoas para o catecumenato e alguns colegas ficaram muito ofendidos, porque pensaram que eu estava a pôr problemas que ainda não se sentiam. O meu bispo apoiou-me sempre muito”.

A seguir ao concílio, viajou pelo país de norte a sul para “falar dos documentos conciliares”, relatou com um brilho nos olhos. Com o II Concílio do Vaticano, abriu-se um novo horizonte. “Na altura senti que o fruto estava maduro: era altura de o comer ou dele apodrecer”. Viveu esses anos de forma apaixonada e empenhou-se, fortemente, na sua divulgação. Chefiou uma equipa que passou pelas dioceses portuguesas “oferecendo cursos novos sobre temas conciliares” – disse.

Passados 50 anos do início dos trabalhos conciliares, D. António Marcelino continuava a falar do magno acontecimento convocado por João XXIII e terminado com Paulo VI com palavras vivenciais que lhe saiam naturalmente. Da sua pena fluida e profunda – lia religiosamente os artigos que publicava semanalmente no «Correio do Vouga» – D. António Marcelino alertava consciências, ancorado nas traves mestras do II Concílio do Vaticano.

No episcopado português, D. António Marcelino era considerado um dos bispos mais inovadores. Perante esta qualificação, o prelado de Aveiro referiu que “não há uma bitola para dizer que se é mais inovador ou menos. Temos que nos pôr sempre ao nível das dioceses, das capacidades e serviços. Posso dar mais nas vistas em relação a algum tipo de coisas e a alguns riscos que sempre corri. Porque é que fui o primeiro bispo a fazer um sínodo diocesano? Andava tudo com muito medo. Eu falava da ideia e diziam-me: «Faz tu primeiro». Vivi sempre esta preocupação: que a Igreja fosse um serviço para o mundo e que aprendesse de facto a dialogar com o mundo”.

Ao olhar para a Igreja portuguesa (soma das dioceses), D. António Marcelino realçou que esta “não tem um plano em grandes linhas para poder enfrentar os problemas. E não tem porquê? Não vê os problemas? Claro que os vê. Simplesmente, a perceção é totalmente diferente numa diocese do norte ou no sul, no interior ou litoral. Com perceções tão diversas, é muito complicado ter planos que enfrentem as situações”.

Vou sentir saudades suas e das ideias que deixava semanalmente. Recordo o último encontro – ajudei-o a transportar a pasta durante o trajeto – onde o prelado conciliar e conciliador me confessou: “Agora tenho mais tempo para ler e aprofundar a realidade à luz do II Concílio do Vaticano”.

LFS 

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