D. Manuel Clemente convida a ler obra para perceber o «português, europeu e cidadão do mundo»
Lisboa, 02 dez 2020 (Ecclesia) – O ensaísta Eduardo Lourenço vai permanecer como “alguém de 15 anos, dentro de uma estante, oferecido ao futuro”, disse hoje a escritora Lídia Jorge, ao recordar o seu legado para a construção de uma “sociedade livre e próspera”.
“Foi sempre um jovem de temperamento. Mantém-se sempre alguém de 15 anos, dentro de uma estante, oferecido ao futuro. É importantíssimo passar aos jovens a mensagem que deixou, porque sempre acreditou que a juventude é capaz de fazer valorizar o passado, a partir da força que ele dá, a construir um futuro melhor”, afirmou à Agência ECCLESIA.
Eduardo Lourenço, ensaísta, professor, filósofo e crítico literário morreu esta terça-feira, em Lisboa, aos 97 anos de idade, tendo sido decretado para hoje, dia de luto nacional.
Uma “estante enorme cheia de livros” fica disponível para “quem não o conheceu” para que possa, “através dos livros aprender como se dialoga com os outros, como se luta pela verdade, como se dá à função do pensamento e sentido crítico, o valor mais alto para se construir uma sociedade livre e próspera”, referiu Lídia Jorge.
Já o cardeal-patriarca de Lisboa convidou ao conhecimento da obra de Eduardo Lourenço, que “deixou páginas fundamentais” para se perceber “o que é ser português, europeu e cidadão do mundo” e sublinhou o contributo “muito consistente” do ensaísta.
“Todos nós, neste mundo, deixamos algum rasto, às vezes por presença, outras por ausência. No caso de Eduardo Lourenço é por muita presença e muita consistência. Foi alguém que durante toda a sua vida nos fez interrogar sobre o que somos, como pessoas e como portugueses, como europeus e cidadãos do mundo, e essa interrogação permanente, que foi nossa também porque ele a suscitou, ajudou-nos a todos a crescer”, afirmou.
D. Manuel Clemente frisou ainda a “inquietação” sobre Deus que Eduardo Lourenço “transportou durante toda a sua vida”.
É um homem que levou sempre consigo uma inquietação que trouxe da infância, que é uma inquietação religiosa, no sentido de se procurar, não só o que os outros esperam dele, mas o que o próprio Deus espera. Essa inquietação, que transportou durante toda a sua vida, aparece muito nas suas páginas, digo, por presença ou desejo. Dai que revisitar Eduardo Lourenço, como agora o revisitamos em Deus, é um bem para todos”.
D. José Tolentino Mendonça, por sua vez, ressaltou o contributo de Eduardo Lourenço como “teórico da ausência”.
“Ele falou da presença de Deus contando quão ardente, quão insepulta, quão irresolúvel, quão irremovível, é a ausência de Deus. É um falar de Deus pela negativa – não a presença mas a ausência – mas aqui a ausência era tão luminosa e vibrante, ressoava tanto, que é um dos autores fundamentais para, em Portugal, pensarmos a questão de Deus”, assinalou.
O bibliotecário e arquivista da Santa Sé, que indicou na homilia da celebração exequial, o quanto Portugal é devedor a Eduardo Lourenço, desenvolveu à Agência ECCLESIA a “paixão, não só por Portugal, mas pela ideia de comunidade”.
“Nas milhares de páginas que escreveu em que falou dos poetas, músicos e cineastas, no fundo estava a dizer que o trabalho criativo desenvolvido por portugueses e portuguesas ao longo do tempo, com temperamento e percursos e géneros tão diversos, no fundo estávamos todos a construir uma casa espiritual comum”, realçou.
O cardeal português indicou que ler “Fernando Pessoa, Antero de Quental”, escutar a “música do Lopes Graça”, ver o “cinema do Manuel de Oliveira”, ou ler “um romance da Agustina Bessa Luís”, são cruzamentos que confluem para uma “experiência espiritual”.
“São cruzamentos que mostram que cada um de nós não é apenas um fragmento mas fazemos parte de uma experiência espiritual comum que é, no fundo, a ideia de Portugal”, disse.
D. José Tolentino Mendonça reconheceu ainda um “olhar curioso e profundo”, tal como “uma criança” que o ensaísta “nunca perdeu” e que “a propósito de qualquer assunto”, convidava a “fazer uma viagem, dando profundidade àquilo que parecia raso, superficial, imediato e resolvido. Ele dava sempre uma profundidade que fazia ver as coisas de outra forma”.
PR/LS