Cristão lider por dom do Espírito

Sede bons administradores da graça que Deus vos concedeu e cada um de vós ponha ao serviço dos outros os dons que recebeu – exorta São Pedro os cristãos destinatários da sua primeira carta dispersos por várias regiões do Império. Ilustra a sua recomendação com os exemplos do anúncio da palavra e com a dedicação ao serviço. A mensagem transmitida faz parte de um conjunto de atitudes que expressam e fomentam a esperança activa, a relação mútua, o estilo sóbrio de vida, a doação recíproca por amor. Constitui um bom ponto de referência para o tema que me foi pedido: as lideranças na missão da Igreja, e está em consonância com outros textos do novo testamento e com o pensar do magistério pós-conciliar do Vaticano II. 1. Todos os fiéis recebem dons que devem saber gerir com ousadia prudente. Não apenas para proveito pessoal, mas para utilidade comum. Não apenas atendendo ao presente, mas abrindo-se confiadamente ao futuro. É o próprio Deus quem os concede, por meio do Seu Espírito. Uma boa gestão glorifica o Senhor e serve os irmãos. Esta forma de actuação constitui a liderança fundamental por graça do Espírito Santo. Importa, por isso, descobrir e reconhecer a sua qualidade, apreciar e difundir o seu alcance inovador, promover com diligência as múltiplas formas que reveste e, tantas vezes, redimensiona os dotes naturais e adquiridos comuns a tantas pessoas de boa vontade. A título ilustrativo, basta lembrar os cristãos na família e no voluntariado de vizinhança, nos espaços socioculturais, económicos e políticos, nas missões humanitárias, nas corporações de bombeiros e nas respostas de emergência. Nem sempre esta forma de liderar mostra o dinamismo que dá sentido à vida e seus acontecimentos; também raramente é devidamente considerada e apreciada; apenas esporadicamente desperta a atenção dos meios de comunicação que preferem noticiar a insignificância da presença cristã na sociedade, o apagamento da instituição ou o episódico de alguma situação. A imagem elaborada e “publicada” surge desfigurada da realidade e avoluma a “impressão” de que os cristãos estão ausentes da vida na sociedade e a fé não provoca qualquer impacto público. 2. Os dons do Espírito especificam-se conforme as funções e os ministérios ao serviço daquela liderança fundamental. O exemplo de Jesus testemunha-o de forma expressiva. Os ensinamentos de São Paulo são muito claros. Quem recebe um dom assume uma responsabilidade. Nas várias áreas da missão da Igreja, designadamente da animação e coordenação pastoral. Sirvam de referência os líderes de grupos, os animadores de equipas, movimentos e associações, os facilitadores da comunicação entre comunidades e da busca da melhor solução para o desempenho da missão, os encarregados da prestação de serviços ou da gestão de obras apostólicas em comunhão com a hierarquia, embora com relativa autonomia. Este conjunto representa uma vasta área de animação e intervenção. Basta mencionar a rede de quantos se dedicam a quem pretende libertar-se da miséria e ganhar possibilidades e confiança para se auto-governar e ajudar outros que se encontram em condições semelhantes: conferências vicentinas, organizações para o desenvolvimento, misericórdias, agrupamentos de escuteiros, associações de famílias. 3. Há um tipo de líderes que merece uma referência especial: as comunidades de vida consagrada, em si mesmas e no agir da maioria dos seus membros. A sua liderança é notável pela influência positiva nas causas a que se dedica, provocando forte impacto social, mas sobretudo pelo que representam – a força do modelo a que todos estamos chamados: ser pessoa em comunhão, respeitando as diferenças, convergindo nos esforços, servindo por amor de doação, caminhando na santidade a que Deus, por Jesus Cristo, nos chama. Constituem um espaço humano em que a Igreja pode rever, de forma qualificada, a sua vocação e missão. 