Especialista pediátrica aposta nos cuidados domiciliários e pede «tempo» para que os profissionais e as equipas se possam especializar
Lisboa, 16 nov 2022 (Ecclesia) – Cândida Cancelinha, médica pediatra especialista em Cuidados Paliativos, defende que compete a toda a sociedade dar as condições necessárias para que as crianças “pertençam aos seus contextos” e providenciar os cuidados que as famílias precisam para ser felizes.
“As crianças não pertencem nem à família nem aos hospitais, mas à sociedade. O nível de desenvolvimento da nossa sociedade mostra-se pelos cuidados que prestamos e oferecemos às nossas crianças. São crianças que têm o direito de ser tratadas enquanto tal e ser incluídas na sociedade onde estão, independentemente de todas as suas necessidades”, explica à Agência ECCLESIA a médica do Hospital Pediátrico de Coimbra (HPC).
A especialista indica que os Cuidados Paliativos devem ser vistos “como qualquer especialidade médica” e indica um caminho necessário a fazer para que a “conotação negativa” com esta área específica desapareça.
“Sou defensora que as pessoas têm de saber o que são cuidados paliativos. O caminho tem de ser pela literacia. Há pessoas que têm consciência, sobretudo quem os vivencia na pele. É muito gratificante ver as nossas famílias a participar e dar testemunhos sobre o que são os cuidados paliativos. Mas há ainda um profundo desconhecimento porque fugimos de falar sobre o sofrimento e a morte”, lamenta.
Cândida Cancelinha lamenta que os cuidados paliativos sejam mediaticamente relacionados com “pessoas idosas, que têm cancro e vão morrer em breve”.
“São uma área da medicina especializada como qualquer outra, que se destina a tratar e abordar pessoas em processo intenso de sofrimento, acompanhar as famílias e todos os profissionais envolvidos no processo”, sublinha.
Com o objetivo de dotar a sociedade, não apenas os familiares diretamente ligados a crianças com necessidades especiais, a Instituição Particular de Solidariedade Social «Attitude» desenvolver, de forma “gratuita e disponível online”, tutoriais que permite formar familiares mas também pessoas nas escolas e instituições que as crianças frequentam, profissionais de diversas valências.
Há crianças que deixam de ir às escolas, se isolam e os pais deixam de trabalhar porque na escola não sabem usar a sonda naso-gástrica. Queremos que as crianças permaneçam no seu contexto, na sua comunidade e que todos estejam preparados para responder ao que necessitam”.
O trabalho de Cândida Cancelinha decorre em ambiente hospital mas sobretudo em ambiente familiar, lugar onde as crianças estão e, acrescenta, “a maioria chega a falecer junto dos seus familiares”.
A especialista reconhece nos corredores do HPC um local de vida, onde “95% do trabalho é a cuidar de vida”, de crianças com doenças neurodegenerativas, oncológicas, mas frisa a importância de se quebrar a “conspiração do silêncio” quando o fim de vida se aproxima.
Cândida Cancelinha explica a importância de as equipas dos cuidados paliativos estarem preparadas para as perguntas das famílias, respeitando os ritmos, também “a necessidade de as famílias não quererem falar em determinadas alturas” e as perguntas dos pacientes que chegam “tantas vezes de forma direta e inesperada”.
Muitas inibem-se de fazer perguntas à frente dos pais porque não os querem preocupar. Mas muitos pergunta: Eu posso morrer? Quantos meninos tiveste que morreram com este medicamento? Eu sei que isto vai acontecer, mas eu não sei quem vai cuidar da minha mãe quando eu morrer? Será que vou ser lembrado? A minha família vai esquecer-se de mim? Vão lembrar-se só do meu irmão? Como foi com outros meninos que tiveram a mesma doença que eu?”.
“Há pais que pedem para não falarmos com os meninos mas esse é um trabalho que tem de ser trabalhado. Pensa-se que crianças de cinco anos não percebem mas elas percebem o tom de voz, percebem quando os pais saem do quarto para falar e chegam com os olhos molhados. Há um trabalho que precisa ser feito para evitar a conspiração do silêncio”, acrescenta.
A conversa com Cândida Cancelinha pode ser acompanhada esta madrugada, depois da meia-noite, no programa Ecclesia na Antena 1 da rádio pública, ficando disponível no portal de informação ou em formato podcast.
LS