4. O líder que interage de forma participativa, animando pessoas e coordenando projectos ou programas, há-de ter uma visão clara da sua função e saber situá-la no âmbito da missão da Igreja e no contexto social envolvente. Ser líder é ter capacidade de motivar, de exercer uma influência positiva, de acolher propostas e de estabelecer parcerias, de captar o dinamismo e o sentido das mudanças, de gerar consensos, de infundir esperança. O líder coordenador deve ser realista, conhecer a situação da equipa e da comunidade, cultivar atitudes de serenidade e confiança, evitar o pessimismo e a ansiedade, prosseguir os objectivos traçados, dedicando especial atenção às pessoas. Na parábola do Bom Pastor, encontram-se outros elementos significativos. Forjar um bom coordenador exige o uso de meios adequados, designadamente a integração efectiva na comunidade de que faz parte, a experiência de membro de equipa, a capacidade de intervir com acerto, de acolher e de gerar consensos. Pode assim captar com mais facilidade as necessidades e experimentar o ritmo de grupo com o qual caminha. (Coordenadores “desencarnados” da realidade correm o risco de ser técnicos especializados e não pessoas de comunhão). 5. A liderança pastoral tem em conta o que acaba de ser referido, mas lança as suas raízes mais profundas no ministério ordenado, fruto de um carisma especial celebrado num sacramento e configurado num múnus. Daí, brota o serviço dos pastores e daqueles que, por delegação ou especial mandato, são responsabilizados por funções reconhecidas de “utilidade” eclesial. Todo o ministério ordenado está ao serviço da comunhão e da missão, agindo em nome de Jesus Cristo. Radica na Trindade que se expressa na unidade das legítimas diversidades. Reconhece e fomenta os dons concedidos pelo Espírito em ordem ao bem comum. A prática pastoral tem de ser coerente e consequente. Ser responsável pela prática da comunhão na Igreja (cf. ChL 31) e nas suas múltiplas instituições e comunidades significa o empenho total para que haja uma correcta compreensão da comunhão, se fomente a correspondente cultura comunional e se superem antagonismos e divisões. Envolve ainda o apreço por aquilo que é diferente e o reconhecimento do que é comum e a todos irmana e congrega. A missão decorre da comunhão e edifica-a. O ministério da Palavra, o serviço da Liturgia e a prática da Caridade constituem as vias normais por onde circula a seiva revigorante da comunhão. O serviço dos pastores à missão configura o seu perfil e marca o estilo da sua liderança pastoral. As relações fraternas na Igreja favorecem e alimentam o estilo de vida que testemunha a novidade do Evangelho: “Vede como se amam”. “Pai, que todos sejam um como Nós somos um a fim de que o mundo creia”. Edificar a comunhão eclesial como sinal de evangelização é prioridade constante, mas sobretudo no nosso tempo com marcas de acentuada fragmentação e de critérios relativistas. A liderança dos pastores realiza-se não apenas no ministério, mas, e de modo peculiar, no modo como o ministério é exercido. Não pode pretender em abstracto a glória de Deus e esquecer a pessoa humana, a vida em abundância que o Senhor Jesus lhe quer transmitir. 6. A sinodalidade da Igreja surge como o legado mais precioso para o exercício adequado deste ministério e como a via mais qualificada para suscitar a consciência comum da missão que a todos foi confiada, das funções diferentes que cabe a cada um, da complementaridade que enriquece a comunhão. Este modo de ser Igreja sinodal expressa a sua dimensão de peregrina em busca da verdade mediante o discernimento pessoal e comunitário, realiza-se em assembleias periódicas e estrutura-se em órgãos permanentes: as instâncias de participação. A liderança dos pastores, sendo função pessoal e colegial, está muito condicionada pela capacidade de constituir e gerir estes órgãos sinodais em articulação com o sentir do povo de Deus e em solidariedade com o mundo, espaço onde os sinais dos tempos apontam caminhos a seguir com sabedoria. Também aqui são necessárias novas e ousadas iniciativas. Pe. Georgino Rocha

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